
Chanel libertou as mulheres dos espartilhos e das roupas excessivamente ornamentadas, criando vestidos soltos, o tailleur de tweed e o pretinho básico. Um estilo prático, que respondia à necessidade de roupas funcionais num momento em que as mulheres começavam a participar mais ativamente da vida social e profissional.
Hoje, o fast fashion democratizou o acesso à moda, mas expôs um modelo de negócio em esgotamento. A preocupação crescente com as montanhas de descarte têxtil é apenas uma das faces desse setor, que gera 10% das emissões globais de gases de efeito estufa. E está sendo desafiado a repensar suas estratégias em múltiplas frentes - do comportamento do consumidor à sustentabilidade, passando pela tecnologia e pela geopolítica.
“A moda é uma impressão do coletivo. Vivemos em uma sociedade que tem repensado os modelos”, define à Encontro a empresária Silvia Monteiro, fundadora e diretora criativa da Isla, marca mineira de bolsas de luxo.
“A sociedade, ainda que de forma muito tímida, começa a discutir um problema urgente: toda a estrutura da moda que produz o que vestimos”, reforça Eduardo Paixão, gerente de Estilo da Cedro Têxtil, indústria mineira fundada há 153 anos.
O mercado passa a demandar peças mais duráveis, reaproveitáveis e que gerem menos impactos — ambientais e sociais — em sua produção. E, acima de tudo, que reflitam as mudanças culturais impulsionadas pela pandemia.
E em 2025, o cenário é de uma evolução tecnológica sem precedentes. Mas, diferentemente do tempo de Chanel, marcado por duas guerras mundiais, foi a pandemia de Covid-19 o divisor de águas da moda neste século.
O isolamento social reduziu drasticamente o consumo e acelerou as vendas online. Ao mesmo tempo, a cadeia de suprimentos mergulhou em crise. Nesse contexto, empresas de moda — assim como de diversos outros setores — foram forçadas a repensar suas estruturas de negócio e a reformular seus portfólios.
A Isla sentiu o choque de frente. A grife mineira de bolsas de luxo estava consolidada na moda festa quando veio o fechamento das lojas, em março de 2020. ”A marca sofreu muito. Houve muita devolução de mercadoria. Nossos estoques ficaram muito altos. Foi um caos, desesperador”, lembra Silvia Monteiro.
Ela conta que, no instinto de se manter viva, a Isla precisou se reinventar. “Nosso DNA é festa, e continuamos muito com essa essência. Mas, com a ausência dos eventos e a dificuldade de conseguir matéria-prima na pandemia, nos vimos obrigados a expandir o portfólio para moda praia”, lembra a empresária.
Como a Isla criou sua própria cadeia de suprimentos

Nessa jornada, a equipe da Isla conheceu um grupo de mulheres artesãs de Brumal, um pequeno distrito histórico pertencente ao município mineiro de Santa Bárbara, a 100 km de Belo Horizonte. Elas haviam fundado a Casa das Tecelãs, em 2012, e também lutavam para gerar renda com a arte de tecer. O encontro foi marcante: para as mulheres, significou a possibilidade de crescer o orçamento; para a Isla, abriu caminho para integrar tradição, sustentabilidade e propósito em sua produção.
A empresária conta que as artesãs já trabalhavam com resíduos têxteis, criando tapetes e jogos americanos vendidos a preços muito baixos. A Isla reconheceu o potencial criativo e passou a fornecer matérias-primas descartadas pela indústria — como sobras de malharias do Sul do país e o ourela, uma rebarba de tecido plano com textura única que antes era incinerada.
Hoje, a linha de produção da Casa das Tecelãs é destaque na rede de pequenos ateliês que atendem a Isla, que mantém ainda uma fábrica própria em Belo Horizonte e duas unidades exclusivas no Sul. “A parceria cresceu e hoje envolve cerca de 40 artesãs. Muitas delas se tornaram a principal fonte de renda de suas famílias, conciliando a produção artesanal com a vida doméstica”, celebra a diretora criativa da Isla.
"Mais do que uma linha de produtos, representa um modelo de negócios em que a sustentabilidade não é marketing pontual, mas premissa de toda a cadeia: do aproveitamento de resíduos à valorização justa do trabalho manual”, acrescenta.
Novas coleções refletem mudanças na indústria
Essa é uma tendência que veio para ficar: a valorização do trabalho manual com protagonismo das mulheres na cadeia produtiva. Assim nasceu um novo posicionamento, que Silvia Monteiro define como “luxo acessível” — exclusivo, feito à mão e ao mesmo tempo conectado à rotina urbana.

Para a empresária, a personalização e o upcycling são o próximo passo: “É nossa responsabilidade como marca despertar a consciência de que moda é estilo, não tendência. Trazer novas usabilidades às peças é uma forma de promover circularidade, prolongar a vida útil e tornar o consumo mais atemporal.”
A loja da Isla no BH Shopping terá, uma vez por semana, uma artesã para customizar bolsas das clientes, novas ou usadas. O cliente poderá, por exemplo, dar nova vida a uma peça antiga com a troca de uma alça ou um detalhe handmade. “A proposta une sustentabilidade, circularidade e personalização, reforçando o compromisso da marca com o consumo consciente”.
Elegância, mas com conforto e sustentabilidade

Bruno avalia também que, depois de um período de forte casualização impulsionada pela pandemia, há um movimento de retorno à elegância. Em sua nova coleção, a marca mineira fundada pelo pai de Bruno, o empresário Paulo Nunes, aposta em alfaiataria contemporânea, formas mais amplas e proporções renovadas - em contraste com o slim fit.
“Estamos observando uma volta da alfaiataria e de peças que resgatam a ideia de vestir bem. O público busca elegância, mas com conforto e novas proporções, como ombros mais soltos e calças menos ajustadas”, explica Gomide.
Fundada em 1969, a Zak se consolidou como a marca masculina mais longeva do Brasil, com 56 anos de história, e tem crescido de forma expressiva. Crescimento que, segundo o CEO, acontece em sintonia com mudanças de comportamento no vestir masculino.
Entre 2024 e 2025, o número de showrooms passou de sete para dez. Além de reforçar sua presença no canal de franquias, a empresa projeta novas aberturas em São Paulo: uma loja no Parque Shopping, em 2026, e outra ainda sem local definido. O varejo próprio também se fortalece, representando 12% do resultado em 2025.
“Temos uma história de resiliência, propósito e produto. A sucessão foi feita com solidez, e meu pai segue próximo ao negócio, o que reforça nossa consistência. Estamos ampliando sem perder a essência que nos trouxe até aqui”, afirma o empresário.

“A combinação entre história, consistência e inovação projeta a Zak para um futuro em que tradição e modernidade caminham juntas”, determina Bruno.
Quem diria que o home-office viria para ficar?
Também como reflexo da pandemia, as roupas de “ficar em casa” migraram, de vez, para o trabalho e para o dia a dia, privilegiando o conforto e a versatilidade. É o que mostra a nova coleção da Cedro Têxtil, líder em workwear na América Latina e entre os maiores fabricantes de sarja e denim - base do tradicional jeans.

Ele explica que a proposta dialoga diretamente com o cenário pós-pandemia, em que o vestuário passou a ser valorizado pelo conforto, pela praticidade e pela adaptação a diferentes situações do dia. São peças mais amplas, respiráveis e versáteis, que acompanham o consumidor do trabalho até momentos de lazer, traduzindo de forma clara a tendência de moda com funcionalidade.
No caso do Índigo, a presença de 2% de elastano garante maior mobilidade, enquanto o Color chega com uma proposta de respirabilidade e suavidade, sendo 100% algodão e com apenas 6,5 oz - um tecido mais aberto e leve, pensado inclusive para atender ao público infantojuvenil.
Menos água e CO2

Os resultados falam por si: 85% menos emissões de CO%u2082e, corte de 73% no consumo de vapor, redução de 50% no uso de água e economia de 33% na energia elétrica. Com quatro unidades fabris em Minas Gerais, nos municípios de Sete Lagoas, Caetanópolis e Pirapora, a companhia tem capacidade instalada para produzir 70 milhões de metros de tecido ao ano.
Tarifaço é duro golpe nas exportações
Aumento de custos, atrasos na cadeia, reajustes em fornecedores, marcas com medo de investir. Esses são os efeitos do tarifaço de 50% imposto pelos Estados Unidos aos produtos comprados do Brasil, e na moda não foi diferente. Do ramo têxtil às confecções, calçados, roupas, tecidos, aviamentos e acessórios entraram na lista. Os únicos produtos têxteis incluídos na lista de quase 700 isenções divulgada pelo governo de Donald Trump são os cordéis de sisal.
As exportações brasileiras do setor, que no ano passado recuaram 7,2%, já começam a ser impactadas. Do total exportado no ano passado, R$ 2 bilhões, 5,3% foram destinados aos Estados Unidos.
No caso específico dos calçados, o impacto é maior, pois os americanos representam o maior mercado para os fabricantes brasileiros. A Abicalçados, associação do setor, calcula em 40% a queda nas exportações em função do tarifaço.
No dia 7 de outubro, às 10h, a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit) promove um workshop exclusivo para discutir os impactos do aumento das tarifas norte-americanas (“tarifaço”) sobre a economia dos Estados Unidos e sobre as exportações brasileiras de têxteis e confecções. A entidade estima que a indústria têxtil brasileira pode perder até 5.000 empregos diretos e 15 mil indiretos com a atual tarifa de 50%.
“Esse é o tamanho do prejuízo, mas não estamos jogando com essa perspectiva. Vamos continuar a diplomacia empresarial”, afirmou Fernando Valente Pimentel, superintendente da Abit, em uma coletiva de imprensa em agosto. Segundo ele, indústrias brasileiras exportam para os Estados Unidos principalmente produtos como meias, moda praia e moda feminina.
“O mercado americano é o maior do mundo e muito seguro depois que você se estabelece. Vamos continuar negociando, e espero que uma hora a razão chegue, porque não há nenhuma razão nessas medidas”, afirmou.
Minas Trend 2025 cresce e reforça protagonismo indústria da moda
O Minas Trend chega à sua 34ª edição, de 21 a 23 de outubro, ocupando a capacidade máxima de 213 estandes e com fila de espera de expositores. O evento, totalmente reestruturado e organizado pela Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), consolida-se como uma das principais plataformas de negócios de moda do país e um termômetro para o setor.

“Este é um evento de negócios, não de vaidade. O faturamento direto não traduz a relevância do Minas Trend, que garante uma agenda consistente para a indústria nos meses seguintes”, afirma Roscoe.
Segundo ele, a edição reflete um crescimento inédito, fruto da nova gestão e do modelo de estrutura compartilhada, que reduz custos e impactos ambientais, já que a mesma montagem é utilizada em diferentes feiras do sistema Fiemg.
A conjuntura, no entanto, não é simples. A indústria nacional enfrenta a forte concorrência dos produtos importados da China, que chegam ao Brasil com preços subsidiados, dificultando inclusive a transição para práticas mais sustentáveis. “É urgente defender o mercado interno. Sem competitividade justa, não há espaço para inovação ambiental ou social”, reforça o dirigente.
Outra mudança significativa está no comportamento de compra: 70% das transações globais de moda já começam online, exigindo das marcas maior integração entre plataformas digitais e físicas. O Minas Trend responde a essa realidade permitindo que lojistas adquiram tanto peças da próxima temporada quanto coleções atuais, garantindo mix mais completo e flexível.
CDL reposiciona plano da moda na RMBH
Enquanto o Minas Trend fortalece Minas no calendário nacional da moda, a Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH) lança um plano estratégico para o setor na Região Metropolitana. São 40 mil CNPJs ativos e um faturamento de R$ 10 bilhões por ano, consolidando BH como a única capital brasileira com três Arranjos Produtivos Locais (APLs) distintos no setor: vestuário, calçados e bolsas, gemas e joias.
O programa, chamado Horizonte das Gerais, foi construído ao longo de dois anos em parceria com entidades como Sebrae Minas, Sindivest, Ascobap, Instituto Amem, IEL e Frente da Moda Mineira, além de empresários e profissionais do setor. Entre as ações previstas estão: Criação de um Calendário Unificado de Eventos; Programas de capacitação de mão de obra e de comercialização; Consultoria para projetos em editais públicos como o Compete Minas; Mobilização para sustentabilidade e inovação; Pleitos junto ao governo estadual para melhorar as condições do setor.
