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Estado de Minas ENTREVISTA

Marcio Atalla e os riscos do sedentarismo

Educador físico mineiro lança documentário sobre importância dos exercícios físicos


postado em 02/05/2019 08:14 / atualizado em 02/05/2019 09:38

(foto: Washington Possato/Divulgação)
(foto: Washington Possato/Divulgação)
O mineiro Marcio Atalla visitou sete países e gravou 150 horas de vídeo para ir a fundo na questão do sedentarismo no mundo atual. Conversou com pesquisadores, conheceu boas práticas individuais e políticas públicas de efeito em prol da atividade física nas mais diversas culturas. A preocupação tem motivos sérios. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o sedentarismo é um grande mal do século: 47% dos brasileiros em idade adulta não se exercitam o suficiente, e, em termos mundiais, o número também é alto, 27%.

Segundo Atalla, o estilo de vida tecnológico e a forma como as cidades são organizadas – especialmente, mas não exclusivamente no Brasil têm levado as pessoas a menos movimento no dia a dia. É preciso usar carro ou ônibus para a ida ao trabalho, resolvem-se muitos problemas pela internet e, se há a necessidade de compras, ninguém mais vai ao centro (ou Savassi, no caso de BH, como lembra Atalla), mas sim a shoppings, cheios de escadas rolantes.

Por isso, as políticas públicas precisam considerar essa tendência para transformar as cidades e os bairros, além de criar incentivos para a prática de atividades físicas. De forma individual, segundo o educador físico, não há saída: as pessoas devem incorporar exercícios na rotina, ainda que sejam atividades simples e curtas no início. Tão simples quanto trocar o elevador pela escada para sair e chegar em casa. E, claro, tratar de fazer disso um hábito. O documentário Vida em Movimento foi lançado no final de abril, pelo canal por assinatura GNT. Veja o que diz Atalla sobre exemplos mundo afora, de como incentivar as pessoas a praticar exercícios e os segredos para torná-los um hábito. 
 
QUEM É 

Marcio Atalla, 48 ANOS

ORIGEM
Belo Horizonte (MG)

FORMAÇÃO
É formado em educação física pela Universidade de São Paulo (USP) e especializou-se em treinamento de atletas profissionais. 
Tem pós-graduação em nutrição aplicada à atividade física e a doenças crônicas, também pela USP

CARREIRA
Foi apresentador do programa Bem Estar, da GNT, e criou os quadros Medida Certa e Medidinha Certa, do Fantástico. É autor dos livros Sua Vida em Movimento e Segredos do GNT para o seu BemStar, coautor de Medida Certa: Como Chegamos Lá! Tem uma coluna na revista Época e é colunista da rádio CBN. Lançou recentemente o documentário Vida em Movimento
 
 

ENCONTRO – Por que nosso corpo precisa de movimento?


Marcio Atalla – O corpo humano foi ficando totalmente adaptado ao movimento, por causa da evolução da espécie. Só conseguiu procriar o ser que se movimentava muito – para se deslocar, para caçar. Tanto por fora, ou seja, ereto, com braços e pernas mais longos, quanto por dentro. Quem não faz exercício, não é ativo, tem controle pior da glicemia, o coração é mais fraco, tem mais dificuldade de controlar pressão, etc. Quando se movimenta, a pessoa consegue que o corpo funcione de maneira melhor.

Se o corpo é feito para se movimentar, por que as pessoas não se sentem sempre a fim de se exercitar?


Em nenhum momento, nesses milhões de anos, o ser humano fez isso por prazer, mas por necessidade. É só conversarmos com as pessoas sobre como era o dia a dia até a década de 1980. Em BH, por exemplo, elas faziam as compras na Savassi, não tinha tanto shopping, tanta escada rolante. Elas se moviam mais. Um ponto importante é que outra característica evolutiva que temos é a de poupar energia. Só sobreviveram os seres poupadores, os que tiveram a capacidade de estocar excesso de energia no próprio corpo em forma de gordura. Além disso, o homem automatizou as coisas. Quando fazemos algo pela primeira vez, demoramos para aprender, gastamos muita energia. Depois, fazemos sem pensar. E 90% das atividades do dia já estão automatizadas, sendo que por muito tempo o que fazíamos para nos movimentar entrava nesse número. Agora, está nos 10% de coisas que temos de decidir fazer, esforçar-nos para fazer. 
"90% das atividades do dia já estão automatizadas, sendo que, por muito tempo, o que fazíamos para nos movimentar entrava nesse número. Agora, está nos 10% de coisas que temos de decidir fazer, de nos esforçar para fazer" (foto: Humberto Bassanelli/Divulgação)

É a famosa lei do menor esforço?


Sim. O automático é escolher o pouco movimento. Por isso é tão difícil, mesmo tendo a informação da importância de se exercitar, optar pela atividade física. Por exemplo: quando chega no shopping e estaciona, a primeira decisão da pessoa é ir até a entrada mais próxima. O cérebro é condicionado a poupar energia. E antigamente você já era ativo sem ter de pensar em ir fazer caminhada. Inclusive em relação ao trabalho. Hoje, menos de 10% das profissões permitem à pessoa dar 10 mil passos por dia. Até o final da década de 1980, a grande maioria permitia.

E como mudar esse cenário para uma rotina mais ativa da população?


Há três formas. Uma delas é mudar o meio ambiente, como é o caso de Copenhagen, que visitamos para o documentário. Hoje lá é tão difícil usar o carro que as pessoas vão de bicicleta ou a pé por praticidade. Ou soluções arquitetônicas, como prédios que obrigam as pessoas a subir de escada, em que os elevadores não chegam a todos os andares. Outra forma é a educação. Na Finlândia, as crianças aprendem nas escolas com movimento. A professora diz “quem acha que a resposta é a letra A dá três saltos, quem acha é B fique num pé só…” Isso começou em 2011 e o sistema finlandês é o mais premiado de educação no mundo. Além de a criança aprender mais, eles ainda têm menos número de alunos sedentários. Por fim, uma forma é a premiação. Planos de saúde nos Estados Unidos, por exemplo, oferecem dinheiro para a pessoa se exercitar. Sai mais barato do que tratá-la depois.

O que você pôde perceber como pontos em comum e como principais diferenças entre os povos, em relação ao sedentarismo?


Acho que o Brasil é mais parecido com Estados Unidos, onde cidades são totalmente pensadas para o carro. Muito shopping, bairros mais segmentados. Em BH, por exemplo, tem a Cidade Administrativa, não é? Ninguém mora lá, todo mundo tem de ir de carro, ou de ônibus, integrando com o metrô. Não a pé ou de bicicleta. Esse tipo de cidade prevaleceu. Ao contrário dos países nórdicos, por exemplo, onde se consegue encontrar, no mesmo bairro, escola, emprego, moradia. Então, apesar do frio absurdo, fica mais fácil para a pessoa incorporar a bicicleta, andar a pé. Acho que o Brasil tem de pegar mais o exemplo da Coreia do Sul, que era parecida conosco há 30, 40 anos, e fez um trabalho excepcional que envolve saúde pública. O Estado proporcionou opção de atividade física, premiou pessoas que se movimentavam mais. É um exemplo bem acabado do que poderia ser feito no país.

Quais as melhores alternativas individuais com que você teve contato para fugir do sedentarismo?


Tem um movimento de pessoas que se organizam para ir caminhar dentro dos shoppings, onde tem ar condicionado, segurança, não tem buracos nas ruas, é plano. Foi um jeito de as pessoas se exercitarem. Nos Estados Unidos, é uma tendência trabalhar seis, 10 minutos em pé a cada hora. Isso porque as pessoas passam de oito a 10 horas sentadas por dia e pesquisas mostraram que quem diminuiu o tempo sentado ao longo do dia conseguiu resultados eficientes em perda de peso e controle de pressão. Outra boa sugestão, sem dúvida, são as escadas. Fazer pequenas quantidades de andares várias vezes ao dia é uma excelente opção.

O que pode ser feito em termos de políticas públicas?


O maior fator de risco à saúde no século passado era o cigarro e foi feito um trabalho amplo de divulgação disso para a população. A primeira coisa para combater o sedentarismo é isso: divulgar o problema e dar alternativas, dentro da realidade de cada local. A bicicleta, por exemplo, funciona em trajetos planos. Então, em BH, não seria em todo lugar e seria sempre integrada ao sistema de transporte. Não dá para ela ser a solução da mobilidade urbana, mas pode ser integrada. As iniciativas de atividades físicas em parques e praças precisam ser mais atrativas para a população também. Não dá para ser só aquele tanto de aparelhos, sem manutenção, sem orientação. Isso não têm efeito nenhum.
Planos de saúde nos Estados Unidos, por exemplo, oferecem dinheiro para a pessoa se exercitar. Sai mais barato do que tratá-la depois.%u201D(foto: Humberto Bassanelli/Divulgação)
Planos de saúde nos Estados Unidos, por exemplo, oferecem dinheiro para a pessoa se exercitar. Sai mais barato do que tratá-la depois.%u201D (foto: Humberto Bassanelli/Divulgação)

Vocês foram para a Seul, que é a cidade mais tecnológica do mundo, mas também capital do país mais longevo. Tecnologia não é sinônimo de sedentarismo?


O governo coreano é tão preocupado que eles têm um órgão para prevenção ao vício de tecnologia, para garantir que as pessoas fiquem menos de três horas nos aparelhos eletrônicos fora do trabalho, da escola. No Brasil, o tempo médio é de cinco horas e 40 minutos.  Em Seul, 100% das pessoas têm smartphone e a cada nove meses trocam de aparelho. Mesmo assim eles conseguem ser eficientes nesse combate. Eles fazem programas de benefícios, de incentivo. Aqui, o plano de saúde cobre consultas com nutricionistas, com médicos, mas não cobre academia, não se tem reembolso por um personal, não tem nada credenciado na área de combate ao sedentarismo.

Quais são as principais consequências do sedentarismo?


Diabetes, câncer, doenças cardiovasculares, pressão alta, depressão e problemas de autonomia no final da vida. Na Coreia do Sul, perceberam há muito tempo que as pessoas que caminhavam mais no seu dia a dia viviam mais. Mas também viviam melhor os últimos anos. Lá, o tempo de pouca autonomia no final da vida é de três anos. No Brasil, são 11 anos.

Entre exercitar-se e comer melhor, a atividade física tem mais impacto positivo?  


É melhor ter sobrepeso e ser ativo do que ser um magro sedentário. E mais, o que é comer bem? O único consenso que se tem hoje na alimentação, pesquisando os locais onde as pessoas mais vivem no mundo, é que se deve comer menos. Nos lugares onde se vive mais, a quantidade de calorias consumidas é de 10 a 15% menor do que a média mundial. No mais, o importante é a educação. No projeto de reeducação alimentar que fiz em Jaguariúna [SP], conseguimos diminuir em 27% o consumo de refrigerante na população, por exemplo. A questão é saber escolher: posso comer melhor em rede de fast food do que uma pessoa no restaurante por quilo, se eu tiver informação. O sistema de rotulagem, nesse sentido, é importante, porque obriga a indústria a melhorar a qualidade do produto, cria uma comparação.

Quais as dicas para quem quer efetivamente criar o hábito de se exercitar?


Fiz essa pergunta para uma neurocientista no documentário e ela disse que há dois segredos para o exercício se tornar um hábito: não se preocupar, inicialmente, com intensidade e complexidade da atividade, mas sim com regularidade. É preciso mantê-lo, pelo menos cinco vezes na semana, por três meses. Então, escolha algo que você consiga fazer com essa frequência, sempre no mesmo horário. Pode ser dançar em casa por cerca de 10 minutos depois do trabalho. É pouco tempo, mas se consegue fazer todo dia, pode ser isso mesmo. Com o tempo, evolui. E a segunda maneira é trabalhar no que ela chama de ciclo anseio-recompensa. É se premiar a cada vez que cumpre uma tarefa, com algo que você goste, que te faça feliz. Um passeio de fim de semana… se for comida ou bebida, que seja em porções pequenas! 
 

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