
É natural, portanto, que o episódio tenha deixado alguns consumidores apreensivos, questionando se haveria o risco de o caso se repetir com rótulos de outras cervejarias artesanais. Por causa disso, fábricas mineiras correram para se posicionar e tranquilizar os amantes da união de água, malte e lúpulo. Não, não há chances de o episódio de contaminação se repetir em outras cervejarias. Segundo a Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), de 200 fábricas contatadas, no Brasil inteiro, apenas 1,5% informou usar o monoetilenoglicol - substância com grau de toxicidade menor que o dietilenoglicol, que teria causado as mortes. Esses compostos químicos podem ser usados para resfriar o mosto, que é a cerveja antes de ser fermentada. A rigor esses produtos não entram em contato com a bebida. A grande maioria das empresas usa no processo de resfriamento álcool, propilenoglicol e outros compostos considerados "alimentícios". Ainda que entrassem em contato com a bebida, não causariam prejuízos à saúde humana. O Sindicato das Indústrias de Cerveja e Bebidas em Geral do estado de Minas Gerais (SindBebidas-MG), alinhado com a Abracerva, solicitou ao Ministério da Agricultura o banimento do monoetilenoglicol e dietilenoglicol do processo de produção da bebida. A reivindicação ainda está sendo estudada pela pasta.
Presidente da Abracerva, Carlo Lapolli reafirma que o caso foi preocupante, porém, isolado. "E o mercado está entendendo isso. Não registramos queda nas vendas e o consumidor vai continuar impulsionando esse crescimento", afirma. A reportagem de Encontro entrou em contato com alguns bares e distribuidoras da cidade que comercializam rótulos de cervejas artesanais. Apesar do baque inicial, nenhum constata impacto negativo nas vendas atualmente. "Nossos números continuam imutáveis. Os clientes perguntam sobre o caso da Backer, mas não deixam de consumir outros rótulos", diz Lucas Zacharias, sócio do Bar Protótipo, em Santa Tereza. De acordo com ele, o estabelecimento vende cerca de 3 mil litros por mês de mais de 60 rótulos de cervejas artesanais.

O austríaco Herwig Gangl, sócio-fundador da Krug Bier, uma das precursoras do setor no estado, afirma que o mercado cervejeiro artesanal ainda tem muito o que crescer. "Agora, nosso papel é mostrar para o consumidor que a cerveja continua sendo uma bebida segura, o que é constatado nos últimos 8 mil anos", diz ele, que abriu a Krug em 1997. Atualmente, a cervejaria com sede no Jardim Canadá é a que registra maior capacidade de produção: 400 mil litros por mês - a Backer produzia 800 mil litros por mês, mas teve a fabricação paralisada. A média atual da Krug foi fruto da última expansão pela qual a fábrica passou e que consumiu pelo menos 3 milhões de reais. A empresa, inclusive, foi a primeira cervejaria a fincar bandeira no bairro de Nova Lima, em 2005. Antes, a bebida era produzida em um galpão no Belvedere, que acabou ficando pequeno. "Nossa rua era de terra ainda", lembra Alexandre Bruzzi, sócio na cervejaria, sobre o cenário que encontraram no Jardim Canadá. De lá para cá, o bairro virou Polo Cervejeiro, com pelo menos 17 fábricas. Agora, a meta da Krug é escancarar as portas de seu galpão para os clientes. "Vamos promover uma experiência diferente para os nossos consumidores", afirma Alexandre, preocupado em oferecer maior transparência para os fãs.

Marcas tradicionais ampliam a quantidade de estilos produzidos. Em 2018, o Albanos, por exemplo, escreveu um novo capítulo em sua história. De casa que fazia apenas o chope Pilsen (estilo mais consumido no país), a empresa de Rodrigo Ferraz foi transformada em plataforma cervejeira. Agora, além de saborear pelo menos sete tipos diferentes da bebida, no endereço da Pium-í, no Sion, os clientes têm a oportunidade de mergulhar no universo da cerveja. "A Plataforma Albanos veio para fortalecer a cultura cervejeira. Oferecemos fábrica, bares, cursos, expedições cervejeiras e conteúdos sobre o assunto", diz Rodrigo. Com a novidade, a empresa experimentou em 2018 crescimento de 50% na produção. Este ano, o Albanos deve expandir a distribuição dos rótulos em supermercados, inclusive em estados como Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e no Distrito Federal.

Como a Küd, é comum que muitas marcas nasçam de maneira despretensiosa. Foi o caso da Capapreta criada em 2013 por Lucas Godinho. As primeiras brassagens (nome dado à mistura dos ingredientes para produzir a cerveja) realizadas no sítio da família em Nova Lima rendiam 200 litros por mês. Mas a coisa ficou séria. Lucas viu que poderia participar de um mercado em franco crescimento. E assim fez. Hoje, a cervejaria é uma das que mais crescem no estado. A produção mensal gira em torno de 30 mil litros. Até o meio deste ano deve ser concluído um investimento de 1,5 milhão de reais em novos processos, equipamentos e inovação. O incremento deve aumentar a produção para 50 mil litros por mês. A marca tem uma peculiaridade. Lucas e seus sócios fizeram da cervejaria a primeira do estado a migrar 100% para as latas. Além disso, possuem bares - os chamados tap houses - não apenas na região de BH e Nova Lima, mas no Rio de Janeiro e em São Paulo. "BH é um polo pulsante, e a artesanal tem ganhado acessibilidade. Há três ou quatro anos, era item de luxo, com acesso difícil. Hoje não mais. O mercado continua crescendo", diz Lucas.

O caso Backer

Há pouco mais de um mês explodiu a história da cerveja contaminada com a substância tóxica. De lá para cá, sua vida virou do avesso. Como tem sido essa nova rotina e o que tem feito para aguentar toda essa pressão?
Nossa especialidade sempre foi produzir e comercializar cerveja, mas agora estamos nos adaptando para atender a todas as exigências das autoridades. Além disso estamos trabalhando para trazer respostas aos nossos clientes e garantir a segurança dos nossos processos e a qualidade dos nossos produtos. Não tem sido fácil, mas nossa força vem do desejo de zelar pelo bem estar dos consumidores, que sempre foram nossos maiores parceiros.
Conhecendo a fábrica e todos os processos de produção profundamente, você já conseguiu imaginar como o dietilenoglicol foi para dentro das garrafas de cerveja? Algumas das hipóteses levantadas te traz alguma luz para o mistério?
Neste momento, não descartamos nenhuma hipótese. Somos os principais interessados no esclarecimento dos fatos, uma vez que o dietilienoglicol não faz parte de nenhum de nossos processos e nunca adquirimos essa substância. Por isso esperamos que as investigações encontrem respostas o quanto antes. Inclusive, contratamos uma perícia particular para realizar testes complementares e contribuir com o trabalho das autoridades.
Sobre os clientes infectados com a substância, você diz estar envolvida no momento em conversar com eles. Essas visitas aconteceram? Como foi recebida? Você chegou a ir até os hospitais também?
Conheci pessoalmente alguns dos pacientes com suspeita de intoxicação e fui extremamente bem recebida. Estamos nos organizando para acolher essas pessoas da melhor forma possível. Minha intenção é realizar mais visitas. Mas, para que eu tenha acesso a esses atingidos, é importante que eles entrem em contato por meio dos canais que divulgamos, uma vez que seus dados são confidenciais.
A Backer tinha muitos planos para 2020. No final do ano vocês abriram o bar de gim no Templo Cervejeiro e também há um restaurante pronto para ser aberto no BH Shopping. Algum projeto importante ou plano de expansão será freado para este ano?
Nos últimos dois anos vivenciamos um crescimento de 50%. Tínhamos, sim, e ainda temos, grandes planos para este ano. Nosso foco é encontrar as respostas e voltar a produzir o mais rápido possível em resposta aos nossos consumidores, parceiros e pessoas que nos cobram isso. O apoio dos nossos clientes e parceiros é o que tem nos dado forças neste momento. Descobrir que construímos um legado positivo, que somos uma marca forte e com grandes valores é gratificante, ainda que em momento tão delicado.
Você diz que ainda tem grandes planos para este ano. Quais seriam eles? Você tem plena convicção de que a companhia voltará a operar?
Sim. Nosso objetivo é retomar as atividades assim que tivermos a certeza de que está tudo correto e seguro em nossos processos e produtos. Nesse momento buscamos respostas e contamos com as investigações para que tudo seja explicado o quanto antes. A Backer é a principal interessada na resolução desse episódio.
Qual foi o pior momento nesses pouco mais de 30 dias?
Todos os momentos estão sendo muito difíceis para toda a família Backer. A ausência de respostas é muito frustrante para todos. Queremos encontrá-las o quanto antes para falar com nossos consumidores e para voltarmos a oferecer para eles as nossas cervejas, com toda a qualidade que sempre primamos. Enquanto isso, seguimos colaborando com as autoridades e fazendo tudo o que está ao nosso alcance e nos é permitido fazer.
Conheça as principais cervejarias artesanais mineiras:
Albanos
- Fundada em 1996, como choperia
- Produção atual: 150 a 200 mil litros/mês
- Planos futuros: ampliação da distribuição das cervejas em supermercados de BH e outras cidades, além de outros estados como Espirito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e o Distrito Federal
Krug Bier
- Fundada em 1997
- Produção atual: 400 mil litros/mês
- Planos futuros: Os proprietários estão finalizando a expansão da fábrica e pretendem abri-la para visitação
Prussia
- Fundada em 2014
- Produção atual: 11,5 mil litros/mês
- Planos futuros: após finalizar a expansão da fábrica, a empresa terá capacidade de produzir 77 mil litros/mês. Os proprietários pretendem investir em cervejas enlatadas ainda este ano e participar da produção de cervejas coletivas
Artesamalt
- Fundada em 2006
- Produção atual: 60 mil litros/mês, dos quais 30% de cerveja própria
- Planos futuros: incrementar a distribuição do gim lançado no ano passado. Em 2019, a marca incorporou uma destilaria no parque de produção
Falke
- Fundada em 2004
- Produção atual: 35 mil litros/mês
- Planos futuros: Os sócios pretendem ampliar a produção para 60 mil litros/mês até o fim do ano
Küd
- Fundada em 2010
- Produção atual: 30 mil litros/mês
- Planos futuros: levar os clientes para a fábrica, por meio de produções assistidas. Os sócios também pretendem relançar estilos sazonais
Capapreta
- Fundada em 2013
- Produção atual: 30 mil litros/mês
- Planos futuros: ainda em 2020, concluem um investimento de cerca de 1,5 milhão de reais, iniciado no ano passado, destinado a inovação, novos processos, novos equipamentos e incremento de volume para chegarem em 50 mil litros por mês
Sátira
- Fundada em 2015
- Produção atual: 35 mil litros/mês
- Planos futuros: os proprietários devem dobrar a produção até o final de 2020, lançar projeto de franquias, expandir as vendas para São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Goiás, além de abrir duas novas Casas Sátira na Região Metropolitana de BH
Verace
- Fundada em 2016
- Produção atual: 80 mil litros/mês
- Planos futuros: os sócios preparam-se para o terceiro projeto de expansão, a ser realizado em 2021, quando a capacidade de adega chegará a 120 mil litros/mês