Em uma época em que músicas não eram baixadas pela internet, o menino Samuel Rosa estava sempre de ouvidos atentos ao som que vinha da vitrola do pai. Curioso e aficionado por música, o psicólogo Wolber de Alvarenga tinha uma coleção e tanto de vinis. Estavam lá Help e Abbey Road, dos Beatles, e um LP com dois garotos na capa, um negro e um branco, sentados em uma estrada de terra. Era um tal de Clube da Esquina, gravado por Lô Borges e Milton Nascimento, em 1972. Samuel achava o máximo pensar que aqueles artistas eram amigos desde criança. "Quando soube que a foto não era deles, foi como descobrir que Papai Noel não existe", relembra o líder do Skank.
Mais do que a lembrança visual, Samuel teve a música do Clube da Esquina como trilha sonora da infância. Cresceu ouvindo Paisagem na Janela e Trem de Doido. Mas só na adolescência, lá pelos seus 15 anos, quando já dominava as primeiras notas no violão, que voltou a se encontrar com o som feito por aqueles dois músicos mineiros. Virou fã de carteirinha de Lô Borges. Se tinha lançamento de disco, lá estava ele. Show em Santa Teresa ou no Palácio da Artes, não perdia um. Exibia orgulhoso em sua coleção os LPs A Via Láctea e Nuvem Cigana. Para Samuel, aquilo era rock cantado em português. "Era música de gente jovem feita para gente jovem", afirma. Além do som - que era inovador no início dos anos 1970, uma mistura de instrumental, jazz, rock, bossa nova e música folclórica mineira - o que mais inspirava o jovem era o fato de Lô ser seu vizinho. Cansou de encontrar o ídolo comendo macarrão no Bolão no fim de noite ou em um jogo no Mineirão. "Ele encarnava a possibilidade real de que, mesmo nascendo e crescendo em Belo Horizonte, vivendo nesta cultura, era possível fazer uma música viável, interessante aos ouvidos do resto do Brasil e até do mundo", afirma Samuel.
Só em 1999, já com o Skank tocando em todas as rádios do país, Samuel efetivamente conheceu Lô. Foi durante um almoço na casa do músico e compositor Chico Amaral, na Mata do Jambreiro, em Nova Lima. Ali surgia uma amizade e uma parceria que já dura 16 anos. O show Samuel Rosa & Lô Borges, gravado ao vivo no Cine Theatro Brasil Vallourec no início deste mês, é a concretização de um sonho antigo. "Nada mais coerente para a minha existência, para minha formação, do que dividir o palco com quem inspirou a minha carreira", diz Samuel.
Um som também marcou os tempos de criança do estilista Victor Dzenk. Mesmo sem harmonia ou notas elaboradas, a melodia que vinha da máquina de costura da sua mãe acalentou muitas tardes de sua infância. Era na varanda de casa, em Lagoa Santa (onde hoje funciona a fábrica da grife que leva o seu nome), que a professora Tereza passava horas costurando para os três filhos. "Cresci aos pés da máquina", lembra ele, que sempre dava "pitacos" nos modelos que ela confeccionava. Filho do suboficial Vitautas, Dzenk cursou o ensino médio no Colégio Militar, na região Norte da capital. Excelente aluno, conquistou uma vaga na Academia Militar das Agulhas Negras, que forma oficiais para o Exército, em Resende, no interior do Rio de Janeiro. Com uma criação conservadora, precisou de coragem para trocar a carreira militar pelas linhas e agulhas. "A minha mãe foi o meu maior modelo", afirma.
Por debaixo dos panos, Tereza conseguia driblar a rigidez imposta pelo marido e, vira e mexe, atendia aos desejos do filho, que já tinha ideias vanguardistas sobre moda. Aos 14 anos, pediu que a mãe costurasse um terno de linho branco com ombreira dupla e corte triangular. Ficou exatamente como havia imaginado. Foi o que faltava para ele decidir que era hora de escrever os primeiros capítulos de sua história. Matriculou-se em um curso de desenho de moda do Senac. Pouco menos de um ano depois, começou a trabalhar na tradicional Casa Rolla. Em 1989, foi estudar moda na escola Esmod, em Paris. Ficou na capital francesa por quatro anos e, ao voltar para Belo Horizonte, só pensava em abrir sua própria confecção, o que viria a acontecer em 1998. Hoje, sua marca está à venda em cerca de 150 endereços no Brasil e mais de 20 no exterior. É queridinho de estrelas como Camila Pitanga, Paola Oliveira e Cleo Pires. "A maior lição que aprendi com ela é o cuidado com a peça. O avesso precisa estar perfeito, porque costurar não é só se sentar à máquina", diz Dzenk.
Veio também de casa a maior inspiração do empresário Helder Mendonça, da Forno de Minas. Ele aprendeu desde cedo que não há batalha que não se vença com perseverança. Aos 8 anos, perdeu o pai, Helio Mendonça, em um acidente de carro. Fazia apenas dois anos que a família tinha trocado João Pinheiro, a 400 quilômetros da capital, por Belo Horizonte. A mãe, Dalva, ficou viúva na cidade grande, com quatro filhos pequenos para criar. Resistiu à pressão familiar e não voltou para o interior. Queria que as crianças frequentassem boas escolas. No início, vendeu uma fazenda e com o dinheiro comprou um imóvel na planta que mais tarde revendeu. E depois outro, e outro. Em pouco tempo, tinha sua própria imobiliária. "O que me lembro na infância é da minha mãe sempre trabalhando", diz o empresário.
Aos domingos, eles iam com Dalva mostrar os apartamentos aos interessados. Levavam o material escolar e, depois de fazer a lição de casa, ficavam colorindo enquanto a mãe atendia os clientes. "Ela sempre foi uma mulher de garra", completa Helder. Daqueles tempos, lembra-se com saudades das férias na fazenda dos avós. Era na cozinha de dona Ernestina que uma verdadeira mágica acontecia. A família se reunia para fazer biscoito, bolo e goiabada. Virava uma festa. De um dos livros de receitas usados nesses eventos é que veio o modo de fazer do famoso pão de queijo da Forno de Minas.
Foi na década de 1990, durante o Plano Collor, que mãe e filho resolveram criar um novo negócio. Helder tinha acabado de chegar dos Estados Unidos e estava empolgado com o consumo de comidas congeladas. Fundaram a Forno de Minas, que passou a oferecer o quitute mineiro para ser assado na casa do consumidor. Depois de 10 anos, venderam a marca para a multinacional americana General Mills, dona dos sorvetes Häagen-Dazs. Não deu certo, as vendas caíram pela metade. Em 2009, a família Mendonça retomou o negócio. "Eu estava cauteloso, os números não eram animadores, a empresa estava operando no vermelho", lembra Helder. Por outro lado, Dalva, acostumada a dar a volta por cima, queria colocar as coisas nos trilhos. E acertou de novo. No ano passado, a Forno de Minas registrou faturamento de R$ 231 milhões. "Minha mãe é incansável. É uma formiguinha, está em todos os lugares, resolve tudo ao mesmo tempo", afirma Helder.
A mistura perfeita dos ingredientes deu liga à vida dos Mendonças. Não existe, no entanto, uma receita para que um determinado indivíduo sirva de inspiração para outro. Para a psicóloga Delba Barros, coordenadora do programa de orientação profissional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), todos têm, em algum momento, alguém que lhe serve como modelo diante de suas escolhas. "Às vezes, nem paramos para nomear esse sentimento, mas ele existe naturalmente", afirma. É o caso de um filho que segue a carreira do pai ou que, apesar de não trilhar o mesmo caminho profissional, se espelha na forma como o progenitor trabalha. "Ele quer reproduzir o esmero, a dedicação, a paixão com que o seu modelo exerce seu ofício", completa.
O amor pela arte. Essa é a principal herança que o bailarino e coreógrafo Klauss Vianna deixou para a sobrinha, a atriz Fernanda Vianna. "Poucos artistas tiveram a sua coragem e entrega", diz Fernanda. Klauss, com seus quase dois metros de altura, filho de um médico e uma enfermeira, decidiu ser bailarino em plena Belo Horizonte da década de 1940. "Foi um escândalo", afirma Fernanda. Tornou-se um dos nomes mais importantes do cenário artístico brasileiro. Como coreógrafo, criou um método próprio, que tem por fundamento respeitar o corpo e a anatomia de cada bailarino. Mundialmente reconhecido por seu trabalho pioneiro como preparador corporal, para Fernanda, Klauss era o tio "gente boa", que a fazia cometer as mais deliciosas loucuras. "Lembro-me da gente andando de carro pela cidade e ele mandar abrir as janelas e gritar palavrões", diz, rindo. Sempre provocativo, ousado e libertário, o coreógrafo nunca gostou de regras. "Durante as férias, ia para o seu apartamento no Rio. Lá estava sempre cheio de atores e não tínhamos hora para comer, dormir", conta a sobrinha. "Era um sonho."
Foi por causa do tio amado que Fernanda começou, aos 8 anos, a fazer aulas de balé. Em uma de suas andanças pelo Brasil, o coreógrafo mudou-se para um imóvel onde não cabia o piano. O jeito foi enviar para a casa do irmão, Rui, em Lourdes. A sobrinha, então, aprendeu a tocar o instrumento. Aos 15 anos, Fernanda iniciou sua atividade profissional como bailarina com o Grupo Transforma. Em 1995, entrou para o Grupo Galpão, onde participou de peças como Romeu e Julieta e Tio Vânia (Aos que Vierem Depois de Nós). Na TV, viveu Berenice na novela Além do Horizonte, na Rede Globo. Já no cinema, conquistou um Kikito no Festival de Gramado por sua atuação no filme O que se Move, assinado pelo diretor Caetano Gotardo. "Você é o culpado disso tudo. Era isso que falaria se pudesse encontrá-lo hoje", diz Fernanda, emocionada. Klauss morreu em 1992, vítima de problemas no coração.
A paixão é, talvez, um dos principais elos entre as pessoas. Para os irmãos Daniel e Marcelo Melo, o amor em comum é o tênis. Quando ainda nem tinha força suficiente para levantar a raquete, Marcelo - também conhecido como Girafa, apelido de fácil compreensão diante de seus 2,03 metros de altura - já acompanhava os passos do irmão mais velho no circuito profissional de tênis. Vibrou quando Daniel foi campeão do Brasil Open, em duplas, na edição inaugural, em 2001. "A vida dele era inspiradora. Estava sempre viajando, competindo", diz Marcelo, que primeiramente tentou se firmar - sem muito brilho - como jogador de simples, disputando torneios para esportistas em início de carreira. Mas foi em 2007, quando voltou a treinar em BH e elegeu Daniel como técnico, que viu sua vida mudar. "Ele foi determinante para eu ter virado duplista", afirma Girafa, que logo de cara, ao lado do veterano André Sá, chegou à semifinal de Wimbledon.
De lá para cá, os irmãos Melo conquistaram juntos 15 títulos importantes e comemoraram, em junho, a conquista inédita do título de dupla em Roland-Garros, o saibro sagrado onde Gustavo Kuerten, o Guga, foi tricampeão simples, há 14 anos. "O Daniel sabe o quanto foi importante nesta conquista. Foi uma recompensa de todo o trabalho feito ao longo destes anos", diz. Girafa atualmente ocupa a terceira posição no ranking da Association of Tennis Professional (ATP). "Todos os dias temos novas histórias", diz. Algumas divertidas, como na vez em que o tenista comprou uma passagem de avião para a Austrália via África do Sul, o que fez Bruno perder quase um dia voando. "Fiz uma economia de US$ 200, mas ele até hoje não me perdoa", lembra, rindo.
Se muitos decidem o que querem ser ainda crianças, outros encontram seu destino já sentados na cadeira da universidade. Ricardo Leão entrou na Faculdade de Medicina da UFMG decidido a ser cardiologista, tal como um tio. A vontade durou até o sétimo período, quando começou a ter aulas com o ginecologista Selmo Geber, um dos fundadores da Clínica Origen, de Belo Horizonte, referência em reprodução assistida na América Latina. "Quando me formei, ele me disse que, se tivesse interesse em trabalhar com reprodução, as portas da clínica estariam abertas para mim", conta Leão, que acabou fazendo sua residência em ginecologia e obstetrícia na maternidade Odete Valadares e, depois, por recomendação de Geber, fez outra em cirurgia ginecológica endoscópica pelo Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg).
"A conclusão da faculdade é um momento em que a maioria dos jovens está perdida. Eu não fui diferente, e o dr. Selmo foi um norte na minha vida", afirma. Já trabalhando na Origen, Leão foi atrás de um título, que conquistou pela Rede Latino-americana de Reprodução Assistida. Foi o primeiro da turma. Recebeu, orgulhoso, o diploma no Panamá, das mãos de seu "padrinho" profissional. "Ele está sempre ao meu lado." Em 2012, novamente guiado por Gerber, Leão assumiu a diretoria da Santa Fértil, um braço da Origen dentro do Hospital da Mulher e Maternidade Santa Fé. "Eu só tenho a agradecer, sou muito feliz com o que faço." E parece que, aos 37 anos, Leão já é inspiração para outros que estão chegando. Felipe, seu filho de 6 anos, jura que quer ser médico quando crescer. "Ele também quer ser guitarrista e jogador de futebol", diz, aos risos. Mas o doutor sabe, que, independente do caminho que o herdeiro seguir, se exercer seu ofício com amor, a vida está ganha.
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CAPA | COMPORTAMENTO
Fonte de inspiração
Existem pessoas que viram referência de vida e acabam determinando os caminhos escolhidos por alguns. Seis mineiros bem-sucedidos contam quem são seus exemplos e por que resolveram seguir a mesma estrada de seus ídolos
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