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Estado de Minas ENTREVISTA

Leônidas Oliveira fala sobre futuro do turismo e cultura em Minas Gerais

Para novo secretário estadual, fato de ficarmos momentaneamente voltados 'para o nosso quintal' pode impulsionar a economia local


postado em 10/06/2020 17:14 / atualizado em 17/06/2020 15:24

Leônidas Oliveira:
Leônidas Oliveira: "É muito importante buscar parceiros, seja nos municípios seja no governo federal ou no empresariado. Precisamos entender que se não unirmos forças não vamos conseguir passar por essa crise" (foto: Arquivo pessoal)

Quando concedeu esta entrevista a Encontro, poucos dias depois de assumir a Secretaria de Cultura e Turismo de Minas Gerais, o arquiteto e urbanista Leônidas Oliveira se emocionou. Ao lembrar da música Pátria Minas, de Marcus Viana, que começa com a declaração “Pátria é o fundo do meu quintal / É Broa de Milho / E o gosto de um bom café”, sua voz chegou a ficar embargada. “Acho que nunca ouvi essa música sem ter chorado”, conta. E a canção que exalta as maravilhas mineiras nunca esteve tão atual. Afinal, o isolamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus fez com que os mineiros olhassem ainda mais para as belezas de seu estado, ainda que da janela de suas casas. “Nesse momento primoroso em que estamos todos no fundinho do nosso quintal, lembro que o quintal é o nosso mundo, onde nos sentimos mais protegidos, como disse Mário Quintana”, afirma Leônidas.

 

Depois de passar pela Belotur e pela Fundação Municipal de Cultura - onde foi responsável pela campanha vitoriosa para que o conjunto arquitetônico da Pampulha recebesse da Unesco o título de Patrimônio Cultural da Humanidade -, pela Empresa Brasileira de Turismo (Embratur) e pela Fundação Nacional de Artes (Funarte), esse mineiro de São Gotardo chega ao governo de Romeu Zema (Novo) ciente de que o turismo e a cultura locais devem ser fortemente impactados no pós-pandemia. E esse impacto tem tudo para ser positivo. Especialistas concordam que o primeiro turismo a se reerguer quando o isolamento for relaxado deve ser o local. Viagens de avião e, principalmente, para o exterior ficarão mais restritas. Fazer com que Minas esteja no radar dos brasileiros, principalmente os que moram em estados próximos, é um dos desafios de Leônidas. “Minas conquista pelo brando, pelo leve... Aproveito para fazer esse chamamento: que as pessoas despertem para esse amor à pátria.” Como diz a canção que costuma arrancar lágrimas do novo secretário: “Se o mundo é grande demais / Sou carro de boi / Sou canção e paz / Sou caminho entre a terra e o céu / Sou Minas Gerais”.

 

Encontro - No governo municipal, você já trabalhou na Belotur e na Fundação Municipal de Cultura. No governo federal, na Embratur e depois na Funarte. Como essa experiência pode ajudar Minas Gerais?

 

Leônidas Oliveira - Uma frase me acompanha há muitos anos é “Faça uso e serás mestre”. Ou seja: treina naquilo que quer fazer para ficar bom. Ao aprender fazendo, você adquire experiência. Desde o início da minha carreira eu desejava trabalhar nas três esferas. Quando estava na Fundação Municipal de Cultura eu me ressentia de saber como Brasília funcionava. Era uma realidade muito distante. Queria ter um contato mais próximo com o governo federal, que é onde está a maior parte dos recursos. A experiência na Embratur me deu também uma visão internacional do turismo. E a Funarte... bem, a Funarte é um sonho. Sempre tive muita admiração pela Funarte, sobretudo em como ela é desburocratizada em relação ao fomento. Seus editais, claros e diretos, conseguem atingir uma diversidade muito grande de pessoas em todo o território nacional. Essa experiência vai me ajudar a aprimorar os editais de fomento que temos, para dar acesso a pessoas que não tem condições de fazer um projeto tão claro quanto o de alguém que já está inserido no mercado. Já o município tinha me dado outra visão, principalmente na gestão do Márcio Lacerda, que foi o entendimento aprofundado da cultura como vetor de desenvolvimento econômico. E também de trabalhar com um modelo de gestão de metas e resultados. Perseguir metas é muito importante e isso precisa evoluir no governo federal. No município, tínhamos 40 metas. Conseguimos cumprir 39.

 

A pandemia impactou muito essas duas áreas, o turismo e a cultura. Como está sendo viver esse choque. O agravamento da crise econômica pode prejudicar ações de fomento?

 

Já é um problema. Em apenas um mês a arrecadação em Minas sofreu queda de 1 bilhão de reais. Se a gente entender que o Estado está passando por um processo de recuperação, é um momento difícil. Mas não só aqui. Todas as instâncias de governo estão sofrendo. Além de ser um momento que exige muitos gastos do Poder Executivo. Mas acho que no meio desse contexto todo, resta para nós pensarmos na solução. O turismo é fonte de renda. Minas tem 70% de seu turismo voltado para a cultura. É muito importante buscar parceiros, seja nos municípios seja no governo federal ou no empresariado. Precisamos entender que se não unirmos forças não vamos conseguir passar por essa crise. 

 

A dificuldade ou mesmo um possível temor inicial de se fazer viagens longas pode beneficiar o turismo local?

 

Com o fim da pandemia teremos primeiro um deslocamento local. Assim que a pessoa puder sair de sua casa ela vai a um museu, praça, visitar os lugares bonitos da cidade. Na sequência entra o turismo regional. As pessoas vão visitar os amigos e lugares próximos. Temos de nos preparar de forma diferenciada. A diretriz agora é criarmos condições de segurança para receber os turistas, para que as pessoas se sintam tranquilas ao se hospedarem nos hotéis. Não adianta pensar em promover Minas Gerais no exterior. Isso até está em nosso planejamento, mas o foco nesse momento tem de ser no entorno. Precisamos de uma promoção específica para os estados lindeiros. O primeiro turismo deve ser feito de carro, já que entrar em um avião, nesse momento, será mais complicado. 

 

Os números mostram que Minas está sendo um exemplo no combate ao coronavírus, isso pode ajudar o estado no futuro?

 

Com absoluta certeza. Minas e os mineiros têm feito um trabalho brilhante. Mineiro é um povo disciplinado e já começa a se desenhar uma aura de segurança em Minas Gerais. Isso, aliado a uma boa promoção de nosso estado, vai dar muitos resultados. É o que me motiva a estar nesse lugar nesse momento. Precisamos disseminar uma onda de motivação. Nada melhor que o turismo e a cultura para elevar a alma. As pessoas precisarão visitar lugares interessantes e bonitos, ter contato com a história, com a natureza. E é isso que mais temos aqui em Minas.

 

E com risco das aglomerações, como fica a cultura?

 

No mundo afora, estamos observando que museus já abriram, mas com protocolos rígidos de segurança. Shows, claro, não podem acontecer por enquanto. Mas mais adiante podem voltar. Há ainda a possibilidade de as pessoas assistirem a alguma programação cultural de dentro de seus carros.

 

Muitos artistas descobriram a possibilidade das lives. Esse pode ser um caminho?

 

Há aí uma mudança de paradigma. Sabíamos que o mundo seria muito on-line, mas pandemia foi um choque. No começo os artistas ficaram meio perdidos. Agora, estão entrando nesse novo mundo. Vamos ver qual o papel do fomento para ajudar os artistas a se reerguerem. Acima de tudo está a criatividade. É com esse espírito que assumo a secretaria. Quero que minha equipe seja bem livre para dar sugestões, para deixar a criatividade aflorar. Para tudo há saída. Ainda mais nesse mundo tecnológico que veio para ficar.

 

O turismo de negócios também deve ser muito afetado...

 

Muitas empresas estão descobrindo que pode ser mais rápido e mais barato interagir em uma live do que se encontrar presencialmente. Isso certamente vai afetar as viagens de negócios, um segmento muito importante, por exemplo, para Belo Horizonte. Ainda estamos observando esse contexto para entendê-lo melhor. 

 

Quando falamos em turismo, como Minas Gerais é visto em âmbito nacional? O que é subaproveitado por aqui?

 

Hoje, há um olhar muito mais amplo sobre o estado porque o ministério está nas mãos de um mineiro (Marcelo Álvaro Antônio, deputado federal mais votado do estado nas últimas eleições). A equipe que está lá é de Minas. O estado é visto pelo Brasil como extremamente cultural e essa cultura é vinculada ao patrimônio histórico. Temos mais de 100 cidades tombadas. Quase 80% do patrimônio brasileiro está em Minas Gerais. E se a gente levar em conta que em alguns países da Europa 60% do PIB vem do turismo cultural, imagina o campo fértil que temos no Brasil.

 

Ainda mais nesse momento em que pode haver uma procura pela volta às origens?

 

Há esse desejo da sociedade. Como dizia Gaudí (o arquiteto espanhol Antoni Gaudí), para ser original basta voltar às origens. Então, não precisamos inventar a roda. Minas inventa sua roda há 300 anos. Temos o maior patrimônio barroco do mundo. Nossa música é maravilhosa. Imagina como as músicas no Clube da Esquina conversam com as nossas montanhas e o jeito de ser mineiro. Minas conquista pelo brando, pelo leve. E a cultura é muito leve. Aproveito para fazer esse chamamento: que as pessoas despertem para esse amor à pátria. Pátria e patrimônio têm a mesma raiz. Aquela música tão linda do Marcus Viana, Pátria Minas, que eu nunca ouvi sem ter chorado, mostra isso. O que é a “pátria Minas”? É o cerrado, o Triângulo, Itabira, Ouro Preto, a minha igrejinha da Pampulha... A pátria é o fundo do nosso quintal. Nesse momento primoroso em que estamos todos no fundinho do nosso quintal, lembro que o quintal é o nosso mundo, onde nos sentimos mais protegidos, como disse Mário Quintana. Somos vistos como equilibrados, tranquilos. Apesar de termos ainda um inverno pela frente, gosto de dizer que a Primavera está chegando. Quando os ipês estiverem floridos, vamos poder estar na rua vendo essa beleza que todos os anos acontece na nossa “pátria Minas”.   

 

Nos últimos anos Belo Horizonte ganhou dois títulos expressivos: o conjunto arquitetônico da Pampulha foi escolhido como Patrimônio Cultural da Humanidade e a capital foi escolhida como Cidade Criativa da Gastronomia. Isso pode trazer benefícios práticos ou serve só para nos orgulharmos?

 

Isso traz grandes benefícios. No caso do patrimônio mundial ele nos coloca num patamar diferenciado perante o mundo. Quem não quer ver um patrimônio que é importante para a humanidade? Já o título da gastronomia mostra que o que se faz aqui é diferente de outras cidades. A comida mineira é disseminada em todo o país. Em todos os estados você encontra restaurantes de comida mineira. Na gastronomia, Belo Horizonte é a síntese de tudo que Minas produz. O pastel de angu, a pamonha... A regionalidade da cozinha mineira é impressionante. Os títulos vão ajudar demais nessa retomada.

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