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Estado de Minas GASTRONOMIA

Chefs investem em pratos do passado para trazer afetividade a seus cardápios

Alguns pratos retrô ressurgem nos cardápios de restaurantes bacanas de BH e enchem d'água a boca dos nostálgicos. De torta de liquidificador a gelatina colorida, vem ver onde matar a saudade de comidas memoráveis


postado em 25/07/2021 23:54 / atualizado em 25/07/2021 23:54

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Imagem ilustrativa(foto: Freepik)
Imagem ilustrativa (foto: Freepik)
Quem já passou dos 40 ou está perto disso, com certeza vai recordar de algumas cenas parecidas. Pode ser a lembrança de uma travessa com gelatina colorida sobre a mesa ou, ainda, um casamento ou aniversário de 15 anos em que a estrela do cardápio era estrogonofe. Ainda teve um tempo em que as pessoas se reuniam ao redor da mesa para desfrutar de uma boa fondue - a panelinha era de cobre e ficava cercada por um monte de travessinhas do mesmo material, com molhos coloridos.

Olhando para trás, para um passado onde alguns sabores ficam marcados para sempre em nossa memória afetiva, é possível revisitar várias comidas que fazem parte da nossa história. Algumas são experiências muito particulares, como o bolo da avó ou a macarronada da mamma. Outras receitas, no entanto, parecem comuns a todos. "Vários fatores podem fazer com que um prato fique famoso ou caia no gosto popular: a assinatura de um chef famoso, o momento em que ele é criado ou até mesmo o fato de ser feito como homenagem a alguém", diz o chef e professor de gastronomia Edson Puiati. O estrogonofe mesmo é uma criação russa. Segundo o livro Quem Colocou o Filé do Wellington, de James Winter, o prato foi criado por Charles Briere, em homenagem a seu patrão, o conde Pavel Strogonoff. Há ainda outras versões. Mas, se hoje há dúvidas sobre o seu nascimento, ninguém é capaz de questionar a sua fama. Ele se espalhou pelos Estados Unidos logo após a II Guerra - os militares que foram servir na China provaram e ficaram fascinados. Em cada lugar, a receita foi ganhando características próprias no preparo. Em solo americano é servido com batata frita. Na Suécia é usada linguiça no lugar da carne; no Japão, ele ganha um leve sabor de molho de soja; já no Brasil, o extrato de tomate deu lugar ao ketchup. Em qualquer lugar do planeta, entretanto, o que vale é manter a essência original do prato: carne macia, cogumelos, molho cremoso temperado com páprica e mostarda. Uma delícia em qualquer língua.

Em Belo Horizonte, alguns restaurantes andam matando a saudade dos velhos tempos investindo em receitas retrôs, aquelas que saíram de moda e que, muitas vezes (que absurdo!), são consideradas até mesmo cafonas. Mas que fazem a alegria dos mais nostálgicos. Se você está nesse grupo, prepare-se para viajar para o passado a cada mordida.

Olga Nur - Estrogonofe de Filé Mignon

(foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
(foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
Entre as décadas de 1960 e 1980, estrogonofe era chiquérrimo. O chef Rodrigo Viana, do Olga, que já trabalhava como cozinheiro nos anos 1980, lembra de casamentos em que o menu era estrogonofe, arroz e batata palha. "Nessa época era o máximo servir receitas que vinham de fora", diz. O creme de leite na latinha também facilitava muito a vida da dona de casa, que não precisava mais preparar o produto de forma artesanal. Depois, como a maioria dos clássicos, o estrogonofe foi jogado para escanteio e entrou no rol das comidas cafonas. De uns tempos para cá, no entanto, voltou com força total aos cardápios. "Essa história de confort food veio com muita força. Estamos revisitando várias receitas que fazem parte do acervo emocional de muitas pessoas", completa Rodrigo. No Olga, ele aparece tanto na versão com filé mignon quanto com camarão. E, claro, ganhou uma certa sofisticação no preparo. No lugar do creme de leite, é usada uma redução de creme de leite, além de ketchup de primeira linha e mostarda Dijon.

Cozinha Santo Antônio - Gelatina Colorida

(foto: Divulgação)
(foto: Divulgação)
Moisaco, colorida ou gelatina de chicletes. Não importa o nome, a sobremesa é aquela que coloriu a mesa de várias famílias brasileiras há algumas décadas. Gelatinas cortadas em cubinhos, mergulhadas em uma mistura de gelatina incolor, leite condensado e creme de leite. "Para mim, é a rainha das sobremesas", diz, com bom humor, a chef Juliana Duarte, da Cozinha Santo Antônio. "Eu tinha esquecido o quanto ela é boa, até fazer no restaurante durante o festival ‘Bregas que a gente ama’. E mexeu com muita gente! Uns lembraram dela em casa e outros na merenda escolar. Foi uma comoção. " Juliana conta que esse conceito de comida brega é polêmico, porque para alguns o adjetivo é pejorativo. "Mas a ideia é que é brega porque já foi muito chique e depois caiu em desuso. Já o vintage é mais respeitoso, pressupõe que a gente ama e já resgatou para o coração." De tempos em tempos, Ju Duarte abre o velho caderninho de receitas e resgata pérolas como salpicão com pernil, filé ao gorgonzola, estrogonofe e até o velho e bom doce de pêssego com creme de leite batido até quase o ponto de chantili.

BiroscaS2 - Torta de Liquidificador

(foto: Divulgação)
(foto: Divulgação)
Quando inaugurou o BiroscaS2, há 8 anos, Bruna Martins já tinha em mente que seu caminho passaria pelo afetivo. Na verdade, ela explica, quando um chef faz uma releitura de pratos tradicionais brasileiros, como galinhada ou costelinha com canjiquinha, ele acaba fazendo também uma comida afetiva, já que alguns pontos são comuns e fazem parte da nossa cultura alimentar. Há dois anos, no entanto, Bruna resolveu que queria seguir um outro rumo: fazer comida de dia a dia, aquela preparada pela dona de casa para sua família. Foi quando ela mergulhou de vez nos cadernos de receitas e naqueles modos de preparo que são passados de boca em boca, de uma vizinha para outra, de mãe para filha. "Eu queria aqueles pratos servidos durante a semana e não os de datas comemorativas, que já vão para receitas mais festivas como churrasco, tropeiro e feijoada." O cardápio do BiroscaS2 é recheado dessas comidas que fazem o coração de qualquer saudosista bater mais forte. Bife à rolê, lasanha, panqueca, salpicão. Uma das mais emblemáticas, entretanto, é a torta de liquidificador, que no lugar de atum ou sardinha, ganhou como recheio lula, polvo e camarão. "Queria dar uma pegada mais gastronômica, que fizesse as pessoas quererem experimentar uma receita antiga de um jeito novo", diz. Acompanhando a torta, maionese de páprica e saladinha fresca.

Casa dos Contos - Filé a Piemontese

(foto: Divulgação)
(foto: Divulgação)
Apesar do nome, é uma invenção brasileira e não adianta nem pedir para comer esse prato em Piemonte, na Itália. Dizem que em determinada época, com dificuldades de conseguir o arroz próprio para risoto, alguns cozinheiros passaram a adicionar creme de leite ao preparo, para garantir a cremosidade. Assim, nasceu o filé a Piemontese. "Acredito que seja inspirado no bife a cavalo, que também é grelhado só que servido com dois ovos por cima", explica Maria Leonor Roque, que hoje comanda a casa comprada por seu pai, Edmar, em 1984. Antes, a Casa dos Contos era mais focada em comida italiana e pizzas. "Assim que ele assumiu, mudou esse conceito e trouxe outros pratos que faziam sucesso na época", explica. E o Piemontese, feito com creme de leite, parmesão, champignon, cheiro verde e arroz branco, fez um sucesso tão grande entre os frequentadores, que a chefia se viu obrigada a incluí-lo no prato mais famoso do restaurante, o Filé Surprise (filé recheado com presunto e muçarela, servido com batata frita e banana a milanesa). "Todo mundo pedia para trocar o arroz branco pelo piemontese. Aí resolvemos mudar de vez", diz Maria Leonor.

Cantina do Lucas - Filé a Cubana

(foto: Divulgação)
(foto: Divulgação)
Gerente da casa há mais de 30 anos, Antônio de Aguiar Mourão, não sabe de onde vem a tal receita do Filé a Cubana. "Acho que remete à comida cubana, caribenha. É exótica", diz ele referindo-se ao prato que é composto por filé, abacaxi, banana e palmito à milanesa, ervilha, batata palha e dois ovos fritos. Essa receita é bem das antigas e era obrigatória em restaurantes tradicionais do centro de Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo. Servida em generosas travessas, famílias inteiras dividiam o mesmo prato. "É uma comida de sustança, pesada", diz Mourão. Fundada em 1962, a Cantina do Lucas, localizada no Edifício Maletta, também foi palco para encontros de intelectuais, artistas e políticos durante os anos da ditadura. "Aqui existia um garçom, o Olímpio. Quando ele via alguém estranho, que podia ser um espião do regime militar, passava por entre as mesas dizendo: ‘Hoje acabou o Filé a Cubana’. E a turma já sabia que era para ficar quieta."

Vila Chalezinho - Fondue

(foto: Divulgação)
(foto: Divulgação)
Antes de tudo, é "a" fondue e não "o" fondue. O prato foi criado na Suíça, durante a II Guerra. Por causa do frio rigoroso, os camponeses que moravam em regiões montanhosas não tinham como buscar mantimentos na cidade. Como eram grandes produtores de queijo, aproveitavam os restos e derretiam em uma panela. A partir daí, mergulhavam pedaços de pão no creme borbulhante. A fondue ficou famosa nos anos 1950, quando o chef Conrad Egli, passou a serví-la em seu restaurante, o Chalet Suisse, em Nova York. Foi ele também que inventou a fondue de chocolate. A receita, então, se espalhou pelo mundo. Aqui, em BH, o Chalezinho serve desde a sua inauguração, há 42 anos. "Sempre foi nossa especialidade", explica a sócia Taty Marcellini. Apesar de ser considerada uma comida para datas festivas, a fondue é procurada o ano inteiro no restaurante, que reabriu suas portas na capital mineira em outubro de 2019. A casa oferece, inclusive, sequência de fondues, começando com o de queijo (emmenthal, gruyère e maasdam), carne (com oito molhos) e fechando com o de chocolate.

Caê - Frango com Catupiry

(foto: Divulgação)
(foto: Divulgação)
Frango com catupiry da Dona Jussara. Para se ter uma ideia do quanto é importante essa receita na vida do chef Caetano Sobrinho, ele resolveu batizá-la com o nome de sua mãe. "Era um prato que a gente comia muito aos fins de semana. Lembro que ela já deixava pronto na geladeira e quando a gente voltava do clube, só colocava no forno para gratinar", diz o chef. Apesar de ter sido inventado em Minas Gerais pelo italiano Mario Silvestrine, em 1911, o requeijão cremoso - batizado como Cremelino - acabou indo parar em São Paulo pelas mãos de um dos herdeiros, que abriu a fábrica 1949 e renomeou o produto como Catupiry. Por ser bastante cremoso e suave, logo cozinheiros brasileiros passaram a utilizá-lo em várias receitas de frango e camarão. Ele foi parar até em cima de pizza! E virou uma paixão nacional. Caetano resgatou a receita do frango com catupiry do caderno de sua mãe e acertou em cheio.  "Mesmo sendo um prato démodé, eu quis colocá-lo no cardápio por ter essa carga histórica dentro da minha família. Hoje, é o mais vendido do meu delivery."

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