
Reconhecido internacionalmente por entrelaçar arte contemporânea e ancestralidade indígena, Calel transforma o espaço expositivo em um território vivo, construído sobre a própria terra. No lugar das paredes convencionais, o solo se ergue como percurso, conectando simbolicamente a paisagem vulcânica da Guatemala aos relevos de Minas Gerais. O gesto, segundo a diretora artística do Inhotim, Júlia Rebouças, reafirma o compromisso do museu com perspectivas que “tratam do aprendizado com a natureza e oferecem novos olhares sobre os desafios contemporâneos e os territórios que habitamos”.
Durante coletiva de imprensa realizada na sexta-feira (17), véspera da abertura, o artista refletiu sobre a experiência de deslocamento que perpassa sua trajetória. “Sinto que estou em trânsito constante, mas, no final, é como se sempre chegasse ao mesmo ponto. As montanhas, as panelas com água, as flores – tudo isso é um ritual de cura. É um chamado para que o espírito volte ao corpo, para que a gente volte a habitar a própria vida”, disse Calel.
A exposição reúne obras inéditas, em sua maioria comissionadas pelo Inhotim, que evocam memórias, rituais e histórias transmitidas entre gerações. O visitante atravessa uma paisagem feita de folhas, pedras, madeira e terra – materiais que, nas mãos do artista, tornam-se linguagem espiritual e política. Entre os destaques estão “Q’eq Ulef Xan [Parede de Terra Fértil]”, um bordado monumental de oito metros feito em colaboração com sua família, e “Kej-chi’ch’ [Veado de metal]”, escultura em tamanho real de uma caminhonete vermelha cercada por figuras humanas, realizada em parceria com o ateliê do Inhotim.
“Muitas das minhas obras nascem de lembranças da infância – de sons, rezas e oferendas nas montanhas”, contou o artista. “Às vezes, antes de começar um trabalho, sonhamos juntos. Acordamos, tomamos café e lemos os sonhos. É assim que decidimos o que fazer. Porque, para mim, a arte não é só o objeto: é o tempo, a comida, a convivência, o ritual.”
O percurso da mostra, que começa ainda na área externa da galeria, culmina em um ambiente doméstico que remete ao ateliê-casa de Calel em San Juan Comalapa, na Guatemala, conhecido como “Chi Xot” em kaqchikel. Dali, o visitante pode avistar, por uma janela envidraçada, “Tab’el [Lugar sagrado para não esquecer]”, um altar de pedra dedicado à memória e à devoção.
“Acredito que esta seja uma das exposições mais emblemáticas que realizei nos últimos dez anos”, pontuou o artista, reforçando que o que acontece ali “é um diálogo entre duas terras que se reconhecem”
O projeto curatorial, assinado por Beatriz Lemos e Lucas Menezes, é resultado de uma pesquisa iniciada em 2024, que envolveu viagens entre a Guatemala e Brumadinho. Essa troca marcou um novo capítulo na trajetória de Calel: pela primeira vez, ele autorizou a produção de parte de suas obras fora de seu ateliê familiar, criando um elo simbólico e afetivo entre os dois territórios.
“As fronteiras só existem nas palavras”, refletiu durante a coletiva. “Quando conheci os povos guarani, kaiowá, os quilombos, percebi que os problemas e as lutas são os mesmos. Em todos os lugares, buscamos o mesmo: dignidade, terra e memória.”
Segundo Menezes, “a produção de Edgar Calel tem raízes profundas em sua cidade natal”. “A relação com a ancestralidade maia não é apenas referencial, mas presente em todas as dimensões do cotidiano. O resultado é uma mostra sem precedentes em sua carreira”, destacou o curador.
Com obras que transitam entre escultura, instalação, vídeo, poesia e performance, Edgar Calel, nascido em 1987, em Chi Xot, consolida-se como uma das vozes mais potentes da arte contemporânea global. Sua produção integra coleções de instituições como Tate Modern (Londres), Museo Reina Sofía (Madri) e Hammer Museum (Los Angeles). Em 2023, foi incluído na lista Power 100 da revista ArtReview, que destaca as figuras mais influentes do circuito internacional.
Exposição “Ru Jub’ulik Achik’ – Aromas de um Sonho”, de Edgar Calel. Galeria Lago – Inhotim, Brumadinho (MG). Visitação: quarta a sexta, das 9h30 às 16h30; sábados, domingos e feriados, das 9h30 às 17h30. Em cartaz até 2027. Ingressos: R$ 60 (inteira) | R$ 30 (meia). Entrada gratuita às quartas e no último domingo do mês. Mais informações em inhotim.org.br