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Estado de Minas COMPORTAMENTO

Você prefere sexo ou bolo? Alguns escolhem o bolo, e são chamados assexuais

Mesmo sem gostar de transar, os assexuais têm relacionamentos românticos e garantem que são normais


postado em 14/09/2016 13:34

O fotógrafo mineiro Rêmulo Brandão, 28 anos, não tem problema em dizer que é gay e que não gosta de sexo. Ele é um dos milhões de assexuais que existem no mundo(foto: Facebook/remulobrandao/Reprodução e Daniela Costa/Encontro)
O fotógrafo mineiro Rêmulo Brandão, 28 anos, não tem problema em dizer que é gay e que não gosta de sexo. Ele é um dos milhões de assexuais que existem no mundo (foto: Facebook/remulobrandao/Reprodução e Daniela Costa/Encontro)
A entrevista com o fotógrafo de moda Rêmulo Brandão, 28 anos, foi agendada em uma pracinha, no coração da Savassi, em Belo Horizonte. Até então, eu não sabia qual seria sua aparência, já que ele não costuma publicar fotos nas redes sociais. Nosso primeiro contato surgiu numa comunidade de assexuais existente no Facebook. Aliás, é por meio da internet que a maioria deles busca uma resposta para o "problema". Será mesmo normal não sentir desejo sexual? Em um primeiro momento, achei que um homem sério, meio triste, encostado numa parede, fosse meu entrevistado. Qual não foi minha surpresa quando vi surgir um cara jovem, descontraído e super alto astral. Sim, era o Rêmulo. Bem resolvido, além de assex (outra forma de nomeá-los), ele contou também que é gay. Se não fosse suficiente para deixar muita gente confusa e deprimida, o fotógrafo revela que é adotado. Complexo, revolta? Que nada! "Tenho uma família maravilhosa, que sempre me aceitou e acolheu. Sou bem resolvido com a vida", enfatiza o mineiro.

Aos 12 anos de idade, na escola, Rêmulo Brandão percebeu que não tinha interesse por meninas, mas se sentia atraído por meninos. Até então, nada fora do comum.  Com a chegada da adolescência, ele constatou que gostava muito de beijar seus parceiros, mas só isso. Quando ia acontecer "algo a mais", ele se esquivava. "Gosto de beijo, de abraço, mas, sexo não rola, nem oral", diz. No início, a aversão lhe causou estranheza. "Que tipo de transtorno era aquele?". Somente aos 21 anos, quando começou a namorar sério, decidiu buscar ajuda. "Meu ex-namorado sugeriu que eu procurasse um profissional para saber por que não tinha vontade de transar", conta. A ida a um psicólogo e as buscas na internet o levaram a um diagnóstico certeiro. "Descobri que eu não era uma aberração. Apenas um assexual. E que outras pessoas também são assim. Foi libertador".

Será mesmo que somos todos iguais? Definitivamente, não. Então, por que tudo que foge aos padrões tradicionais é tido como errado ou anormal? "Desde o nascimento da criança a identidade heterossexual é imposta como a única aceitável, e o desejo sexual é tido como universal. Mas, na prática, não são", explica a pedagoga Elisabete Regina de Oliveira, autora da tese de doutorado Minha Vida de Ameba, de 2015, que corresponde à primeira pesquisa acadêmica sobre assexualidade já realizada no Brasil. Prova da fala da especialista é justamente a diversidade de gênero e a existência dos assexuais. Afinal, se existem tantas pessoas fazendo sexo sem amor, por que não seria possível existir amor sem sexo?

Apesar de fazerem parte de uma minoria, estudos mostram que a cada 100 pessoas no mundo, uma é assex e não sente vontade de transar. Algumas têm total aversão ao contato físico, enquanto outras chegam a aceitar o toque. Escolha? Doença? Nem uma coisa, nem outra. Os assexuais deixam claro que não são celibatários e muito menos puritanos.

Héteros ou homo afetivos, o que os diferencia dos demais é unicamente a inaptidão sexual. No mais, apreciam uma boa companhia e podem até manter relacionamentos românticos. É o caso de Rêmulo, que se descobriu "homo romântico", ou seja, gay assexual que tem interesse amoroso por outra pessoa. "Adoro me relacionar. Me apaixono de verdade", diz. Mesmo sabendo da necessidade de sexo de seus possíveis parceiros, não admite relacionamento aberto ou traição. Ao contrário de muitos assexuais, que até admitem uma terceira pessoa, já que não podem satisfazer seus parceiros no quesito sexual. "Sou ciumento demais para isso", diz o fotógrafo.

Não por acaso, o símbolo da comunidade assex é o bolo de chocolate. Para eles, saborear a guloseima é tão prazeroso quanto fazer sexo. Esta é apenas uma forma de explicitar as inúmeras maneiras de se conseguir a satisfação pessoal. "Eu sinto falta daquilo que já senti. Mas, como nunca tive desejo sexual, para mim é totalmente natural", afirma Rêmulo.
Em 2001, o americano David Jay criou a Aven, ou Rede de Visibilidade e Educação Assexual(foto: Asexuality.org/Reprodução)
Em 2001, o americano David Jay criou a Aven, ou Rede de Visibilidade e Educação Assexual (foto: Asexuality.org/Reprodução)

Descobrindo a assexualidade

O mais difícil para a grande maioria da população é aceitar que a falta de libido nem sempre está ligada a alguma patologia ou trauma, ou mesmo a problemas físicos, como o baixo nível de homônios, que pode ser detectado por meio de exames médicos. Apesar da assexualidade ser o grau máximo do chamado transtorno do desejo sexual hipoativo, o problema só será tido como disfunção quando a pessoa se incomodar com ele. É o que diz o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, utilizado por psiquiatras norte-americanos na avaliação de distúrbios psicológicos. Para o cego de nascença, não existe outra realidade. Para os assex, também não.

Contudo, a busca por uma definição do que se é, realmente, muitas vezes é demorada e dolorosa. Ainda mais quando o assunto é tido como tabu e pouco discutido. No caso dos assex, a maioria se descobriu buscando ajuda na internet. Perguntas como "não ter vontade de fazer sexo é normal?" levaram uma minoria a se encontrar e a se identificar nas redes sociais.

O pioneiro na busca pela afirmação dos assexuais foi o norte-americano David Jay, fundador da Aven (Rede de Visibilidade e Educação Assexual), criada em 2001. O que em princípio era apenas um fórum na internet, acabou virando referência na luta pelos direitos dos assexuais nos Estados Unidos e, atualmente, conta com mais de 90 mil integrantes em todo o mundo.

Em Belo Horizonte, o funcionário público Marcelo de Oliveira foi o primeiro a criar uma comunidade sobre o tema no Facebook: o Amigos Aces do Brasil. Ele também ajuda a promover encontros mensais entre os integrantes. Para o belo-horizontino, compartilhar experiências é fundamental para ajudar aqueles que buscam respostas sobre a própria condição. "Hoje, sabemos que não estamos mais sozinhos e que a assexualidade é uma orientação sexual válida, e não algo a ser curado", diz Marcelo em texto publicado em sua página na rede social.

Mesmo que timidamente, o movimento dos assexuais vem conquistando espaço no Brasil, tanto que em outubro de 2015 ocorreu a 1ª Parada Assexual, na cidade de São Paulo. Os poucos manifestantes – ao todo foram 15 – representaram milhões de pessoas que não têm interesse sexual e que são discriminadas por isso. De acordo com relatório do Programa de Estudos em Sexualidade, ligado à Universidade de São Paulo (USP), divulgado em 2008, 7,7% das mulheres e 2,5% dos homens não sentem necessidade sexual e não sofrem com isso. Ou seja, 10,5 milhões de brasileiros não fazem sexo.

Bandeira assexual

As cores são utilizadas para identificar os diferentes tipos de assexuais. O roxo é a cor do movimento. O branco simboliza quem deseja e pratica sexo. O preto representa aquele que não tem interesse sexual. O cinza, por sua vez, designa o sentimento de atração sexual só em situações específicas.

Categorias de assexuais

Na simbologia assexual há várias maneiras de encarar ou ignorar o sexo entre o preto (assexualidade plena) e o branco (sexualidade convencional):

  • Antissexo: tipo raro, não pratica o ato e prega que outros também não transem

  • Arromântico: não sente atração sexual nem interesse amoroso pelo outro

  • Radical: não sente atração sexual nem amorosa, mas não recrimina a prática

  • Romântico: não sente atração sexual, mas pode ter interesse amoroso pelo outro

  • Autoerótico: não se atrai sexual ou amorosamente, mas pratica a masturbação

  • Gray-A: pode sentir desejo sexual em algumas situações específicas

  • Demissexual: pode ter interesse sexual numa relação afetiva com namorado ou amigo

Fonte:
especialistas consultados, portal Uol e revista Superinteressante

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