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Estado de Minas MEMÓRIA

"Até hoje não sei onde minha mãe e meus irmãos morreram"

Conheça a história de uma sobrevivente de Auschwitz que escolheu Belo Horizonte para morar, depois do fim da Segunda Guerra Mundial


postado em 27/01/2015 16:20 / atualizado em 27/01/2015 18:35

A sobrevivente de Auschwitz, Chanah Flam:
A sobrevivente de Auschwitz, Chanah Flam: "Até cachorro tinha uma vida melhor do que a nossa" (foto: Cláudio Cunha)
Há 70 anos tinha fim a Segunda Guerra Mundial, e, com ela, o drama vivido por milhões de judeus, vítimas da política higienista – que tratava da "limpeza" da raça – dos nazistas alemães. Em 1945, o exército russo, que vinha expulsando as tropas de Hitler do leste da Europa, chegou à Polônia, ao campo de concentração de Auschwitz, que, junto com Birkenau, formava o maior centro de extermínio de prisioneiros (judeus, ciganos, homossexuais etc.) da época. Logo na entrada do campo havia uma frase irônica: Arbeit macht frei (o trabalho liberta, em alemão). "Vi muitas coisas horríveis e de pesadelo nesta guerra, mas o que testemunhei em Auschwitz ultrapassa a imaginação", escreveu o militar soviético Georgi Elisavestski numa carta à esposa. Os russos se depararam com o campo de forma acidental, já que estavam a caminho de Berlim e não tinham noção da existência do lugar.

Eles não podiam imaginar que cerca de 1,5 milhão de pessoas tinham sido mortas nas câmaras de gás em Auschwitz, quando o campo de concentração foi libertado. Os soldados aliados encontraram apenas 7.500 sobreviventes, que estavam junto de 350 mil roupas de homens, 837 mil vestidos de mulher e 7,7 toneladas de cabelo humano. "Até hoje não sei onde minha mãe, meus irmãos morreram. Não sobrou ninguém. Eu acho que todo mundo foi para Auschwitz-Birkenau. Separavam jovens para um lado e velhos para o outro. Eu tenho até o número de prisioneira no braço: A-14972. Em uma semana, no campo, não tinha mais lugar para todos", lembra a sobrevivente Chanah Flam, de 89 anos, que, na época, tinha cerca de 17 anos.

A judia nasceu numa pequena cidade da Polônia, chamada Pionki, e tinha mais cinco irmãos. O pai era comerciante e a mãe, dona de casa. Ela lembra que em 1939 as bombas começaram a cair sobre seu país e conta como eram difíceis os dias em que viveu no campo de concentração nazista: "A gente tinha de usar sacos de cimento nas pernas para afastar o frio, mas eles não deixavam. Até cachorro tinha uma vida melhor do que a nossa. Tomávamos só sopa na latinha e falavam que quem não tinha a latinha, não receberia alimento. De manhã nos davam café, mas sem coar, com borra e tudo. A gente não tinha mais nome, só o número tatuado no braço".

No braço esquerdo, Chanah Flam guarda o número tatuado pelos nazistas, que marcavam todos os prisioneiros que chegavam a Auschwitz(foto: Cláudio Cunha)
No braço esquerdo, Chanah Flam guarda o número tatuado pelos nazistas, que marcavam todos os prisioneiros que chegavam a Auschwitz (foto: Cláudio Cunha)


Em dezembro de 1944, quando os nazistas começaram a sofrer as derrotas no leste europeu, muitos presos foram levados de Auschwitz para outros campos de concentração na divisa entre a Polônia e a Alemanha. "Nos levaram em vagões abertos. A neve caía, era dezembro, e fazia muito frio. Sem comida, sem pente, sem água, sem nada. A gente lambia neve. Viajamos três semanas nessas condições. Jogavam pedaços de pão mofados para comermos. Depois, chegamos em Bergen-Belsen [campo de concentração]. Lá, fiquei doente. Pensei ‘agora vou morrer'. Eu pesava 32 quilos. Não aguentava nem ficar de pé", lembra a sobrevivente.

Depois que foi libertada do terror nazista, Chanah foi para a Suécia, onde começou uma nova vida, e quando trabalhava numa fábrica de roupas, conheceu seu marido, com quem casou em 1948. Pouco depois, em 1955, veio para o Brasil, e escolheu Belo Horizonte como residência, pois já tinha parentes vivendo aqui. "Chegamos ao Brasil após uma viagem de navio de três semanas. Desembarcamos no Rio de Janeiro, onde um familiar nos esperou. Depois, viemos de avião para Belo Horizonte. Nunca morei em outro lugar", diz.

Sobre as memórias tristes que tem da Segunda Guerra, ela responde prontamente: "Se a gente começa a falar tudo, não aguenta".

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