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Estado de Minas GASTRÔ

Cinco pratos com queijos mineiros

De petiscos a sobremesas, ingrediente artesanal vira estrela de pratos em restaurantes badalados


postado em 02/05/2019 10:06 / atualizado em 02/05/2019 10:30

Consistência cremosa: a pâtissière Mariana Correa, do La Parisserie, assina a cheesecake de queijo canastra, que pode ser servida com cobertura de geleia de frutas vermelhas, de frutas amarelas ou caramelo com flor de sal (foto: Violeta Andrada)
Consistência cremosa: a pâtissière Mariana Correa, do La Parisserie, assina a cheesecake de queijo canastra, que pode ser servida com cobertura de geleia de frutas vermelhas, de frutas amarelas ou caramelo com flor de sal (foto: Violeta Andrada)
Nada é mais caro ao mineiro do que o queijo feito artesanalmente nas montanhas das Gerais. Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como patrimônio cultural brasileiro, o queijo minas segue um ritual próprio na sua fatura. Precisa ser produzido com leite cru e adição do pingo, um fermento lácteo natural recolhido a partir do soro drenado do próprio queijo. É esse "acervo bacteriano" que dá a identidade a cada território, transferindo para o produto as características de solo, clima e vegetação da região. 

Em todo o estado são mais de 30 mil pequenos produtores, espalhados por mais de 600 municípios. Sete regiões são as mais conhecidas: Serra da Canastra, Serro, Araxá, Serra do Salitre, Campos das Vertentes, Cerrado e Triângulo Mineiro. De cada canto de Minas saem queijos com características diferentes, como gosto, consistência e aparência próprias. O tempo de cura, o clima e até o capim usado para alimentar o gado interferem no sabor, fazendo com que cada produtor consiga uma assinatura particular no seu produto. 
O verdadeiro francês-mineiro: o chef Rodrigo Fonseca juntou o queijo da Serra do Salitre com pimenta-dedo-de-moça e criou o suflê mais vendido do Taste-Vin (foto: Uarlen Valério)
O verdadeiro francês-mineiro: o chef Rodrigo Fonseca juntou o queijo da Serra do Salitre com pimenta-dedo-de-moça e criou o suflê mais vendido do Taste-Vin (foto: Uarlen Valério)
O paladar pode até variar, mas a paixão pelo queijo é algo que une os mineiros como poucas coisas. Está embutido nas raízes culturais mais profundas do povo. E essa tradição do feitio do queijo com leite cru vem desde o século XVII, trazido pelos colonizadores. Inclusive, essa mesma forma de produção pode ser encontrada até hoje na região de Açores, em Portugal. Com o povoamento intenso de Minas Gerais, a partir da descoberta do ouro, muitas regiões sofriam com a falta de alimentos, afinal, ouro não mata fome. Foi então que o queijo entrou na história da culinária do estado. Era um alimento que se adaptava bem ao clima serrano, logo tornou-se um produto importante nas vilas e arraiais. 

E se o queijo artesanal tem um valor incalculável para os mineiros, nas mãos dos chefs o ingrediente vira joia. Especialista em gastronomia francesa, país com maior tradição da produção de queijo no mundo  os franceses se orgulham ao afirmar que possuem um queijo diferente para cada dia do ano , Rodrigo Fonseca é um entusiasta no assunto. "Para mim, pessoalmente, é um orgulho trabalhar com um produto tão nosso", diz o chef, que usa o queijo vindo da Serra do Salitre na preparação do suflê com pimenta- dedo-de-moça (R$ 72), que é a estrela do Prato da Boa Lembrança desde o ano passado. "Ele desbancou o Taste-Vin, campeão de vendas há décadas", afirma, referindo-se à receita que leva camarão, gruyère e cogumelos Paris frescos (R$ 98). 

A ideia de criar um prato com o mais famoso ingrediente mineiro surgiu por acaso. Em 2017, Rodrigo ganhou de um casal de clientes um queijo da Serra do Salitre. Para retribuir, resolveu testar algumas receitas usando o insumo. Ao acrescentar a pimenta- dedo-de-moça chegou ao resultado que queria. Quando serviu o suflê para os dois cliente, eles adoraram. E, assim, o prato entrou de vez no menu. "Ainda temos outros tesouros pouco explorados, como o queijo do reino fabricado em Santos Dumont", diz Rodrigo. 
 
 
Veio também da França a inspiração da sopa clássica de cebola gratinada (R$ 26) preparada pela chef Juliana Bhering, do Horizontes. No ano passado, ela passou uma temporada em terras francesas acompanhando a gravidez de sua filha, Marcela, que mora Paris. "O único desejo que ela tinha era de tomar sopa. Fui a todos os restaurantes possíveis e experimentei as mais variadas preparações", lembra. Como o restaurante Horizontes fica no alto da Serra da Moeda, a chef quis ter no cardápio um caldo ou uma sopa o ano inteiro. 
Clássico com blend mineirês: à frente do Horizontes, a chef Juliana Bhering substituiu o gouda por uma mistura de queijos minas na preparação da sopa de cebolas(foto: Bete Miguel/Divulgação)
Clássico com blend mineirês: à frente do Horizontes, a chef Juliana Bhering substituiu o gouda por uma mistura de queijos minas na preparação da sopa de cebolas (foto: Bete Miguel/Divulgação)
"Aqui faz mais frio. E a sopa de cebola é um clássico difícil de ser achado." Como a casa prioriza o uso de insumos de produtores locais, Juliana substituiu o gouda usado tradicionalmente por um blend de queijos vindos de Antônio Carlos, na região de Campo das Vertentes. Ela usa uma mistura de minas padrão, meia-cura e um curado por seis meses. "Estamos localizados em um ponto turístico e queremos levantar a bandeira de ser regional. Não servimos comida mineira, mas usamos com muito orgulho os produtos da terra." 

É quase impossível usar um produto tão querido como o queijo minas e não fazer uma comida afetiva. No seu D’Artagnan, Marise Rache nunca conseguiu tirar do cardápio a porção de pastéis de queijo meia cura com requeijão e alho-poró (R$ 29, com seis unidades). "Sirvo desde que abri o restaurante há 18 anos. É o campeão de vendas entre os petiscos." Por mês, são consumidas cerca 280 porções. Na receita, a chef usa um queijo meia-cura vindo da Serra da Canastra e um requeijão fresco produzido na Serra da Moeda. "Esse amor pelo queijo está nas nossas veias. Nós, mineiros, fomos criados a vida inteira comendo queijo", diz ela, que ainda tem no cardápio um jarrete de porco assado servido com polenta com queijo da Serra do Salitre e taioba (R$ 72). 
Por todo o cardápio: o chef Caetano Sobrinho, do Caê, usa o queijo minas em várias receitas, como no filé mignon grelhado com tagliatelle na fonduta de queijo do Serro curado(foto: Violeta Andrada)
Por todo o cardápio: o chef Caetano Sobrinho, do Caê, usa o queijo minas em várias receitas, como no filé mignon grelhado com tagliatelle na fonduta de queijo do Serro curado (foto: Violeta Andrada)
Já o chef Caetano Sobrinho, do Caê Restaurante Bar, usa queijo minas em várias receitas. Aficionado por ingredientes mineiros, Caetano dá uma cara contemporânea à nossa gastronomia. Entre os petiscos, pasteizinhos de queijo minas curado com chutney de cebola camarelizada (R$ 29) e dadinhos de tapioca com queijo canastra curado e geleia de pimenta vermelha (R$ 30). Há ainda uma tábua de queijos e embutidos (R$ 51), com quatro tipos vindos de regiões como Alagoa, Canastra e Serro. "Tem sempre dois produtores premiados e dois novos, para que os clientes possam ter acesso a outros sabores", diz. Entre os pratos principais, a sugestão é medalhas de filé mignon grelhadas com tagliatelle na fonduta de queijo do Taco (produtor do Serro) curado (R$ 63). Para quem quiser ainda prestigiar Minas do prato à taça, o Caê trabalha com gin, vinho e cervejas artesanais fabricadas no estado.

E se o queijo aparecia como coadjuvante nas sobremesas agora ele ganhou o papel principal nas mãos da pâtissière Mariana Correa, do La Parisserie. Ela é a criadora da cheesecake de queijo canastra. "Quando resolvi criar o jantar de sobremesas, passei mais de um ano pesquisando e testando receitas", diz a chef, que faz de tempos em tempos um evento fechado onde são servidas apenas sobremesas autorais. Ela conta que encontrou a fórmula certa ao usar um queijo menos maturado e com sabor mais suave.
Mais de 280 porções por mês: há 18 anos no cardápio do D%u2019Artganan, da chef Marise Rache, os pastéis de queijo curado, requeijão e alho-poró são campeões de vendas(foto: Violeta Andrada)
Mais de 280 porções por mês: há 18 anos no cardápio do D%u2019Artganan, da chef Marise Rache, os pastéis de queijo curado, requeijão e alho-poró são campeões de vendas (foto: Violeta Andrada)

Para o creme, ela ainda utiliza uma parte de cream cheese. "Os clientes ficam mais animados quando escutam que é de queijo minas. É aquela velha história: se é nosso, damos mais valor." A cheesecake é vendida pura (R$ 170, serve 12 porções) ou com as geleias artesanais feitas na casa de frutas vermelhas, frutas amarelas ou caramelo com flor de sal (R$ 190). Nem todos os dias a receita está disponível no balcão, mas, se der sorte, você pode experimentar uma fatia do doce por 18 reais. 

O queijo artesanal está tão incorporado em nossas vidas que é impossível falar de culinária mineira sem citá-lo. Ele está presente tanto nos menus mais sofisticados quanto na mesa da fazenda, ao lado do cafezinho coado. Está até nas expressões mais antigas. Todo mundo já  ouviu alguém soltar "um abraço, um beijo e um pedaço de queijo". Porque aqui, nas Minas, o queijo vale tanto quanto uma declaração de amor.  

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