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Estado de Minas ESPECIAL DIREITO

Presidente da OAB-MG fala sobre as mudanças radicais que vem promovendo na entidade

Raimundo Cândido destaca que batalha pela valorização dos advogados e critica baixa qualidade no ensino do Direito


postado em 08/01/2020 16:01 / atualizado em 15/01/2020 13:55

(foto: Alexandre Rezende/Encontro)
(foto: Alexandre Rezende/Encontro)
Este conteúdo integra o especial "Quem é Quem no Direito em Minas Gerais 2019/2020", produzido pela revista Encontro. Clique aqui para acessar a edição digital completa

Raimundo Cândido Júnior, aos 68 anos, está bem à vontade na cadeira de presidente da seção mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG). Também pudera. Foi eleito no fim de 2018 para o quinto mandato - o último foi concluído em 2009. Contudo, estar "à vontade" não significa acomodado, ao contrário: "Tivemos de demitir cerca de 140 funcionários, sem que isso comprometesse os trabalhos. Nossa entidade estava inchada", diz ele, depois de revelar que herdou a administração com dívida de 44 milhões de reais. Inquieto e com a força de um trator, Raimundo trava outra batalha: fazer com que os colegas de profissão se valorizem. "Há profissionais novos fazendo diligências por 10 reais", diz. Ele rechaça o fim do tradicional exame que permite o bacharel advogar, mesmo com o alto índice de reprovação. "Não é o exame que é muito exigente; é a qualidade dos candidatos que é ruim", afirma o belo-horizontino, que começou na carreira na década de 1970. A Encontro, Raimundo falou sobre os desafios atuais da categoria, criticou o alto número de faculdades de Direito e repercutiu a aprovação da lei que criminaliza a violação das prerrogativas da profissão.

  • Quem é: Raimundo Cândido Júnior, 68 anos

  • Origem: Belo Horizonte (MG)

  • Formação: Graduado e doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

  • Carreira: Presidente da OAB-MG (2019-2021), já comandou a entidade nos anos de 1993-1994, 1995-1997, 2004-2006 e 2007-2009. É Procurador Regional da República aposentado e professor da Universidade Fumec

ENCONTRO - Este é seu quinto mandato à frente da OAB-MG. O último encerrou-se em 2009. As principais demandas da classe mudaram de lá para cá?

RAIMUNDO CÂNDIDO JR. - Sim. Hoje, temos o processo eletrônico que não existia naquela época. Isso cria uma dificuldade para os advogados, por isso estamos promovendo cursos para treiná-los para essa nova realidade. Outra mudança é o crescimento acentuado do número de advogados por causa da quantidade de faculdades de Direito. Temos verificado o empobrecimento da classe por causa da situação do país e também por causa dessa quantidade excessiva de advogados. Há profissionais mais novos cobrando 10 reais por diligências. Atualmente, há em Minas Gerais 118 mil inscritos na OAB, e no Brasil são 1,1 milhão. Apenas neste primeiro ano de mandato recebemos 8 mil advogados.

Raimundo Cândido sobre a prova da OAB:
Raimundo Cândido sobre a prova da OAB: "Não é o exame que é muito exigente; é a qualidade dos candidatos que é ruim" (foto: Alexandre Rezende/Encontro)
Uma de suas principais propostas, enquanto candidato, era fortalecer a independência da entidade. O que avançou nesse sentido?

Temos feito uma campanha de conscientização da classe para o que o advogado se valorize cada vez mais. E, ao mesmo tempo, estamos exigindo o respeito de outras entidades da magistratura. Conseguimos, recentemente, uma vitória: a lei que criminaliza a violação das prerrogativas da nossa profissão. Significa, na verdade, que os nossos clientes terão os seus direitos resguardados e serão bem defendidos.

Mas, a entidade enfrentou resistência...

Sim. E fiquei surpreso que setores da magistratura tenham entrado no Supremo Tribunal Federal para questionar a constitucionalidade dessa lei. Faço apenas uma leitura disso. O questionamento da lei pela magistratura mostra uma confissão de que realmente há violação das prerrogativas. Se não houvesse, eles não teriam de se preocupar com isso.

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Que tipo de violação a OAB-MG registra?

Juízes que se recusam a receber advogados ou que não dão o devido tratamento respeitoso. Há, ainda, promotores que também não recebem advogados. De acordo com o nosso estatuto, não há hierarquia ou subordinação entre juízes, promotores e advogados, devendo todos se tratarem com o devido respeito. Não abrimos mão disso e estamos exigindo mesmo. E não é só por nós, mas pelos clientes que defendemos. Nossa razão de ser, portanto, são os nossos clientes.

Quais são os outros desafios que a OAB enfrenta?

Um dos nossos principais desafios é fazer com que o estado pague os advogados dativos, que são profissionais indicados por juízes para defender a população carente. Atualmente, eles estão tendo de entrar na Justiça para receber. Outro problema é a ignorância de alguns setores e até de parte da população sobre o papel do advogado. Prestamos um juramento de uma advocacia ética, respeitando os deveres e prerrogativas profissionais, além de firmar um compromisso com a sociedade, defendendo a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático, os direitos humanos e a justiça social. É um juramento de defesa da cidadania. Muitos falam que a OAB vive se metendo onde não é chamada, mas isso não é verdade. Ela apenas está cumprindo um juramento.

O presidente da OAB-MG, Raimundo Cândido(foto: Alexandre Rezende/Encontro)
O presidente da OAB-MG, Raimundo Cândido (foto: Alexandre Rezende/Encontro)
E o que a entidade está fazendo nesse sentido?

Temos promovido uma série de palestras para mostrar o nosso papel. Temos também uma comissão que se chama A OAB Vai à Escola, que tem a missão de começar a mostrar isso desde a escola de base. Crianças e jovens aprendem, desde muito cedo, a relevância do nosso papel.

E como é a relação entre a OAB-MG e a nacional?

A OAB Federal nos respeita muito, não só porque somos uma das maiores seccionais em número de inscritos, mas porque somos independentes. Não temos receio de enfrentar as grandes batalhas. Temos também três representantes no Conselho Federal que fazem ouvir a voz de Minas por lá.

Como está o processo de criação do Tribunal Regional Federal em Minas?

Foi iniciado o processo pelo STJ [Superior Tribunal de Justiça], onde foi aprovado e agora vai seguir em tramitação no Congresso. Isso é para resolver o problema do povo, que não pode ficar esperando séculos pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que é, sinceramente, um cemitério de processos.

Como o sr. recebeu a OAB-MG?

Passamos um ano de muita dificuldade financeira. Herdamos a administração com dívida na ordem de 44 milhões de reais e tivemos de fazer um malabarismo para zerar essa dívida e oferecer mais ações concretas em prol do advogado. Tivemos de demitir cerca de 140 funcionários, sem que isso comprometesse os trabalhos. Nossa entidade estava inchada. Registramos uma inadimplência de 38% em relação às mensalidades. Tivemos de mandar essas dívidas para protesto. São medidas antipáticas, mas necessárias. Não sei o segredo do sucesso, mas do fracasso é querer agradar todo mundo. Tenho de fazer a OAB-MG funcionar.

Muito se discute sobre o fim da obrigatoriedade do exame da Ordem. Qual a sua opinião a respeito?

Houve um parlamentar de Santa Catarina que não foi aprovado no exame da Ordem. Ao se eleger como deputado, ele propôs um projeto para acabar com o exame. Hoje, essa avaliação é uma necessidade inafastável, por conta do número cada vez mais crescente de faculdades de Direito. Então, com o exame fazemos uma triagem. A prova disso é o grande índice de reprovação, que chega a 80% e prova que o pessoal não está preparado. Isso é fruto do ensino de base que é ineficiente. Certo dia, li uma sentença na qual uma juíza ordenou uma "remeça" (com cedilha) e vários outros erros de concordância. Então, não é o exame que é muito exigente; é a qualidade dos candidatos que é ruim.

E como andam nossas escolas de Direito?

Há faculdades boas, mas outras deixam a desejar até mesmo por falta de professores. Como há tantas faculdades, não há tantos professores bons. Mas, temos também procurado melhorar a qualidade do profissional de Direito. Temos uma Escola Superior de Advocacia e ela promove uma série de cursos, inclusive de pós-graduação, para melhorar tecnicamente os nossos profissionais. A legislação muda muito e temos sempre de atualizá-los.

Nos últimos anos, várias profissões vêm sendo impactadas pelos avanços da tecnologia. O sr. sente os reflexos na área?

Hoje, falamos muito em inteligência artificial. Já estamos sentindo os impactos disso em alguns setores do judiciário. Muitos juízes não estão colocando a mão em processos e, sim, deixando para programas de computador decidirem casos. Isso vem causando inúmeros erros. Essa prática é nefasta.

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E essa prática vem sendo adotada em Minas?

Sim. Temos alguns casos. No STF e no STJ tem acontecido também. Devido à grande quantidade de processos, alguns optam por se livrarem deles rapidamente para, em seguida, apresentar números estratosféricos de produtividade. Mas, a qualidade desses julgamentos é péssima. São julgamentos que têm se valido de estagiários ou assessores. Portanto, os juízes estão delegando a função jurisdicional. Isso é muito sério. Uma das características da jurisdição é a indelegabilidade: não delegar a função de julgar. Não estou generalizando, mas tem acontecido isso com muita frequência.

"Há juízes que não estão colocando a mão em processos e, sim, deixando para programas de computador decidirem casos", critica o presidente da OAB-MG (foto: Alexandre Rezende/Encontro)
E como a OAB-MG tem lidado com isso?

Temos combatido isso em pronunciamentos. Infelizmente, muitos advogados ficam receosos de fazer isso. Estão com medo de sofrer represálias por parte de alguns juízes. Mas temos a independência necessária para, em nome da instituição, tomar todas as providências.

Qual foi o impacto da Reforma Trabalhista para os advogados?

Diminuiu sensivelmente o número de causas trabalhistas. Recentemente, durante conversa com uma advogada especialista da área, ela disse que a redução foi na ordem de 50%. Inclusive, já se fala no fim da Justiça do Trabalho, o que acredito não seja a solução, mas já especulam.

Como o sr. vem acompanhando a discussão sobre a Reforma da Previdência?

Esse assunto é muito específico. Tem muita gente dando palpite sem conhecer a realidade dos fatos. Acho que essa reforma é uma necessidade sob o tema da falência total do sistema. A população está envelhecendo e os casais não estão tendo filhos. Então, quem vai pagar a conta? Portanto, a reforma tem de ser feita, mas sem sacrificar direitos já consolidados. Já a discussão sobre a Reforma Tributária caminha pelo sonho que todos têm de simplificar esse sistema. Há ainda a questão de que o Brasil é recordista em pagar impostos e não vemos a aplicação adequada dos recursos arrecadados com as taxas.

O sr. se formou na década de 1970. Em relação àquela época, hoje está mais fácil ou difícil ser advogado?

A maior facilidade é em relação à consulta. Naquela época, tínhamos de sair de casa e ir a uma biblioteca. Lá, copiávamos tudo à mão. Hoje, com um smartphone, você tem acesso a uma biblioteca inteira na palma das mãos. Por outro lado, isso deixa a pessoa mais preguiçosa. Muitos não estudam e a qualidade acaba caindo. Naquela época, tínhamos profissionais mais capacitados. No ponto de vista financeiro, era melhor que hoje, pois não havia tantos advogados.

O que o sr. diria ao jovem que deseja ingressar nessa carreira?

Faça acontecer a chama da sua vocação. Sua vocação é essa? Então, siga, pois haverá lugar para você. Há muitos que ingressam nessa caminhada sem vocação alguma. Comecei a trabalhar com meu pai em um escritório de advocacia, quando eu estava no segundo ano do antigo segundo grau (atual ensino médio). Tenho 52 anos de escritório de advocacia. Meu pai foi advogado, presidente OAB-MG. Esta sede foi construída por ele, nos idos de 1966 e 1967. Não havia dinheiro. Teve de pegar dinheiro emprestado e hipotecou a nossa casa em que morávamos eu, meus oito irmãos e meus pais. Ele fez isso porque tinha fé na advocacia. Portanto, o lema é servir à Ordem dos Advogados do Brasil e não se servir dela. 

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