Estado de Minas RETOMADA

Pesquisa mostra crescimento na busca por cafeterias após a pandemia

Levantamento da Fecomércio MG e da Associação Brasileira da Indústria de Café aponta aumento expressivo no consumo da bebida fora de casa


postado em 15/07/2025 08:54 / atualizado em 15/07/2025 09:30

Pesquisa da Fecomércio MG e da ABIC confirma que as cafeterias estão se consolidando como o terceiro principal local de consumo de café no Brasil(foto: Freepik)
Pesquisa da Fecomércio MG e da ABIC confirma que as cafeterias estão se consolidando como o terceiro principal local de consumo de café no Brasil (foto: Freepik)
A mais recente pesquisa da Fecomércio MG e da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC) confirma o que já é visível a olho nu nas ruas de Belo Horizonte: o mercado de cafeterias está em plena expansão. Em 2023, 51% dos brasileiros declararam ter o hábito de frequentar cafeterias – número seis vezes maior que os 9% registrados em 2021, quando a pandemia da Covid-19 inviabilizou temporariamente parte desses negócios. Essa retomada expressiva, portanto, se dá como resposta à reabertura dos espaços após a crise sanitária, mas também é expressão de uma paulatina transformação nos hábitos de consumo da população, que agora se mostra mais preocupada com questões como a qualidade, a experiência e a socialização.

Na capital mineira, o estudo “O Mercado do Café - Cafeterias”, antecipado a Encontro, mostra que esse movimento já se reflete em números: em 2024, a cidade contava com 7.582 estabelecimentos registrados nas categorias da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que englobam lanchonetes, casas de chá, sucos e restaurantes – incluindo cafeterias. “Esse cenário reforça não apenas a tradição mineira do café com pão de queijo, mas também o papel do café como atrativo turístico do estado”, afirma Mário Arthur Brandão de Sousa, presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de BH. “Em BH, por exemplo, há uma ampla rede de cafeterias – mais de 180 listadas e avaliadas por visitantes em plataformas como o Tripadvisor – que integram a experiência gastronômica buscada por quem visita Minas Gerais.”

Mário Arthur Brandão de Sousa, presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de BH: O consumo per capita de café aumentou 52% desde 1996. E o Brasil, além de maior produtor, é também o segundo maior consumidor mundial. Isso cria um ambiente extremamente favorável para as cafeterias, que hoje são mais do que pontos de venda: são espaços de vivência cultural e gastronômica%u201D (foto: Lucas Peroni/divulgação)
Mário Arthur Brandão de Sousa, presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de BH: O consumo per capita de café aumentou 52% desde 1996. E o Brasil, além de maior produtor, é também o segundo maior consumidor mundial. Isso cria um ambiente extremamente favorável para as cafeterias, que hoje são mais do que pontos de venda: são espaços de vivência cultural e gastronômica%u201D (foto: Lucas Peroni/divulgação)
Para Mário Arthur, os dados evidenciam um fenômeno estruturante. “O consumo per capita de café aumentou 52% desde 1996. E o Brasil, além de maior produtor, é também o segundo maior consumidor mundial. Isso cria um ambiente extremamente favorável para as cafeterias, que hoje são mais do que pontos de venda: são espaços de vivência cultural e gastronômica”, diz. Segundo ele, esse crescimento contínuo é explicado tanto pelo viés da tradição quanto pelo da inovação. Minas Gerais, com 28,1 milhões de sacas produzidas em 2024, lidera a produção nacional – o Brasil exportou mais de 50,6 milhões de sacas no mesmo ano, movimentando R$ 12,5 bilhões. E o consumo interno segue robusto: foram 21,9 milhões de sacas consumidas no país no último ano – quase o dobro do que se consumia em 1996. O setor também responde por uma expressiva geração de empregos, com crescimento contínuo dos vínculos formais e da remuneração média. 

Mercado em expansão

As sócias Julia Gontijo, Cristina Gontijo e Maíra Sette (da esq. para a dir.), do Copa Cozinha, trouxeram a tradição da quitanda e do cafezinho mineiro para a capital. Hoje, têm três unidades em Belo Horizonte: %u201CPrestigiamos os pequenos produtores. O café que servimos é o Jatiboca, cultivado em Orizânia, na zona da Mata mineira, com torra média e sabor adocicado%u201D, diz Maíra (foto: Bel Diniz/Divulgação)
As sócias Julia Gontijo, Cristina Gontijo e Maíra Sette (da esq. para a dir.), do Copa Cozinha, trouxeram a tradição da quitanda e do cafezinho mineiro para a capital. Hoje, têm três unidades em Belo Horizonte: %u201CPrestigiamos os pequenos produtores. O café que servimos é o Jatiboca, cultivado em Orizânia, na zona da Mata mineira, com torra média e sabor adocicado%u201D, diz Maíra (foto: Bel Diniz/Divulgação)
Diversas cafeterias da cidade estão aproveitando o bom momento e expandindo sua atuação. A Copa Cozinha, por exemplo, nasceu da amizade entre as irmãs Júlia e Cristina Gontijo e a amiga Maíra Sette, em 2018 no Mercado Novo. O espaço foi um dos primeiros a ocupar o segundo andar do local, então praticamente vazio, e desde o início a proposta era clara: resgatar a tradição da quitanda e o gosto pelo cafezinho mineiro. O sucesso foi tanto que, em 2020, a Copa ganhou uma charmosa casa no bairro Floresta, com quintal e ambiente acolhedor. Em janeiro deste ano, a marca inaugurou sua terceira unidade, na Savassi, em um investimento de R$ 650 mil e um faturamento mensal de R$ 300 mil. Todas as casas mantêm a mesma essência: cardápio simples e afetivo, focado em quitandas frescas, receitas tradicionais e um café especial de pequenos produtores. O café servido é o Jatiboca, cultivado em Orizânia, na Zona da Mata mineira, com torra média e sabor adocicado. "Nas três unidades da Copa Cozinha, são consumidos, em média, 2 mil  xícaras e 227 quilos de café por mês", afirma Maíra.
 
Maíra conta que a Copa Cozinha é hoje um espaço para todas as idades, onde famílias inteiras se reúnem para o café da manhã ou o brunch, um hábito que cresce cada vez mais na capital mineira. “A gente percebe que desde 2018 um número cada vez maior de pessoas tem se identificado com esse tipo de programa diurno”, diz. Com foco no resgate das memórias afetivas, o local também promove oficinas infantis de quitandas aos sábados, ensinando às novas gerações os sabores da roça. Um convite carinhoso para saborear Minas no prato e na xícara.
 
PORCENTAGEM DE BRASILEIROS QUE
DIZEM FREQUENTAR CAFETERIAS
 2023 51%
 2021 9%
 2019 48%

EVOLUÇÃO DO CONSUMO
DE CAFÉ NO BRASIL
(kg/pessoa/ano)
 1996 3,30
 2000 3,70
 2005 4,00
 2010 4,70
 2015 4,90
 2020 4,79
 2024 5,01

PRODUÇÃO EM 2024
(em sacas de 60 kg)
 Minas Gerais 28.122.150
 Espírito Santo 14.783.600
 São Paulo 5.620.583
 Bahia 4.149.000
 Rondônia 2.837.250 
 
Público mais exigente
 
Luiz Felipe Torrent, um dos sócios do Grumo Café: %u201CO mundo do café de alta qualidade, que antes parecia tão distante, reacendeu, de certa forma, um orgulho e paixão do brasileiro %u2013 principalmente do mineiro %u2013 pela bebida. Até muita gente que dizia nem gostar de café descobriu um universo com menos amargor e mais sabores e complexidades%u201D (foto: Reprodução Instagram/@grumocafe)
Luiz Felipe Torrent, um dos sócios do Grumo Café: %u201CO mundo do café de alta qualidade, que antes parecia tão distante, reacendeu, de certa forma, um orgulho e paixão do brasileiro %u2013 principalmente do mineiro %u2013 pela bebida. Até muita gente que dizia nem gostar de café descobriu um universo com menos amargor e mais sabores e complexidades%u201D (foto: Reprodução Instagram/@grumocafe)
Luiz Felipe Torrent, um dos sócios do Grumo Café, que funciona no bairro Santo Agostinho, também confirma os números da pesquisa sugerem: estamos vivendo em um franco processo de popularização dos grãos especiais e do hábito de beber café fora de casa. “O mundo do café de alta qualidade, que antes parecia tão distante, reacendeu, de certa forma, um orgulho e paixão do brasileiro – principalmente do mineiro – pela bebida. As pessoas têm explorado muito as diversas formas de preparo, do cappuccino aos cafés gelados, passando pelos drinques com café e, principalmente, valorizado o preparo do coado com grão de qualidade, moídos na hora e preparado com um método que potencialize o sabor. Até muita gente que dizia nem gostar de café descobriu um universo com menos amargor e mais sabores e complexidades”, diz.

A trajetória dele próprio, aliás, é emblemática dessa transformação. “Meu interesse pelo café começou desde cedo, na mesa de casa. Já o interesse mais profundo surgiu com 16 anos quando comecei a frequentar algumas cafeterias – muito escassas e ainda naquele modelo de franquia – com o meu pai. Bem mais tarde, em 2015 ou 2016, comecei a ter acesso ao café especial e seu universo e passei a me interessar bastante”, conta.
 
“Em 2018, conheci a Marília Balzani, do Café Magrí, e me encantei com o ofício de barista – pouco tempo depois fiz um curso com ela mesma e aí mergulhei de vez nesse mundo”, lembra, acrescentando que a abertura da casa ocorreu em dezembro de 2022, ocupando um casarão histórico em estilo art déco, erguido em 1935, que já abrigou o escritório regional do Ministério da Cultura.

Barista há 5 anos, Mariana Fretez, que atua na unidade da Savassi do OOP Café, concorda que a pulverização das cafeterias na cidade vem de uma virada de chave na forma como essa bebida é consumida. “A gente talvez não tivesse tantas opções antes porque o café era bebido em casa, quase como um ato religioso. Então, não havia essa necessidade de sair só para tomar café”, reflete, acrescentando que essa concepção foi se alterando progressivamente e, depois da pandemia, explodiu. “De 2021 para cá, realmente, aumentou muito a quantidade de cafeterias, que estão sempre cheias. E imagino que tem a ver com essa mudança de entendimento, com mais pessoas descobrindo o prazer de tomar um cafezinho com alguém, acompanhado de algumas comidinhas e um bom papo. Enfim, virou também uma oportunidade de encontrar amigos e papear. Não é só tomar aquela xícara corriqueira do café da manhã ou do pós-almoço, sabe?”.

Bebidas diversificadas

A pesquisa da Fecomércio MG e da ABIC confirma que as cafeterias estão se consolidando como o terceiro principal local de consumo de café no Brasil, atrás apenas das residências e dos ambientes de trabalho. “O crescimento no número de cafeterias em Belo Horizonte e no Brasil acompanha uma demanda cada vez maior da população dos centros urbanos por espaços de encontro e convivência”, afirma. “A principal motivação para frequentar cafeterias é a interação social em um ambiente aconchegante, tranquilo e acolhedor, com serviços e produtos de qualidade. Essa demanda vem impulsionando a abertura constante de novas cafeterias, principalmente no pós-pandemia.” Segundo ele, a conclusão é que esse mercado permanece em “plena efervescência”. 
 
Embora ainda predominem as cafeterias tradicionais e os cafés adquiridos em supermercados (63%) e atacarejos (25%), já é possível observar uma tendência de diversificação e sofisticação, com um número crescente de consumidores se permitindo experimentar cafés filtrados, gelados, com infusões, bebidas alcoólicas à base de café e grãos de diferentes regiões – inclusive com características sensoriais que lembram frutas, nozes ou chocolate .

Unidade da OOP: aposta na torrefação própria e na curadoria de grãos, percorrendo fazendas sobretudo de Minas Gerais, mas também do Espírito Santo e da Bahia, atrás de perfis que vão do frutado ao caramelo (foto: Reprodução Instagram/Divulgação)
Unidade da OOP: aposta na torrefação própria e na curadoria de grãos, percorrendo fazendas sobretudo de Minas Gerais, mas também do Espírito Santo e da Bahia, atrás de perfis que vão do frutado ao caramelo (foto: Reprodução Instagram/Divulgação)
O OOP Café, que em um dialeto africano significa aberto, é testemunha do crescimento deste mercado na capital mineira. O lugar, que começou com dez lugares na Savassi mesmo, onde Mariana atende, precisou ser ampliado. Depois, ainda vieram filiais em outros pontos da cidade, chegando até ao Inhotim. “Só na unidade da rua Fernandes Tourinho, num turno de dez horas, moemos em média 40 litros de café coado. E os pedidos (de recomposição de estoque) precisam ser semanais”, diz. Para a barista, a mudança de hábito dos bebedores de café vem acompanhada de uma maior preocupação com a qualidade da bebida. Afinal, se antes o público da cidade se contentava com aquele expresso de cápsula, hoje essas máquinas de extração instantânea já estão nas casas dos fãs da infusão, de maneira que, quando saem, essas pessoas esperam encontrar um café mais bem extraído. “Hoje, os clientes querem um grão mais específico, um preparo que ressalte a acidez ou o corpo. E isso exige uma formação mais apurada.” 

Como vinhos e cervejas artesanais

Por isso, o OOP aposta na torrefação própria e realiza uma curadoria de grãos, percorrendo fazendas sobretudo de Minas Gerais, mas também do Espírito Santo e da Bahia, atrás de perfis que vão do frutado ao caramelo. “A terceira onda do café abriu um novo leque de possibilidades. Assim como vinhos e cervejas artesanais, o café passou a ser apreciado por suas nuances, aromas e sabores”, afirma. 

Luiz Felipe, do Grumo, também percebe essa busca por qualidade e um desejo maior dos bebedores de explorar possibilidades dos grãos especiais. “Hoje, estamos descobrindo o café que nós mesmos produzimos, mas que era um café que, há poucos anos, praticamente não conhecíamos”, pontua. Ele ressalta que o desenvolvimento dos conhecimentos em relação ao café são todos muito recentes. “E Minas, que produz alguns dos melhores cafés do mundo, agora tem tido a oportunidade de experimentá-lo, tendo no crescimento da oferta de cafeterias um pilar fundamental nesse processo de reaprendizado sobre as possibilidades que a bebida tem a nos oferecer”, avalia ele. No Grumo, a opção também é prioritariamente por grãos mineiros, que são trabalhados em duas torrefações de BH – a Roast Cafés e a Pluri Cafés Especiais. “Acreditamos que privilegiar os circuitos curtos contribui muito para uma alimentação mais sustentável”, defende o empreendedor, que vende, das bebidas à base de café, 600 a 700 copos por mês. Copos, não xícaras: o coado da casa, por exemplo, tem 170 ml – mais que três vezes o volume do café que tradicionalmente era servido na xícara de 50 ml.

*Colaborou Daniela Costa
 
“Muito antes do conceito de ‘cafeteria’ se tornar popular, o Café Nice já era uma referência” 
 
Fachada do Café Nice, que será reformada durante revitalização do espaço: placas de comunicação e quadros de fotografias antigas vão compor o ambiente interno (foto: Reprodução Instagram/ @cafenicbh)
Fachada do Café Nice, que será reformada durante revitalização do espaço: placas de comunicação e quadros de fotografias antigas vão compor o ambiente interno (foto: Reprodução Instagram/ @cafenicbh)
Elo entre o passado e o presente da capital, o Café Nice é marca viva da relação afetiva do belo-horizontino com as cafeterias. Fundado em 1939, na Praça Sete, como Casa de Chá e Leitaria, o local cresceu juntamente com a cidade e, recentemente, foi abraçado por ela durante campanha de mobilização popular para revitalizar o espaço. Aos 85 anos, o Nice quase teve as portas fechadas no último ano e, após reforma, vai ser reinaugurado na segunda quinzena deste mês de julho. 

Deteriorada pelo passar do tempo, a casa chegará com pintura fresca, restauração de equipamentos antigos, melhorias operacionais e na comunicação visual. E o tradicional cafezinho, passado no coador de pano e cujo o aroma atraiu do cidadão comum no vaivém das ruas a políticos renomados, também surge com novidade. 

“Com a revitalização, vamos oferecer duas novas opções: um café gourmet e um café premium, também preparados no coador de pano, mantendo o ritual que é marca registrada da casa”, afirma Douglas Issa, coordenador da campanha “Abrace o Nice”. A ação levantou fundos por meio de uma campanha de financiamento coletivo e conquistou patrocinadores como a CDL-BH e o Banco Mercantil. A estimativa é que a requalificação tenha um custo de cerca de R$ 280 mil. 

“O trabalho seguiu preservando o charme e a memória que fazem do Nice um ícone de BH. Muito antes do conceito de ‘cafeteria’ se tornar popular, ele já era uma referência. E hoje, vivemos um verdadeiro resgate desses espaços, com uma nova geração se encantando pelo ritual do café. O Nice se insere nesse movimento como um elo entre o passado e o presente, mantendo viva uma tradição que inspira e conecta pessoas”, ressalta. (Marília Mendonça)
 

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