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À frente da ABC da Construção, o CEO Tiago vem se mostrando um executivo com planos ambiciosos e que não se acomoda com o sucesso alcançado. Desde que assumiu a presidência da empresa fundada por seu avô, Lúcio Ferreira de Moura, 64 anos atrás, ele transformou uma pequena rede de lojas de materiais para construção do interior mineiro na maior rede do segmento no Brasil, com mais de 160 unidades e faturamento anual de 1 bilhão de reais. Formado em engenharia civil pela Universidade Federal de Juiz de Fora, com MBA em finanças pela PUC do Rio de Janeiro e em gestão internacional pela Écoles Universitaires de Management, na França, ele passou por um dilema em meados dos anos 2000: empreender ou seguir carreira executiva? Resolveu então empreender dentro do negócio da família, vendo o crescimento e os indicadores favoráveis ao mercado de construção no país. Mas fez uma exigência para entrar na operação: queria carta-branca para implantar suas ideias. "Meu avô disse que eu teria uma carta-bege", conta. "Poderia ter autonomia, contanto que não fizesse besteira nem pedisse dinheiro." Sua chegada na diretoria se deu em 2006. Dois anos depois, assumiu como diretor-presidente. "Aí a carta-bege foi ficando mais clara."

Atualmente, a ABC da Construção conta com 160 lojas, que já transpuseram as divisas do estado e chegaram a São Paulo e Rio de Janeiro, com foco em produtos de acabamento. Está presente em cidades com milhares de habitantes e capitais. O ritmo de inaugurações é frenético, com uma média de 10 novas lojas por mês. O centro de distribuição de Juiz de Fora foi ampliado e conta com 40 mil metros quadrados de área construída. Além dele, há nove centros de distribuição avançados. Das 160 lojas, apenas 20 são próprias. Todas as outras funcionam em sistema de franquia, com a ABC absorvendo os custos de estoque, capital de giro e investimento em tecnologia. "Vi a oportunidade de resgatar a história do meu avô, desenhando um modelo de negócios em que virássemos parceiros de empreendedores locais." Um modelo sem paralelo por aqui. "Somos uma startup de 64 anos", diz Tiago. A empresa também leva ao ponto de venda práticas do e-commerce, trazendo lojas regionais para dentro do sistema ABC. "Queremos transformar nosso concorrente em parceiro. É ele que conhece o cliente, sabe quando conceder crédito…" Tiago costuma afirmar que a tecnologia precisa ser uma armadura, que só funciona se for operada por gente de carne e osso, comprometida com bons resultados. Algo assim como um Robocop. Aliás, ele já foi criticado por usar essa analogia. "Dizem que é uma referência muito antiga, que eu deveria usar o exemplo do Ironman."

Outro fundo de capital presente na ABC é a operação brasileira da Redpoint Eventures, capitaneada por Romero Rodrigues, que administra 1,2 bilhão de reais investidos em 60 empresas, principalmente nacionais. "Eu já conhecia o Tiago da Endeavor", diz Romero, referindo-se à ONG que reúne empresários de sucesso do país e que tem como objetivo encorajar o empreendedorismo, fornecendo mentorias, cursos ou estimulando conexões entre empresários. "Sempre me impressionou sua ambição de pegar um legado e construir um modelo totalmente diferente." Romero foi fundador do Buscapé, site de comparação de preços vendido em 2009 para um grupo sul-africano por 374 milhões de dólares. Para ele, a forma de Tiago resolver a questão do estoque das lojas é o grande diferencial da ABC. "Assim a marca chega em cidades que não comportam uma megaestrutura." A centralização do estoque resolve dois problemas: o ambiente puramente digital não está preparado para vender esse tipo de produto e as filiais não conseguem manter material para pronta entrega. "Ninguém sai de uma loja com 200 metros quadrados de piso ou 10 sacos de cimento", diz Romero. "O processo logístico da ABC para resolver essas questões é animador." A empresa se compromete a entregar o material em estoque em até 48 horas, mas muitas vezes a entrega é feita em 24, sempre com horário marcado.

Outro vento que vem soprando favoravelmente nas velas da ABC é o crescimento do mercado de construção. Antônio Joaquim - assim como todos os entrevistados para esta reportagem - se mostra otimista e não acredita que o panorama irá mudar no médio prazo. "Esse é um mercado muito dependente de crédito e os juros devem se manter em patamares baixos, considerando nosso histórico como país", diz. Os números corroboram com tamanho otimismo. Segundo o Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas Gerais (Sinduscon-MG), o crescimento na venda de imóveis em BH e Nova Lima foi de mais de 22% em 2020, em relação ao ano anterior. O CEO da Dexco diz que os juros baixos também fizeram com que muitos investidores direcionassem seus recursos para a construção, o que causou um boom de lançamentos a partir de 2019. Muitos desses empreendimentos estarão em fase de acabamento no ano que vem e em 2023. Um prato cheio para quem comercializa esse tipo de produto. Outro fator foi a pandemia da Covid-19, que fez com que a relação com a casa, com o lar, mudasse. Muitas pessoas começaram a trabalhar em home office, uma situação que deve perdurar por um longo período, talvez para sempre. Passaram, então, a ver a necessidade - ou oportunidade - de reformar seus imóveis, para adaptá-los aos novos tempos.

Casado com a juíza federal Ana Luiza Fischer Mendonça e pai de dois filhos pequenos, Bernardo, de 5 anos, e Felipe, de 1, Tiago deixou Juiz de Fora e se mudou para a capital mineira em 2019, para acompanhar a mulher. Ainda mantém o hábito de jogar tênis com regularidade. "Mas não com a mesma qualidade da adolescência, principalmente por causa do inevitável ganho de peso que a idade me trouxe." Mesmo uma trajetória vencedora como a sua, respeitada por seus pares, é feita por alguns momentos de dificuldades. Ao olhar para trás, Tiago aponta o ano de 2018 como um marco desses períodos de instabilidade. Ele lembra do sofrimento que foi conviver com a greve de caminhoneiros que paralisou diversos setores da economia. No campo pessoal, Tiago perdeu o avô pioneiro, Lúcio, aos 90 anos. "Mesmo com idade avançada, ele era uma pessoa bastante ativa, com quem eu conversava muito e que sempre me apoiou", diz. "Em sua simplicidade, ele entendia tudo o que estávamos planejando para a empresa." Com as 1.000 lojas previstas para 2024, a ABC da Construção irá atingir faturamento anual de 5 bilhões de reais e já projeta um novo salto a partir daí. "Está no nosso horizonte a abertura de capital, para que possamos crescer ainda mais." Desafio fichinha para quem, aos 5 anos, pulava nas piscinas frias para superar (com sucesso) uma doença de diagnóstico sombrio.