O combinado não é caro. Essa afirmação tem tudo a ver com a discussão do momento no setor automotivo. Sob a liderança da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), as montadoras tradicionais fazem pressão para que o governo antecipe imediatamente o imposto de importação de 35% sobre os veículos elétricos.
Isso porque as marcas chinesas, BYD e GWM, principalmente, chegaram ao mercado brasileiro de forma agressiva, trazendo carros elétricos e híbridos de boa qualidade com preços altamente competitivos. Como não podia deixar de ser, esses novos chineses elétricos conquistaram os consumidores, que fazem filas nas concessionárias. Agora, a preços perfeitamente razoáveis, podem finalmente ter o seu carro elétrico, que além de não poluir o meio ambiente, representam despesas bem menores com o corte do item combustível de seus orçamentos mensais, entre outros.
A nova realidade resultou em queda nas vendas dos carros a combustão e deixa inquietas as montadoras aqui instaladas, que ainda não oferecem veículos eletrificados. As poucas que oferecem alguma coisa não conseguem preços competitivos com os novos entrantes da BYD e GWM.
Assim, meio que desesperados, em vez de acelerarem investimentos e lançarem produtos capazes de concorrerem com os chineses, correm atrás de paternalismo e protecionismo (erro tradicional na história econômica do Brasil) implorando ao governo pela "antecipação imediata do imposto de eletrificados ao patamar de 35%, percentual previsto para julho de 2026". Pedir aumento de imposto é um ato inusitado, partindo da própria indústria. É uma solicitação em desfavor do consumidor. O lógico e adequado seria reivindicar redução dos elevados impostos que o setor automotivo como um todo recolhe e que, no final das constas, quem paga é o consumidor.
Em visita a Belo Horizonte para inauguração da quarta concessionária da marca na cidade, o vice-presidente da BYD Brasil, Alexandre Baldy, disse à nossa reportagem que tem a garantia da Presidência da República de que a regra do jogo não será mudada e o acordo de aumento gradual será respeitado. O choro é livre, mas os acordos precisam realmente ser honrados, até para que a já frágil insegurança jurídica do país não seja ainda mais afetada.
Como argumenta a Associação Brasileira das Empresas Importadoras e Fabricantes de Veículos Automotores (Abeifa), é preciso “haver previsibilidade nas políticas industriais do setor Automotivo brasileiro, sobretudo em respeito aos clientes/consumidores que têm o direito ao acesso e à escolha por tecnologias de ponta. Reforça ainda que políticas protecionistas não trazem benefícios para o Brasil, lembrando que, nos anos 1990, não fosse a abertura do mercado interno para veículos importados, o país não teria o parque industrial de hoje com algumas dezenas de fabricantes. Medidas protecionistas ou barreiras alfandegárias artificias são ineficazes. A médio e longo prazos, são prejudiciais a toda cadeia automotiva. Mas em especial ao Brasil”.
Outro exemplo clássico do passado de como medidas protecionistas são nocivas ao país é a Lei da Informática de 1991, que só trouxe prejuízo e obstáculos ao desenvolvimento econômico e tecnológico no Brasil. Lei essa que, sob o argumento de “estimular a competitividade e capacitação técnica de empresas brasileiras” do setor, ao final acabou incentivando apenas o contrabando por impedir a entrada oficial de computadores importados, sem que houvesse no país uma indústria competitiva. É a velha história de querer reinventar a roda.
Em uma história já vista, como comentou com a nossa reportagem João Cláudio Pentagna Guimarães, presidente do Grupo Carbel, que representa dez marcas de concessionárias em Minas Gerais, os que ficarem simplesmente reclamando e pedindo medidas protecionistas ao governo para impedir o avanço dos novos players chineses no Brasil assinarão o fim de seus próprios negócios. Basta lembrar quantos grupos desse setor fecharam suas portas no final do século passado por não se adaptarem à nova realidade da abertura da economia e liberação da importação de veículos. Em vez disso, ressaltou, a receita é “montar no cavalo que passa arreado, arregaçar as mangas, investir e participar dessa nova era do setor automotivo, que não tem volta.”
A economia é cíclica. De tempos em tempos, novas ondas e realidades surgem e a única saída é se adaptar. No campo da mobilidade, não faltam exemplos, desde o fim das carroças e a introdução do automóvel, a chegada dos táxis e, mais recentemente, o domínio dos aplicativos de transporte com o advento da Uber. Os taxistas que tentaram impedir ficaram ‘a ver navios’ ou caíram na real e aderiram aos aplicativos.
O mesmo acontece agora com o gradativo, mas rápido, domínio dos carros eletrificados. Em julho último, de maneira inédita, a venda de veículos elétricos e híbridos na China se igualou à colocação de unidades com motores a combustão. Segundo dados da Associação de Automóveis de Passageiros da China (CPCA), as vendas de veículos eletrificados representaram um recorde de 50,7% do total de vendas, com um aumento de 37% em comparação ao mesmo período do ano anterior. Esse crescimento destaca o avanço no mercado chinês, que há apenas três anos registrava somente 7% de vendas de elétricos puros e híbridos plug ins.
Nos Estados Unidos, a transição para os eletrificados tem ritmo mais lento, com uma quota de mercado de 18% para veículos elétricos e híbridos no primeiro trimestre de 2024.
No Brasil, a Abeifa relata que no acumulado de janeiro a agosto foram emplacados 57.542 veículos eletrificados importados, o que representa 52,6% do mercado total de 109.317 unidades importadas emplacadas no país.