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Estado de Minas POLÍTICA

'Tem deputado que banca até personal trainer com dinheiro público'

Estreante na política, deputado mineiro Tiago Mitraud (Novo) explica por que a Câmara Federal não é tão produtiva como deveria. Ele dispensou diversos auxílios e diz que usa o carro dos pais para viajar pelo interior do estado


postado em 21/10/2019 01:56 / atualizado em 22/10/2019 16:44

(foto: Violeta Andrada/Encontro)
(foto: Violeta Andrada/Encontro)
O deputado federal Tiago Mitraud (Novo) chegou à redação de Encontro usando um desses aplicativos de motorista. Seguindo a principal bandeira de seu partido, o rapaz foi um dos parlamentares que recusaram os famosos auxílios, como mudança, moradia, reembolso de despesa médica ilimitada e apartamento funcional. "Uso carro dos meus pais e o plano de saúde da minha família, já que ainda não tenho a minha", diz. "Se eu tiver de me deslocar de jatinho para ir em algum evento, prefiro me desculpar e não comparecer do que gastar de 20 a 30 mil reais", afirmou. Defensor inveterado do liberalismo, ele afirma que as velhas - e más - práticas da política continuam imperando pelos lados do Congresso. Ele se diz, contudo, surpreso por encontrar muitos parlamentares dispostos a mudar. A Encontro, Tiago falou sobre os 10 primeiros meses de mandato e os governos Bolsonaro e Zema, além da economia que têm feito na administração de seu gabinete.

  • Quem é: Tiago Lima Mitraud de Castro Leite, 33 anos

  • Origem: Brasília (DF)

  • Formação: Formado em administração de empresas pela Universidade Federal do Paraná

  • Carreira: Deputado federal por Minas Gerais, eleito em 2018. Foi presidente da Confederação Brasileira de Empresas Juniores e CEO da Fundação Estudar. Participou do Programa de Desenvolvimento de Lideranças da Harvard Business School. Membro do Renova BR, projeto de formação de políticos e da Raps, Rede de Ação Política pela Sustentabilidade

ENCONTRO - Você foi eleito com a bandeira da economia de gastos e de recusar mordomias. Como tem sido a batalha de disseminar essa ideia na Câmara Federal?

TIAGO MITRAUD - Não ficamos o tempo inteiro em um embate com os outros deputados, até porque vamos conviver durante quatro anos com eles. Nosso objetivo é mostrar para o eleitor que dá para fazer um bom mandato gastando menos. Portanto, quem vai convencer os deputados são os próprios eleitores. Não só os deputados do Novo, mas outros parlamentares também estão adotando essa bandeira. A Câmara está gastando menos 100 milhões de reais de cota parlamentar, se compararmos com o mesmo período do ano passado. O deputado Hercílio Araújo (MDB), de Governador Valadares (MG), e Paula Belmonte (Cidadania), do Distrito Federal, por exemplo, não gastam os recursos da cota parlamentar. Depois deles, sou o que menos gasta na Câmara Federal.

Como você tem reduzido esses gastos?

Podemos contratar até 25 funcionários, gastando o total de 110 mil reais por mês. É possível contratar motorista e até personal trainer, como muito deputado por aí faz. Eu não tenho motorista. Uso aplicativos. Tenho seis pessoas trabalhando comigo. Agora, estou abrindo mais duas vagas. Mesmo assim, vai ficar bem abaixo do meu compromisso de campanha, que era o de contratar a metade do que se prevê. Estou gastando cerca de 30 a 40 mil reais do total de 110 mil reais, disponíveis. Alugo um apartamento com o meu salário. O plano de saúde é o da minha família, enquanto não tenho a minha.

Há ainda a cota parlamentar...

Sim. É um reforço para as despesas de manutenção do gabinete. Os deputados mineiros têm até 36 mil reais por mês para gastar, praticamente, com o que quiserem. E eu tenho gastado menos de 5% disso, ou seja, cerca de 1,5 mil por mês. Quando estou em BH e vou para o interior, uso o carro dos meus pais. Se eu tiver de me deslocar de jatinho para ir a algum evento, prefiro me desculpar e não comparecer do que gastar 20 a 30 mil reais. Há deputados, no entanto, que fazem questão de gastar tudo, até os centavos. Você tem ainda os auxílios mudança, moradia, reembolso de despesa médica ilimitada e apartamento funcional. Não uso nada disso. Tem gente que acha que virou deputado e tem de ser tratado com regalias.



Nesses primeiros meses em Brasília teve algo que o surpreendeu positivamente?

Os servidores da Casa são muito qualificados, sendo que muitos têm a cabeça do nosso partido. Fiquei surpreso também de saber que há muitos deputados com a mentalidade reformista, de mudar as práticas, inclusive, gente que está lá há mais tempo. Muitos ainda, infelizmente, são reféns das velhas práticas de se fazer política, mas têm vontade de mudar.

Quais seriam essas "velhas práticas"?

Ter um grupo de prefeitos a quem você direciona suas emendas parlamentares, em troca de apoio na eleição. É o velho "eu te dou voto e você me dá emenda". Muita gente faz isso e depois reclama dos prefeitos que ficam atazanando, querendo dinheiro. Viram espécies de despachantes de prefeitos. Mas, foi o acordo que eles fizeram e vão ter de arcar com as consequências.

E há algo que o tenha surpreendido negativamente?

O poder do presidente da Casa é muito alto. Além disso, o regimento interno e o rito do trânsito legislativo são um inferno. É tudo muito travado. Há partidos pequenos, como o Novo e o Psol, que conseguem travar a pauta por quatro horas. Usamos isso apenas uma vez durante a discussão da Lei dos Partidos, porque era uma pauta relâmpago, que surgiu do nada. O Senado aprovou em um dia e no dia seguinte já estava na Câmara, sem passar pela reunião de líderes. Aí, nós nos sentimos no direito de obstruir a pauta, mas fomos vencidos do mesmo jeito. Mas, há quem obstrua uma pauta inteira por causa de projetos que já tramitaram em comissões e já passaram por outras discussões, como foi o caso da votação da reforma da previdência. As regras internas de funcionamento da Câmara Precisam mudar para ela ser mais produtiva.

Não tem votação todo dia, certo?

Só funciona na terça e quarta-feira. Na segunda e sexta-feira não há sessões. Aliás, na quinta-feira, há uma sessão meio fake, à qual ninguém vai. E, quando há votação, noto que há deputados que não votam de acordo com a sua ideologia, e sim com seus nacos de poder.

Tiago Mitraud, deputado federal pelo partido Novo:
Tiago Mitraud, deputado federal pelo partido Novo: "Muitos deputados não votam de acordo com a sua ideologia, e sim com os seus nacos de poder" (foto: Violeta Andrada/Encontro)
Você foi um dos parlamentares mais combativos contra as alterações do Fundo Partidário...

Os recursos do fundo não podem ser distribuídos e nem devolvidos, ou seja, no fim deste ano, se for sancionado pelo presidente Bolsonaro, o partido Novo terá 30 milhões de reais rendendo na sua conta. No final da legislatura, serão 100 milhões de reais, sem que esse valor possa ser retribuído para a população. Com o dinheiro do Fundo será possível ainda comprar imóvel, alugar jatinho, pagar advogado de candidatos e ex-candidatos. E ainda pagar a multa por mau uso do próprio fundo partidário. É um absurdo.

Houve um episódio na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (Ctasp), em que você distribuiu livros do pensador francês Frédéric Bastiat (A Lei), como resposta a alguns colegas que disseram que você "tinha de estudar mais" e que era "muito jovem ainda". Sofre algum tipo de preconceito por causa da idade?

No primeiro semestre sofri mais ataques, mas depois desse episódio a coisa mudou. Já tenho 33 anos, e existem muitos outros parlamentares mais novos do que eu. Talvez, eu tenha cara de mais novo. Essa comissão é, historicamente, dominada pelos partidos de esquerda. Eles faziam a festa lá dentro e aprovavam tudo. Só que a coisa começou a mudar, quando eu e os deputados Kim Kataguiri (DEM) e Lucas Gonzalez (Novo) chegamos. A partir daí, outros parlamentares com viés liberal começaram a participar da comissão. Chegaram a nos apelidar de "Os Três Mosqueteiros da Ctasp". Depois de tanto me mandarem ler Marx, distribuí livros do Bastiat. Este pensador diz que a lei deve servir apenas para proteger a vida, a propriedade e a liberdade do indivíduo. E o que fazemos é criar leis que restringem a liberdade dos outros. Mostrei aos colegas que estudei, mas em livros diferentes dos deles.

O Novo ainda é um partido pequeno. Dá para defender essas ideias ou é como dar murro em ponta de faca?

O que defendemos é compartilhado por alguns nomes importantes do governo Bolsonaro, como o ministro da Economia, Paulo Guedes, e Salim Mattar. Quando o governo está à frente dos projetos e entramos junto, como foi na votação da Previdência, fica mais fácil conseguir fazer as ideias avançarem.

E como você avalia o governo Bolsonaro?

É um governo com várias faces e que constantemente se contradiz. Acho que, em muitos casos, transmite pouca confiança. Tem um grupo de ministros muito bom, formado por Paulo Guedes (Economia), Sérgio Moro (Justiça) e Tarcísio Gomes (Infraestrutura). Por outro lado, há um grupo de ministros polêmicos, como Abraham Weintraub, da Educação; Ricardo Salles, do Meio Ambiente; e Ernesto Araújo, das Relações Exteriores. Eles elevaram o tom e entraram em embates ideológicos, o que, a meu ver, não são papéis de ministro. Eles representam a população inteira e não podem ter essa postura divisionista, de nós contra eles. Estão fazendo o que sempre criticamos no Lula e no PT. Ainda tem o presidente Bolsonaro, que não ajuda. Hoje, o principal entrave do governo Bolsonaro é o próprio presidente e alguns de seus ministros.

Que perspectiva você tem para o país nos próximos meses?

Na questão econômica, vamos avançar em ritmo mais lento do que gostaríamos. Já aprovamos a reforma da Previdência, na Câmara, e a reforma Tributária está caminhando e deve ser votada no próximo ano. Vemos também medidas de abertura de mercado, privatizações, além da reforma administrativa que está para ser enviada pelo governo. O país foi destruído, sobretudo, no segundo mandato de Dilma. Portanto, para reconstruir é mais lento. Sobre a relação da política com a sociedade, vejo alguns retrocessos, como o abuso de autoridade e o tamanho do Fundo Eleitoral para o próximo ano, que tem chance de aumentar. Estamos perdendo também ao enfraquecer algumas de nossas instituições. Alguns órgãos estão sofrendo intervenções como nunca antes. E, na parte social, não vejo muitos avanços, porque ela está atrelada à retomada da economia e do emprego.

"Hoje, o principal entrave do governo Bolsonaro é o próprio presidente e alguns de seus ministros" (foto: Violeta Andrada/Encontro)
Você tem acompanhado o governo Zema? Como avalia os primeiros meses do Novo no comando do estado?

O dia a dia não dá para acompanhar. Nós, do Novo, até brincamos, dizendo que "cada macaco no seu galho". É o que não acontece em outros partidos, onde há deputados que viram secretários do governador. Entretanto, até como mineiro e partidário do Novo, tenho interesse no andamento do governo Zema. E vejo que está indo bem melhor do que se imaginava, dadas as condições financeiras do estado. O governo anterior deixou, só em contas a pagar, 34 bilhões de reais. A situação financeira era a pior possível, mas o governador Zema conseguiu avanços importantes. Nos primeiros sete meses de seu mandato, foi a primeira vez em oito anos que o estado arrecadou mais recursos do que gastou. Fomos ainda o segundo estado que mais abriu vagas de emprego neste ano. Ele está fazendo uma economia muito grande, aprovou a reforma administrativa e está em vias de tramitar o regime de recuperação fiscal do estado.

Você é o deputado mais bem avaliado pelo site politicos.org.br. O que isso significa?

É bacana ver que o nosso trabalho está sendo reconhecido. Isso mostra às pessoas que políticos não são todos iguais. As pessoas questionavam se o Novo continuaria sendo mesmo liberal. Isso mostra que somos coerentes. Continuamos com o mesmo propósito da campanha e combatendo também os privilégios e abusos de poder.

Já tem planos para quando terminar o mandato?

Meu único horizonte é dezembro de 2022. Não vou participar de eleição no ano que vem, pois o Novo não permite. Não sei o que vou fazer nas eleições de 2022 também. Estou mais focado em fazer o trabalho que, temos de fazer. Não sou um ser da política. Entrei nessa pelas circunstâncias que o Brasil enfrentava. Trabalho muito melhor na parte de execução de projetos do que no legislativo. Mas acho também importante ter alguém com o meu perfil lá dentro.

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