
Agora, a BYD está tentando reescrever essa narrativa, lançando modelos luxuosos com preços acima de US$ 200 mil. O seu mais recente esforço para sombrear sua reputação utilitária é a construção de um complexo que inclui circuito de alta velocidade para levar clientes potenciais do trânsito urbanos para as pistas de corrida. O fabricante de carros com sede em Shenzhen (China) inaugurou no início de agosto um circuito para “todos os terrenos” em Zhengzhou, uma cidade com mais de 10 milhões de habitantes localizada na China central. A iniciativa é parte de um plano de investimentos de US$ 700 milhões que pretende construir circuitos abertos ao público e projetados especificamente para veículos da “nova energia”.
Por um ingresso no valor de US$ 84 (R$ 462), quem é fã de corridas automotivas poderá sentir o gosto de pilotar por uma hora, incluindo test-drive de um modelo de volume popular e uma volta no circuito com o Yangwang U9 de US$ 140 mil (R$ 770 mil). A proposta em estilo gincana parece uma promoção de vendas paga, porém, com alguns dólares a mais, os aspirantes a pilotos podem ter acesso a uma gama maior de modelos premium BYD, que é quando a brincadeira fica interessante. Os motoristas podem fazer experiências de aceleração em uma pista reta de 550 m de comprimento e testar suas habilidades em slalom, uma manobra repetitiva em zigue-zague, ou fazer o teste do alce, manobra de emergência mais agressiva, utilizada para testar a estabilidade e agilidade do carro.
O teste do alce ficou muito conhecido com o “falecido” Classe A, da Mercedes Benz, no final do século passado, quando o monovolume compacto da marca alemã foi reprovado nesse teste, por um jornalista finlandês. A notícia obrigou o fabricante a fazer recall do modelo, que a partir daí passou a ter como item de série o sistema ESP (programa de estabilidade eletrônica), que transformou um Classe A original em um carro impossível de se capotar.

A BYD não é única marca chinesa que investe em esporte a motor. A Geely (maior acionista e controladora da sueca Volvo) já construiu vários circuitos, incluindo o Circuito Internacional Ningbo. Seu fundador e chairman, Li Shufu, propôs ao governo chinês que circuitos que atendam padrões internacionais recebam incentivos em termos de terrenos e benefícios fiscais. O protótipo Xiaomi SU7 Ultra, enquanto isso, quebrou o recorde de volta no circuito alemão de Nurburgring e a gigante tecnológica chinesa criou um clube de certificação para os pilotos de Xiaomi.
Para os puristas, o conceito BYD irá apresentar um paradoxo. A própria essência do esporte a motor foi sempre ligada à experiência visceral: o barulho arrepiante do motor e a vibração da carroceria do carro. Exatamente ao contrário, os EVs são definidos pela sua operação silenciosa e instantânea, sua aceleração linear. Um piloto da velha escola, acostumado com a sensação tátil do câmbio de marchas manual, pode enxergar o zumbido silencioso de um motor elétrico com uma traição ao espírito do esporte motor. O número crescente de características e soluções inteligentes e automatizadas podem ser ainda mais frustrantes.
Nas corridas tradicionais, é a habilidade do piloto – a manobra precisa da embreagem, do freio e acelerador – o que leva o carro a seu limite máximo. Mas pilotar um EV com suas inúmeras funções de assistência ao motorista pode fazer parecer que é o carro, em vez do piloto, que faz a maioria das manobras e controla o veículo. Isso realmente depende em sua definição pessoal de “prazer ao dirigir”, disse Sean Zhou, um comentarista da Fórmula 1 de Shangai. “Não há dúvida que eles são rápidos (os EVs), mas se você irá gostar ou não de corridas de carros elétricos, é uma questão totalmente subjetiva.”

Depois de conquistar o “mercado de massas”, um fabricante como a BYD tem apenas duas opções para subir degraus na escada das marcas, de acordo com Zhou. “Ou ele vai para os superluxuosos, como a Rolls-Royce, ou se direciona aos superesportivos, como a Ferrari. Por enquanto, o poder de precificação da marca é determinado pelo valor emocional que oferece, e isso tem limitações que precisamos superar.”
Na pista de testes de Papenburg, Alemanha: o superesportivo Yangwang U9 Track Edition alcançou a marca de 472,41 km/h, estabelecendo um novo recorde de velocidade máxima para carros elétricos
Perto de 500 km/h

Ao volante do superesportivo emissão zero estava o piloto alemão Marc Bessen, que também obteve o recorde anterior com a versão básica do modelo em 2023. Para essa prova, o veículo ganhou uma cabine de proteção e bancos de competição, além de pneus “semi-slick”, desenvolvidos em colaboração com a Giti Tire, projetados para maximizar a aderência em condições extremas. Fora isso o automóvel manteve seus componentes de produção, que incluem seu avançado sistema de suspensão e a gestão independente em cada roda.
Com esse resultado, o Yangwang U9 Track Edition se posiciona entre os carros mais velozes do planeta. Apesar da marca chinesa haver realizado a prova em apenas uma direção e não no percurso ida e volta, como exigem as normas para estabelecer um registro mundial – fato que poderia afetar a oficialidade do recorde –, o certo é que a marca de 472,41 km/h confirma que os elétricos alcançaram um novo nível de rendimento.