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Estado de Minas ENTREVISTA

Uma conversa com a ativista ambiental mineira Giovanna Nader

Ela, que também é consultora em moda sustentável, vem conquistando milhares de adeptos para a causa da preservação da natureza


postado em 05/08/2021 08:50 / atualizado em 05/08/2021 08:50

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(foto: Divulgação)
(foto: Divulgação)
Diz a sabedoria popular que para realizar-se na vida é preciso plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho. Aos 35 anos, Giovanna Nader já fez tudo isso - e pretende fazer de novo. "Com que Roupa?", livro que ela lançou em maio, é a conquista mais recente dessa ativista ambiental, comunicadora, consultora em moda sustentável e apresentadora de TV nascida em Araguari, no norte do Triângulo Mineiro.

"A causa que defendo, a da sustentabilidade, é permeada por nãos - você não pode comer isso, não pode comprar aquilo... Concordo com os nãos, mas acho que fazer deles uma imposição só vai fazer com que as pessoas se afastem" (foto: Divulgação)
Giovanna saiu de Minas aos 17 anos para estudar na capital paulista, morou uma temporada em Barcelona, na Espanha, e hoje vive no Rio de Janeiro com o marido, o ator e escritor Gregório Duvivier, e a filha Marieta, de 3 anos. Em seu percurso profissional, foi deixando sua marca por onde passou. Quando entrou no mercado de moda, tratou de ir na contramão do discurso consumista, propondo maneiras mais inteligentes e conscientes de comprar e usar as peças que se tem no armário (é esse o assunto do livro publicado pela editora Companhia das Letras e do programa apresentado por ela no GNT, "Se essa Roupa fosse Minha"). Como comunicadora e militante ecológica, vem evitando uma abordagem extremista, preferindo apostar na "comunicação com acolhimento" para conquistar o engajamento na defesa da ecologia por parte de seus mais de 100 mil seguidores.

Como boa mineira, Giovanna gosta tanto (ou mais) de escutar do que falar. Nesta entrevista dada num tom de voz calmo, permeada por alguns silêncios, ela fala de mineiridade e relembra o passado para desenhar o futuro. Um futuro que, se depender de Giovanna, será de muito mais árvores, mais livros e no qual ela e Gregório terão ao menos mais um filho.

1) Na sua vida, o que chegou primeiro: a sustentabilidade ou a moda?

Sempre tive a moda como algo vibrante e até pensei em cursar uma faculdade nessa área. Eu me lembro de que na infância adorava brincar com aquela bonequinha de papel que trocava de roupa e amava fantasiar que era dona de loja. Abria meu armário e colocava uma mesa na frente para fazer de balcão. Estudei administração e depois fui fazer uma pós-graduação em Barcelona, em branding. Minha dissertação foi sobre um dos maiores conglomerados de fast fashion do mundo. Ironicamente eu entrei na moda pela porta que hoje critico tanto. De volta a São Paulo fui trabalhar para grandes empresas que têm essa pegada de moda descartável, ajudando a pensar estratégias para gerar mais vendas. Entendi rapidamente que aquilo não fazia sentido para mim, mas fui seguindo porque era preciso pagar as contas. Essa insatisfação com o trabalho me levou a criar com uma amiga, a Raquel [Vitti Lino], o projeto Gaveta, de troca de roupas, há oito anos. Foi aí que eu entendi com que moda eu queria trabalhar: fazer a roupa circular e assim contribuir, ainda que de forma pequena, para a transformação do mundo. Coincidentemente, no mesmo momento em que fizemos o Gaveta houve o desabamento do edifício Rana Plaza, em Bangladesh, onde uma multidão de pessoas confeccionava peças para marcas populares da Europa e dos Estados Unidos. Ganhei consciência de que por trás das fast fashion existia um mundo escravagista e comecei a pesquisar sobre sustentabilidade social e ecológica. Um novo mundo se abriu para mim e o Gaveta deixou de ser apenas um evento para virar um movimento.

2) Dá para conciliar a paixão por moda com a paixão pela sustentabilidade?

Claro que dá! A moda é antes de tudo um mecanismo de auto-expressão e expressar-se tem menos a ver com as roupas que você tem no armário - e menos ainda com o preço que você pagou por elas ou as marcas que você consome - do que com olhar para dentro. Mesmo os povos originários já faziam moda, nas pinturas e nos acessórios que eles usavam para se diferenciar. Moda é comportamento, tem a ver com contar histórias, e as pessoas estão cada vez mais se dando conta disso. Tanto que as passarelas, as tendências, deixaram de ser o assunto principal das revistas. E ostentar marcas de luxo está passando a ser visto como um sinal de falta de educação, de conhecimento.

3) Quais são os seus princípios na hora de comprar roupas?

Roupa usada sempre que possível, preocupação com a procedência da peça - quem fez, em que condições? - e valorização da cultura local. Eu costumo dizer que deixei de ser consumista para ser consumidora consciente, mas a vontade de comprar precisa ser combatida frequentemente porque eu adoro moda, né? Eu amo brechós, adoro a aventura de tentar encontrar uma peça que é única. O problema é que cada peça que encontro, se não levar na hora, provavelmente não a verei mais, e nesse sentido a paixão pelos brechós estimula o meu lado consumista. Estou aprendendo a me apaixonar por uma roupa e deixa-la para trás.

4) Suas publicações nas redes sociais mostram o quanto você valoriza o contato com a natureza. Essa paixão pelo mato tem a ver com a sua origem mineira?

Recentemente fiz uma viagem de carro pela Serra da Canastra e essa experiência me fez refletir sobre o quanto os mineiros têm uma outra relação com o tempo, o espaço. Vivi em Araguari até os 17 anos, uma cidade muito pequena, que eu amo, e que é muito diferente de São Paulo, para onde me mudei para fazer faculdade. São Paulo me deslumbrou, eu adorava passear pela cidade, até mesmo pegar trânsito eu amava, porque em Araguari não tinha engarrafamento [risos]. Nessa época da descoberta da cidade grande deixei de lado a mineiridade, até ir percebendo, com o passar dos anos, o quanto Minas me acalma, me renova. A verdade é que essa consciência do que significa ser mineira é novidade. Só surgiu quando eu me mudei para o Rio, em 2017.

5) Que curioso... Por que o Rio de Janeiro te deixou mais mineira?

A energia do mineiro e a do carioca são muito diferentes. Carioca é para fora, falante, comunicativo, mineiro é mais calmo. O Rio tem uma cultura forte e linda que aprendi a amar - eu amo o carnaval, o samba, estar na rua, na praia - mas eu não sou carioca e confesso que demorei um pouco para encontrar uma relação de conforto com a cidade, apesar de ter sido muito bem recebida. Entendi que eu tinha de respeitar o fato de, como boa mineira, precisar dos meus momentos de silêncio, escuta e introspecção.

6) Você precisou do contraste para perceber e celebrar a sua mineiridade...

Sim! Assim como só aprendi a valorizar o bioma do Cerrado mineiro quando o reencontrei depois de um tempo longe. Por um tempo me desconectei da natureza. A consciência de que existe algo de mágico nela veio quando eu fiz, com a minha prima Aline, uma viagem, em 2014, até a Chapada dos Veadeiros. Ficamos uma semana lá, numa conexão extrema com aquele ambiente tão cheio de energia... É difícil de explicar, só quem já foi para uma das chapadas brasileiras vai entender do que estou falando. Esse lugar me fez sair da posição de observadora para a de parte integrante da natureza. Essa viagem, e também um mochilão que fizemos por diferentes países da América Latina, foram transformadoras.

7) Eu imagino que fazer um mochilão deva ter transformado também a sua relação com a moda.

O mochilão é o embrião do armário cápsula, né? [risos] Como não cabe muita coisa na mochila é preciso haver planejamento, saber combinar as peças em diferentes produções... Numa viagem dessas, usando a mesma camiseta dias seguidos até conseguir lavá-la, a gente entende que beleza vem de dentro. Estilo não tem tanto a ver com o que você veste, mas com o como. Eu amo me expressar através da moda... Se vou para uma reunião, por exemplo, estar montada num lookão colabora para me trazer segurança. A roupa mexe com a autoestima, favorece ou desfavorece cada experiência, mas acho que deve existir um limite. A gente não pode ser refém da moda.

8) Você tem mais de 100 mil seguidores nas redes sociais, isso considerando apenas o Instagram. Como é, para você, relacionar-se com todas essas pessoas numa época em que qualquer coisa parece ter vocação para desencadear polêmicas?

Olha, eu sou áries com ascendente em áries, já fui muito briguenta, já cheguei em loja e dei bronca: "como assim vocês se dizem sustentáveis e usam etiqueta de plástico?!". Eu fui aprendendo a controlar esse lado meu e esse aprendizado teve muito a ver, justamente, com a troca carinhosa com as pessoas que acompanham o meu trabalho. Eu sou uma ativista ambiental que usa a comunicação como ferramenta. Estudo muito, entrevisto especialistas, reflito e tento comunicar o que vou aprendendo. A causa que defendo, a da sustentabilidade, é permeada por nãos - você não pode comer isso, não pode comprar aquilo... Concordo com os nãos, mas acho que fazer deles uma imposição só vai fazer com que as pessoas se afastem. Se a gente exagera, acaba virando ecochato. Acredito na comunicação pela via do acolhimento e em inspirar a transformação em vez de impô-la. Já fiz campanhas na linha "não compre nunca mais nas fast fashions", mas a partir das respostas das pessoas percebi que é muito fácil falar "não compre" sendo que eu já vivi essa experiência, já conheci, já consumi, tive a oportunidade de acessar essas marcas. E quem só agora está tendo acesso a elas, não tem o direito de experimentar? Então eu posso até dizer "eu não compro", mas não posso dizer "não compre".  Meus seguidores me abriram os olhos também para a questão dos corpos maiores. Quem veste plus size tem dificuldade de encontrar roupas nos brechós.

9) De que maneira a maternidade transformou a sua visão de futuro?

Foi quando me tornei mãe que eu despertei para a gravidade extrema dos problemas climáticos e passei a enxergar o apocalipse do qual nos aproximamos à medida que não mudamos nosso comportamento. A chegada da Marieta me fez compreender que a geração que seria impactada, que sofreria as consequências dos erros cometidos pelas gerações anteriores, já estava viva. Eu tinha uma pessoinha dessa geração ali, nos meus braços. Eu e o Greg pretendemos ter mais um filho, então preciso fazer o que está ao meu alcance para garantir que exista uma melhor perspectiva de futuro.

10) Como você tem encarado esse período tão desafiador da pandemia?

Fiquei deprimida durante um bom tempo, ficava me perguntando "o que vai ser das nossas crianças?", sofria em pensar que a Marieta já passou metade da vida dela vendo as pessoas de máscara. Ela mesma às vezes me lembra: "mamãe, precisa colocar a máscara". Até que eu entendi que para a Marieta a máscara é normal porque ela conheceu o mundo assim, e então acaba sofrendo menos do que eu. A Covid trouxe uma maior conscientização sobre os problemas ecológicos, acelerou acordos entre países no combate ao aquecimento global, então eu tento me concentrar nessas pequenas vitórias para me reconectar com o futuro. Voltei a ter esperança, embora não goste muito de usar essa palavra. Esperança joga para o futuro, tem a ver com esperar, e não temos tempo para isso. O futuro vai se decidir agora, estamos numa década chave para a nossa sobrevivência, em que é preciso fazer cair pela metade as emissões de C02. Temos um imenso desafio coletivo pela frente e por isso eu prefiro falar mais em aposta do que em esperança. É nisso que eu acredito: em apostar no futuro. Todo mundo junto, agora, já!

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