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Estado de Minas DEZ PERGUNTAS | GERSON PACHECO

Diretor do ChildFund Brasil fala sobre a cultura solidária do brasileiro

Ainda segundo ele, Belo Horizonte tem potencial para ser um polo do terceiro setor


postado em 07/06/2019 11:22 / atualizado em 12/06/2019 11:03

O Brasil está entre as 10 maiores economias do mundo. Quando se chega nesse patamar, o mundo não espera que você receba dinheiro. Espera que ajude os outros países%u201D(foto: Uarlem Valerio)
O Brasil está entre as 10 maiores economias do mundo. Quando se chega nesse patamar, o mundo não espera que você receba dinheiro. Espera que ajude os outros países%u201D (foto: Uarlem Valerio)
Depois de 31 anos trabalhando na mesma multinacional, o administrador paulista Gerson Pacheco aposentou-se. Ele, que já atuava em caráter voluntário na ONG ChildFund Brasil, assumiu a direção interina da organização, naquele ano de 2006, para ajudar na busca de novo executivo para o cargo. Apaixonou-se pelo trabalho e está, desde então, à frente da entidade, que tem sede em BH. Segundo Pacheco, de 64 anos, a capital mineira tem localização geográfica privilegiada, a um curto voo de distância das principais cidades, e vocação para ser o hub, a base para formação de rede, no terceiro setor brasileiro. 

Pacheco diz que o número de doadores estrangeiros do ChildFund Brasil (que recebeu, no ano passado, o prêmio de Melhor ONG na categoria Crianças e Adolescentes para se doar no país, pelo Instituto Doar, e está na lista das 100 melhores ONGs para se doar do Brasil) tem diminuído drasticamente devido a um conjunto de motivos, entre eles, o fato de o Brasil estar entre as 10 maiores economias mundiais. “Quando se chega nesse patamar, o mundo não espera que você receba dinheiro. Espera que ajude os outros países”, explica. Por isso, conta, os esforços têm sido no sentido de conseguir mais doadores brasileiros para os projetos da ONG, que atende, hoje, 42 mil crianças. “Temos atualmente quase 8 mil brasileiros padrinhos e 25 mil estrangeiros. Queremos subir para 25 mil brasileiros nos próximos três anos”, afirma. 

1 | ENCONTRO – Por que a sede do ChildFund Brasil é BH?
Gerson Pacheco – Chegamos aqui há 52 anos. A escolha da cidade foi por causa da miséria do Jequitinhonha, do Cariri (CE), e também pelo fato de que BH é um hub, de onde você vai a Brasília em uma hora, a São Paulo em uma hora, Rio de Janeiro em uma hora, que são nossas principais conexões. Tenho dito muito isso, inclusive já conversei com governadores no passado: BH tem vocação de ser o hub do terceiro setor. É um lugar privilegiado nesse sentido e pode ser como é o Panamá para as Américas, Bangkok para o Sudeste Asiático, e Bruxelas para a Europa. BH é o candidato ideal para ser o nosso hub. 

2 | Seria interessante para a cidade investir no terceiro setor?
Este é um setor maravilhoso, de transformação de vida, um segmento grandioso no Brasil. Hoje, são mais de 800 mil organizações, das quais 300 mil muito grandes. Ele movimenta mais de 25 bilhões de reais por ano e é o segmento do futuro. Toda a agenda 2030 da ONU, todos os movimentos socioambientais passam pela integração entre sociedade civil, iniciativa privada e poder público. O poder público não vai resolver o futuro sozinho. É preciso assumir que uma aliança estratégica dos três para fazer acontecer a mudança do mundo, cuidando do socioambiental. Aí, geografias são importantes. E BH é uma joia da coroa, nesse sentido. Por isso, o ChildFund está aqui.

3 | O brasileiro tem a cultura de solidariedade, de contribuição para causas sociais?
Acho que temos de analisar diferentes componentes. Se o brasileiro é solidário? Sim. Em qualquer movimento que precise de água, ou o que for, em um lugar que passou por uma tragédia, ninguém é tão empenhado como o brasileiro. Ele sai na rua no mesmo dia, na mesma hora, para se mobilizar. Mas também é preciso um comprometimento de longo prazo. 

4 | Então falta transformar a atitude imediata em algo incorporado à vida da pessoa? 
Além da solidariedade, que leva a agir pontualmente, existe outro componente, que é a compaixão. É preciso entender que 20% dos 5.565 municípios brasileiros estão em condição de pobreza, e 33% desses na extrema pobreza. São 2,4 milhões de crianças. Nesses locais, a mortalidade infantil é quatro vezes maior do que a média nacional. É acima de 40/1.000. Nascer nesses lugares, hoje, significa ter quatro vezes mais chance de morrer ainda criança. E aí entra a compaixão. Porque, na solidariedade, você faz alguma coisa pontual. Na compaixão, você fala, faz algumas iniciativas. E na íntima compaixão você se move, age, faz parte da transformação. E é o que o ChildFund convoca a fazer. Não consegue ir ao lugar? Apadrinhe uma criança. Realize a íntima compaixão. 

5 | As contribuições de fora do país estão caindo muito. Por quê?
Nós já tivemos 100 mil padrinhos estrangeiros. Hoje, temos 25 mil. E vamos para 2 ou 3 mil nos próximos anos. Isso porque o Brasil está entre as 10 maiores economias do mundo. Quando se chega nesse patamar, o mundo não espera que você receba dinheiro. Espera que ajude outros países. Em segundo lugar, vendemos para o mundo discursos sobre nossa situação. O “Brasil Sem Miséria” era a solução. Ora, temos mais de 2 milhões de crianças em extrema pobreza. E o que era dito na abertura da ONU? Que superamos a miséria. Foram 10 anos de discurso nesse sentido. Em terceiro lugar, somos um país com muita corrupção. E quarto: nós demos muitas benesses para outras nações, milhões em renúncias de dívidas a outros países. Se demos renúncias, não estamos precisando de dinheiro. É como o mundo nos vê.

6 | Qual é a situação com que estamos lidando, em termos de pobreza? 
Vou dar um indicador que pode nos ajudar a entender onde está a pobreza e a riqueza do país. É o Inteligência de Indicadores Sociais (IIS), desenvolvido pelo ChildFund Brasil em parceria com a PUC Minas. Nele, são comparados 11 índices, entre os quais números do IBGE, Ipea e Inep. A média dos municípios brasileiros, nesse indicador, é de 0,59. Os 371 municípios mais ricos têm nota 0,87. Os que estão na extrema pobreza têm nota 0,21. A cada 20 pontos, considera-se um abismo. Então, entre os mais ricos e os mais pobres, temos três abismos. Isso é algo que nos coloca entre os países mais desiguais do mundo. 

7 | Há muitas causas para as quais se pode doar, muitas até sendo divulgadas nas redes sociais. Como saber se a causa é verídica, se a instituição é confiável?
Sugiro optar por doar para projetos que unam transparência, tradição e indicadores. Deve-se pesquisar qual a história e como surgiu a instituição, avaliar se ela expõe os números e resultados com transparência; analisar se os trabalhos empreendidos realmente têm impacto e transformam a realidade a que se dispõem atender. Outro ponto é a praticidade de efetuar a doação e clareza nas informações de pagamento. Por fim, segurança em transações financeiras: é necessário que a organização disponha de mecanismos de segurança para inclusão de dados de cartão de crédito, por exemplo.

8 | Como o senhor entrou no ChildFund Brasil?
Tive dois momentos na organização. No começo da década de 1990, eu trabalhava em uma multinacional, e o ChildFund, que é uma organização americana, estava precisando de proximidade com os controles americanos. Eu fui chamado para fazer parte da assembleia, trabalhando como voluntário na área de controladoria internacional e brasileira. Fiquei quase 15 anos, até 2006. Naquele ano, eu me aposentei, após 31 anos na Xerox. Foi quando me tornei diretor nacional do ChildFund. 

9 | O que o levou a assumir a direção após ter se aposentado da carreira de executivo?
O diretor anterior do ChildFund saiu e eu fiquei interino para ajudar uma empresa de headhunting a encontrar um novo diretor. Mas descobri, nesse tempo, que eu podia deixar um legado diferente na minha vida. Eu havia deixado alguns legados na área de tecnologia: trabalhei na primeira central de atendimento brasileira, fiz a implantação de uma primeira loja virtual integrada. Tinha feito coisas importantes e pensava que com esse legado estava confortável. Mas eu não tinha feito o que uma pessoa tem de fazer, que é transformar vidas de pessoas na extrema pobreza. 

10 | Então não era exatamente o que o senhor tinha planejado para a aposentadoria?
Não. Eu planejava ir embora do país, pois tenho filhas e netos que moram fora. Mas decidi ser um executivo na transformação social sustentável. E foi a melhor decisão que tomei. Tenho oito netos. Minha netinha de 13 anos, quando perguntada na escola sobre o que gostaria de fazer quando crescer, disse que queria fazer o que seu avô faz: cuidar de vidas. E é isso o que quero provocar nas pessoas, e de todas as idades. Existe um trabalho revolucionário a ser feito: transformar socialmente a extrema pobreza. z

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