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Estado de Minas SAÚDE

Terapia com eletrochoque realmente funciona?

Especialistas tratam do tema polêmico que voltou à tona este ano


postado em 18/02/2019 09:58 / atualizado em 18/02/2019 10:14

(foto: Fhemig/Reprodução)
(foto: Fhemig/Reprodução)

No começo deste mês, um documento publicado no site do Ministério da Saúde despertou o receio de que o tratamento psiquiátrico no Brasil pode sofrer um retrocesso: a possível liberação do tratamento com aparelhos de eletroconvulsoterapia. Tamanha repercussão negativa fez com que a "nota técnica" fosse retirada da internet. Em comunicado enviado à imprensa, o ministro Luiz Henrique Mandetta afirmou que o documento está em discussão e poderá ter alguns tópicos alterados.

A "nota técnica" apresentava propostas de modificações nas diretrizes da Política Nacional de Saúde Mental. Entre os pontos de maior controvérsia consta a proposta de financiamento, por parte do ministério, de aparelhos de eletroconvulsoterapia, voltados "para o tratamento de pacientes que apresentam determinados transtornos mentais graves e refratários a outras abordagens terapêuticas".

Nas redes sociais, a informação circulou como se o governo estivesse reinserindo o tratamento com choques elétricos no atendimento de saúde mental no país. Será verdade?

Após as mudanças implementadas pela reforma psiquiátrica de 2001, no Brasil, a terapia com chque passou a ser oferecida somente em alguns hospitais estaduais e universitários, além da rede privada. De acordo com regras estabelecidas pelo Ministério da Saúde, o tratamento só deve ser utilizado em casos muito específicos, como situações de risco iminente de suicídio, catatonia e síndrome neuroléptica maligna.

O órgão também exige algumas condições para sua realização, que deve ocorrer em ambiente hospitalar. Entre as exigências estão a presença de um anestesista e o monitoramento do paciente durante o procedimento.

De acordo com a psiquiatra Maria Tavares, Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em entrevista à emissora estatal alemã Deutsche Welle, o Brasil precisa disponibilizar o tratamento na rede pública, respeitadas as devidas exigências. "É um método que salva vidas, pelo qual as pessoas pagam caro no sistema privado. Uma aplicação custa mais de mil reais. Nesse sentido, é uma injustiça não oferecê-lo para a população mais pobre. Infelizmente, a gente ainda não consegue selecionar um circuito específico para a descarga nos neurotransmissores. Se você tem um paciente com quadro de tentativas de suicídio, não dá tempo de o medicamento agir. Com três sessões de eletroconvulsoterapia, esses impulsos cessam", esclarece a médica.

Já na visão do psiquiatra Paulo Amarante, uma das principais referências do movimento brasileiro de reforma psiquiátrica, também em conversa com a Deutsche Welle, não há evidências científicas suficientes sobre os efeitos colaterais do uso de eletrochoques. Ele teme ainda um mau uso desse instrumento, uma vez que costumava ser utilizado como "castigo" a alguns pacientes no passado.

"O mecanismo de ação da eletroconvulsoterapia não é conhecido. Há dezenas de teorias, mas nenhuma é consensual. Só o que se sabe é que o tratamento provoca convulsão, uma grave agressão ao sistema nervoso", afirma Amarante, que é pesquisador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e presidente de honra da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme).

"A sensação de letargia ou torpor gerada pela convulsão provoca uma melhora do quadro de agitação, mas a psicose não se reduz a isso. Portanto, em hipótese alguma, é um tratamento para ela", diz o psiquiatra à emissora alemã.

É precisos alientar que o Ministério da Saúde exige algumas condições para a realização de terapias com choques elétricos Apesar das posições distintas no debate sobre o uso da eletroconvulsoterapia, ambos os especialistas criticam o teor da "nota técnica" que chegou a ser divulgada online.

Maria Tavares acredita que a proposta foi inserida como uma provocação política aos defensores da reforma psiquiátrica, pois sua aplicação seria quase impossível, dada a inexistência da estrutura necessária. Ela defende que o documento seja analisado com calma, para evitar reações precipitadas, mas se diz contrária à abordagem da saúde mental como um tema estritamente médico, que prevalece no texto.

Por sua vez, Paulo Amarante lembra que casos extremos, como os dos pacientes tratados com eletroconvulsoterapia, não podem direcionar uma política pública. Ele considera injustificável priorizar o financiamento de um tratamento periférico no atendimento de saúde mental, enquanto faltam itens básicos na rede, como medicamentos e materiais clínicos. Por isso, questiona os interesses que estariam guiando esse debate no Ministério da Saúde.

"Se estivéssemos falando da compra de aparelhos de raio-x para colocar em centros de saúde, aparelho que pode detectar a tuberculose e outras doenças pulmonares, de operação fácil, seria compreensível. Investir na compra de um equipamento caríssimo, usado em situações tão específicas, dá a entender que existe uma pressão da indústria que produz essas máquinas", comenta o psiquiatra.

A Deutsche Welle tentou ouvir o Ministério da Saúde, mas a assessoria de imprensa alega não haver disponibilidade na agenda da autoridade responsável para falar sobre o tema. Em nota, a pasta informa que o documento polêmico recém retirado do site do órgão não trata da consolidação de "como será [a Política Nacional de Saúde Mental], e sim uma discussão sobre como a política está".

O ministério também informa que a eletroconvulsoterapia não consta na tabela do SUS, e a compra do equipamento passou a integrar a Relação Nacional de Equipamentos e Materiais Permanentes em março de 2018. Por fim, o órgão ressalta que o uso do tratamento deve seguir as orientações do Conselho Nacional de Medicina.

(com Deutsche Welle)

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