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Estado de Minas DEZ PERGUNTAS PARA | FRANÇOIS HAUTEKEUR

'O brasileiro descobriu que dá para matar a sede com algo além da cerveja'

Enólogo do principal grupo de luxo do mundo participa de degustação em BH e fala sobre o consumo de espumantes no Brasil


postado em 01/04/2019 14:12 / atualizado em 01/04/2019 15:32

(foto: Violeta Andrada)
(foto: Violeta Andrada)
Formado em engenharia mecânica, o francês François Hautekeur, de 50 anos, largou seu cargo de diretor de qualidade na Pirelli e voltou para a sala de aula. Em 2003, formou-se como enólogo pela Universidade de Toulouse, na França. “Eu me considero um cientista hedonista”, explica ele, referindo-se à doutrina filosófica grega que afirma ser o prazer o bem maior da vida humana. “O meu lado hedonista descobriu o prazer que o vinho proporciona. Já o meu lado científico me fez querer entender por que alguns vinhos dão mais prazer do que outros.” 

Um ano depois de conquistar o diploma, François entrou para o grupo LVMH, holding francesa especializada em artigos de luxo e dona de marcas como Louis Vuitton, Dom Pérignon, Fendi e Tag Heuer. Seu primeiro emprego como enólogo foi na Maison Veuve Clicquot. Em 2010, foi escolhido pela empresa para gerenciar o dossiê técnico de 47 garrafas de Veuve Clicquot submersas no Mar Báltico desde o século XIX. “Algumas estavam intactas e perfeitas, já que ficaram armazenadas da forma ideal: em um lugar frio, escuro e com umidade constante.” Há seis anos morando em São Paulo, atualmente, François é gerente de comunicação enológica da Chandon – também passou pela Moët & Chandon. ele diz que, sim, o Brasil entrou de vez na rota dos vinhos por causa de seus espumantes. 

1 | ENCONTRO – Espumante é uma bebida de comemoração ou já faz parte do nosso dia a dia?
François hautekeur – Depende do país. No Brasil, que é jovem em cultura de vinhos, ainda é muito comemorativo. Percebemos, no entanto, que isso está mudando. Nas grandes capitais, as pessoas já degustam espumantes com os amigos no final de semana, na praia ou na piscina. Finalmente, a bebida está deixando de ser servida apenas em casamentos, nascimentos ou aniversários. E tem uma outra coisa: o público descobriu que espumante é excelente para harmonizar com comida. Abriram-se, então, novas possibilidades. 

2 | Existe um jeito certo de servir e beber espumante? Temperatura e taça ideais? 
A taça deve ter pé alto para evitar o calor da mão, ser levemente bojuda e com a boca mais fechada para concentrar os aromas. A temperatura ideal é de seis graus; para isso basta deixar a garrafa em um balde com gelo e água. O uso de salmouras ou álcool é desaconselhável, já que aumentam a temperatura do espumante e acabam mascarando suas qualidades. O que é um crime. Não encher a taça é uma dica para não deixar a bebida esquentar. 

3 | Ao mesmo tempo que é de festa, dizem que espumante também é a bebida que mais sofre nos momentos de crise. 
Não acho. Nos momentos de crise econômica as pessoas fazem adaptações. Sei de casos em que os noivos pretendiam servir champanhe e trocaram por espumante, que custa três vezes menos. Agora, no mundo inteiro, o mercado de luxo, seja de roupas, joias, perfumes ou bebidas, é o que é menos atingido durante os tempos difíceis. Sempre vão existir aquelas pessoas riquíssimas que continuam consumindo. Felizmente para nós. 

4 | Champagne é dona das borbulhas mais famosas do mundo. Você pode, no entanto, dizer que existem outras regiões produtoras tão boas quanto essa região da França?
É difícil de comparar, porque são diferentes. A Serra Gaúcha é uma excelente região porque tem um frescor que é crucial na produção de um grande espumante. Champagne é ainda mais fria. Então esse frescor do clima reflete dentro da taça. É o que garante vivacidade à bebida. E tem o efeito do terroir, que faz com que um lugar seja melhor que o outro. Na Serra Gaúcha, onde temos 200 hectares de plantação, a inclinação do solo é muito favorável, há uma drenagem natural, o que evita um excesso de água. Nossas terras em Encruzilhada do Sul são um verdadeiro diamante. 

5 | Mas nenhum lugar no mundo se compara a Champagne? 
Minhas lembranças mais emocionantes, com certeza, foram com Champagne, que é a região que mais conheço. Agora, é claro que existe uma razão para que ali estejam as bebidas mais caras do mundo. Isso não acontece por acaso. 

6 | O brasileiro ainda bebe pouco vinho. O consumo de espumante, no entanto, triplicou na última década. A que você atribui isso?
O francês bebe 25 vezes mais vinho que o brasileiro, então o vinho ainda é uma cultura nova por aqui. Agora, o clima tropical é perfeito para o consumo de espumante. E as pessoas começaram a viajar mais e se abrirem às novidades. O brasileiro descobriu que há algo além da cerveja para se refrescar. E não tem nada mais agradável e chique do que um espumante. 

7 | Como é o paladar do brasileiro?
É interessante, porque é mais doce que o do europeu. Vocês gostam mais de açúcar do que nós. Principalmente as mulheres. Os jovens também. Quando servimos um brut e um demi-sec, os jovens vão direto na segunda opção. 

8 | Os espumantes são, hoje, os grandes responsáveis por colocar o Brasil no mapa dos vinhos do mundo. Como você os definiria dentro da produção mundial?
Não é à toa que o maior número de premiações brasileiras seja pelos espumantes. Já tem um movimento na Serra Gaúcha e também no sul de Santa Catarina, mas a produção é pequena, menor que a cava, na Espanha. E, no meu paladar, os espumantes do Brasil são melhores do que as cavas que eu degustei na Espanha, por exemplo. 

9 | Existe alguma tendência na indústria de espumante? 
Drinques. Os jovens adoram. E são eles que criam moda ou tendência. É o caso dos rosés, que entraram na moda e continuaram com um consumo crescente. Virou tendência. Com o espumante é a mesma coisa. Ele aparece em diversos drinques. Há 10 anos, quando percebeu essa tendência, a Moët & Chandon foi a primeira a criar um champanhe próprio para ser bebido com gelo. 

10 | Foi aí que acabou a proibição de tomar espumante com gelo? 
Alguns anos antes, na Riveira Francesa, as mulheres, especialmente, começaram a colocar gelo no brut. Mas o champanhe brut é muito delicado e quando o gelo derretia perdia-se a finesse da bebida. Aí os jornalistas de vinho, enólogos e sommeliers ficaram revoltados. “É um absurdo, matam uma bebida que levou três anos para ser feita. Não se coloca gelo no champanhe”. Pronto, isso virou uma regra entre os especialistas. Mas as pessoas são livres e fazem o que querem, certo? Então elas continuaram colocando gelo nas taças. Aí a Moët & Chandon teve a reação mais inteligente entre todas as marcas. Ao invés de gritar, criou um champanhe para beber com gelo! Foi um sucesso total, porque o mercado estava pedindo isso. Aqui, no Brasil, temos a Chandon Passion, que fica perfeita com gelo ou uma rodela de limão-siciliano.

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