
Na capital mineira, o estudo “O Mercado do Café - Cafeterias”, antecipado a Encontro, mostra que esse movimento já se reflete em números: em 2024, a cidade contava com 7.582 estabelecimentos registrados nas categorias da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que englobam lanchonetes, casas de chá, sucos e restaurantes – incluindo cafeterias. “Esse cenário reforça não apenas a tradição mineira do café com pão de queijo, mas também o papel do café como atrativo turístico do estado”, afirma Mário Arthur Brandão de Sousa, presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de BH. “Em BH, por exemplo, há uma ampla rede de cafeterias – mais de 180 listadas e avaliadas por visitantes em plataformas como o Tripadvisor – que integram a experiência gastronômica buscada por quem visita Minas Gerais.”

Mercado em expansão

Maíra conta que a Copa Cozinha é hoje um espaço para todas as idades, onde famílias inteiras se reúnem para o café da manhã ou o brunch, um hábito que cresce cada vez mais na capital mineira. “A gente percebe que desde 2018 um número cada vez maior de pessoas tem se identificado com esse tipo de programa diurno”, diz. Com foco no resgate das memórias afetivas, o local também promove oficinas infantis de quitandas aos sábados, ensinando às novas gerações os sabores da roça. Um convite carinhoso para saborear Minas no prato e na xícara.
PORCENTAGEM DE BRASILEIROS QUE
DIZEM FREQUENTAR CAFETERIAS
2023 51%
2021 9%
2019 48%
EVOLUÇÃO DO CONSUMO
DE CAFÉ NO BRASIL
(kg/pessoa/ano)
1996 3,30
2000 3,70
2005 4,00
2010 4,70
2015 4,90
2020 4,79
2024 5,01
PRODUÇÃO EM 2024
(em sacas de 60 kg)
Minas Gerais 28.122.150
Espírito Santo 14.783.600
São Paulo 5.620.583
Bahia 4.149.000
Rondônia 2.837.250
Público mais exigente

A trajetória dele próprio, aliás, é emblemática dessa transformação. “Meu interesse pelo café começou desde cedo, na mesa de casa. Já o interesse mais profundo surgiu com 16 anos quando comecei a frequentar algumas cafeterias – muito escassas e ainda naquele modelo de franquia – com o meu pai. Bem mais tarde, em 2015 ou 2016, comecei a ter acesso ao café especial e seu universo e passei a me interessar bastante”, conta.
“Em 2018, conheci a Marília Balzani, do Café Magrí, e me encantei com o ofício de barista – pouco tempo depois fiz um curso com ela mesma e aí mergulhei de vez nesse mundo”, lembra, acrescentando que a abertura da casa ocorreu em dezembro de 2022, ocupando um casarão histórico em estilo art déco, erguido em 1935, que já abrigou o escritório regional do Ministério da Cultura.
Barista há 5 anos, Mariana Fretez, que atua na unidade da Savassi do OOP Café, concorda que a pulverização das cafeterias na cidade vem de uma virada de chave na forma como essa bebida é consumida. “A gente talvez não tivesse tantas opções antes porque o café era bebido em casa, quase como um ato religioso. Então, não havia essa necessidade de sair só para tomar café”, reflete, acrescentando que essa concepção foi se alterando progressivamente e, depois da pandemia, explodiu. “De 2021 para cá, realmente, aumentou muito a quantidade de cafeterias, que estão sempre cheias. E imagino que tem a ver com essa mudança de entendimento, com mais pessoas descobrindo o prazer de tomar um cafezinho com alguém, acompanhado de algumas comidinhas e um bom papo. Enfim, virou também uma oportunidade de encontrar amigos e papear. Não é só tomar aquela xícara corriqueira do café da manhã ou do pós-almoço, sabe?”.
Bebidas diversificadas
A pesquisa da Fecomércio MG e da ABIC confirma que as cafeterias estão se consolidando como o terceiro principal local de consumo de café no Brasil, atrás apenas das residências e dos ambientes de trabalho. “O crescimento no número de cafeterias em Belo Horizonte e no Brasil acompanha uma demanda cada vez maior da população dos centros urbanos por espaços de encontro e convivência”, afirma. “A principal motivação para frequentar cafeterias é a interação social em um ambiente aconchegante, tranquilo e acolhedor, com serviços e produtos de qualidade. Essa demanda vem impulsionando a abertura constante de novas cafeterias, principalmente no pós-pandemia.” Segundo ele, a conclusão é que esse mercado permanece em “plena efervescência”.
Embora ainda predominem as cafeterias tradicionais e os cafés adquiridos em supermercados (63%) e atacarejos (25%), já é possível observar uma tendência de diversificação e sofisticação, com um número crescente de consumidores se permitindo experimentar cafés filtrados, gelados, com infusões, bebidas alcoólicas à base de café e grãos de diferentes regiões – inclusive com características sensoriais que lembram frutas, nozes ou chocolate .

Como vinhos e cervejas artesanais
Por isso, o OOP aposta na torrefação própria e realiza uma curadoria de grãos, percorrendo fazendas sobretudo de Minas Gerais, mas também do Espírito Santo e da Bahia, atrás de perfis que vão do frutado ao caramelo. “A terceira onda do café abriu um novo leque de possibilidades. Assim como vinhos e cervejas artesanais, o café passou a ser apreciado por suas nuances, aromas e sabores”, afirma.
Luiz Felipe, do Grumo, também percebe essa busca por qualidade e um desejo maior dos bebedores de explorar possibilidades dos grãos especiais. “Hoje, estamos descobrindo o café que nós mesmos produzimos, mas que era um café que, há poucos anos, praticamente não conhecíamos”, pontua. Ele ressalta que o desenvolvimento dos conhecimentos em relação ao café são todos muito recentes. “E Minas, que produz alguns dos melhores cafés do mundo, agora tem tido a oportunidade de experimentá-lo, tendo no crescimento da oferta de cafeterias um pilar fundamental nesse processo de reaprendizado sobre as possibilidades que a bebida tem a nos oferecer”, avalia ele. No Grumo, a opção também é prioritariamente por grãos mineiros, que são trabalhados em duas torrefações de BH – a Roast Cafés e a Pluri Cafés Especiais. “Acreditamos que privilegiar os circuitos curtos contribui muito para uma alimentação mais sustentável”, defende o empreendedor, que vende, das bebidas à base de café, 600 a 700 copos por mês. Copos, não xícaras: o coado da casa, por exemplo, tem 170 ml – mais que três vezes o volume do café que tradicionalmente era servido na xícara de 50 ml.
*Colaborou Daniela Costa
“Muito antes do conceito de ‘cafeteria’ se tornar popular, o Café Nice já era uma referência”

Deteriorada pelo passar do tempo, a casa chegará com pintura fresca, restauração de equipamentos antigos, melhorias operacionais e na comunicação visual. E o tradicional cafezinho, passado no coador de pano e cujo o aroma atraiu do cidadão comum no vaivém das ruas a políticos renomados, também surge com novidade.
“Com a revitalização, vamos oferecer duas novas opções: um café gourmet e um café premium, também preparados no coador de pano, mantendo o ritual que é marca registrada da casa”, afirma Douglas Issa, coordenador da campanha “Abrace o Nice”. A ação levantou fundos por meio de uma campanha de financiamento coletivo e conquistou patrocinadores como a CDL-BH e o Banco Mercantil. A estimativa é que a requalificação tenha um custo de cerca de R$ 280 mil.
“O trabalho seguiu preservando o charme e a memória que fazem do Nice um ícone de BH. Muito antes do conceito de ‘cafeteria’ se tornar popular, ele já era uma referência. E hoje, vivemos um verdadeiro resgate desses espaços, com uma nova geração se encantando pelo ritual do café. O Nice se insere nesse movimento como um elo entre o passado e o presente, mantendo viva uma tradição que inspira e conecta pessoas”, ressalta. (Marília Mendonça)