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Estado de Minas ENTREVISTA

Lô Borges e Márcio Borges falam sobre os 50 anos do LP Clube da Esquina

Os irmãos são dois dos personagens que se juntaram para a criação do álbum duplo que completa meio século em 2022. O disco, um dos melhores e mais significativos da música, parceria de Milton Nascimento e Lô Borges, é tema de homenagens e tem trazido à luz destes tempos as histórias que fizeram da sua gravação e dos artistas que dela participaram tão especiais


postado em 07/04/2022 09:09 / atualizado em 07/04/2022 17:46

(foto: Instagram/Reprodução)
(foto: Instagram/Reprodução)
A esquina mais famosa de Belo Horizonte fica no bairro Santa Tereza, no encontro das ruas Divinópolis e Paraisópolis. Era lá que, a partir dos anos 1960, uma garotada muito musical se reunia para conversar, tocar, cantar, falar dos Beatles, da MPB, do jazz. Nesse pedaço de chão despretensioso nasceu um dos encontros mais promissores da cultura popular brasileira. A esquina da residência do casal Borges (Maricota e Salomão), seus 11 filhos e os tantos agregados entrou para a história. Em forma de música, poesia, livro, disco, filme, pintura, fotografia e muita criatividade.

Cinco décadas se passaram desde que o Clube da Esquina ganhou a forma arredondada e definitiva de um disco de vinil (dois, aliás), com o lançamento do álbum duplo que faz bodas de ouro neste 2022. A ideia, capitaneada por Milton Nascimento, o cantor-compositor mais mineiro dos cariocas de que se tem notícia, não só gerou uma das obras aclamadas da música brasileira - aqui e no exterior - como também trouxe à tona o talento de jovens artistas, entre eles Lô Borges, coautor do disco, e reuniu um time de músicos de primeira linha.

De Paulo Moura (clarinete) a Eumir Deodato (teclados), de Wagner Tiso (piano) a Robertinho Silva (bateria), o álbum duplo reúne um grupo de 16 artistas, 10 deles mineiros: além de Lô, os letristas Fernando Brant e Márcio Borges; os compositores-cantores-músicos Tavito, Toninho Horta, Beto Guedes, Tavinho Moura; os músicos Nelson Ângelo, Tiso e Rubinho Batera. Dois nomes do time de mineiros já morreram: Fernando Brant (em 2015, aos 68 anos) e Tavito (em 2019, aos 71).

Márcio Borges:
Márcio Borges: "Não acho aquele disco a síntese de nada, nem nunca teve a intenção de ser. Foi a marca de um momento que não foi o único e nem o mais intenso. A gente não foi um movimento, senão o de jovens artistas em movimento, viajando pelas estradas e interiores do nosso país" (foto: Divulgação)
Clube da Esquina, o registro fonográfico, foi produzido em plena ditadura militar, um tempo em que tudo que envolvia arte era alvo de suspeita, investigação e punição severa. Criado e gravado em uma casa de Mar Azul, em Niterói (Rio de Janeiro), sempre foi festejado pela qualidade de suas composições, arranjos e tudo o que resultou nas 21 faixas. Algumas canções são verdadeiros hinos atemporais e soam muito oportunas nos dias atuais, como Nada Será Como Antes (Milton e Ronaldo Bastos) e San Vicente (Milton e Brant), ambas na bela voz de Milton.

O mais jovem dessa turma, Lô Borges, que tinha 19 anos quando Milton o convidou para fazer o disco Clube da Esquina e estrear na profissão que o consagrou, assina a maioria das melodias e ainda é o intérprete de canções como Trem Azul (letra de Fernando Brant) - que mais tarde ficaria famosa na voz de Elis Regina e também gravada pelo genial Tom Jobim -, Paisagem na Janela (parceria com Ronaldo Bastos) e Um Girassol da Cor de seu Cabelo (parceria com o irmão, Márcio Borges).

Lô Borges:
Lô Borges: "O que me surpreende até hoje é o reconhecimento internacional desse disco! Ele já foi alvo de vários livros, textos científicos, artigos e reportagens publicados no exterior. Sem falar de vários artistas internacionais que gostam e citam o CDE como um disco de referência" (foto: João Diniz/Divulgação)
A gravação foi o pontapé na carreira do cantor, que ainda em 1972 gravou seu primeiro trabalho solo, o famoso "Disco do Tênis". Por isso mesmo, os 50 anos do Clube da Esquina são ainda mais especiais para Lô, que também faz 50 anos de carreira. Como ele mesmo diz, nesta entrevista a Encontro, "50 Anos de Música", título do show que comemora a dupla data, com apresentação em BH, dia 4 de junho, no Sesc Palladium. E, se Clube da Esquina (CDE), o álbum, merece todas as loas, ele ainda deve ser lembrado por juntar de vez os talentos de Márcio e Lô Borges. Além de irmãos, os dois são parceiros de trabalho, uma afinidade que se confunde com a história de ambos. Lô firmou sua carreira musical e tem 15 discos de estúdio, o mais novo deles Chama Viva, lançado em fins de março. Márcio, que trocou BH pela bucólica Visconde Mauá, no Rio de Janeiro, tem participado das comemorações dos 50 anos do disco. A Encontro ele conta sua contribuição à data festiva: "Preparei uma exposição no Minas Tênis Clube e fiz a cocuradoria de uma mostra de cinema ligada ao Clube da Esquina", também no Minas.

A exposição Viagens de Ventania: Trilha Sonora dos Tempos, mistura de imagens e música, foi realizada em fevereiro e março, e a mostra de filmes Mais Fundo que o Mar: O Cinema, a Música e as Esquinas, Centro Cultural Unimed-BH Minas no MTC, ficou em cartaz até 26 de março e exibiu obras como o francês Jules et Jim, de François Truffaut, de 1962. A mostra em homenagem aos 50 anos do CDE marcou ainda a inauguração das duas salas de cinema do espaço.

ENCONTRO - 50 anos depois do disco que deu nome ao movimento, vocês fariam, alguma ressalva/mudança na obra? O que ele significa na sua carreira?

MÁRCIO BORGES - Não mudaria nada. Pediria novamente desculpas por alguns versos que "entraram como pedegrulhos" nos ouvidos de alguns críticos mais sensíveis, mas procuraria torná-los ainda mais pontiagudos. Esse disco significa um momento muito bacana de minha juventude e minha carreira, que começou bem antes dele, e conseguiu seguir em frente algumas décadas mais além.

LÔ BORGES - O CDE me lançou na música, graças ao convite do Bituca (Milton Nascimento), meu mestre e meu irmão. Eu era um compositor iniciante e o Bituca viu que eu levava jeito, e me convidou para dividir um disco com ele, que seria gravado no Rio de Janeiro. A princípio, meus pais não queriam que eu me mudasse para o Rio, no mais sangrento período da ditadura militar, mas eu fui e fizemos juntos o CDE. E não faria nenhuma mudança ou ressalva nesse disco.

A memória do Clube da Esquina é devidamente celebrada, ou falta dar ao movimento a importância que teve e tem na cultura brasileira?

MÁRCIO BORGES - Acho que está tudo de um tamanho merecido. Cada um dá o que tem e recebe a parte que lhe cabe nesse latifúndio. Nada a ressaltar, nem reclamar.

O disco é mesmo a síntese do movimento? Ele acabou indo além do que vocês imaginavam? Alguma curiosidade daquele tempo, em plena ditadura, que marcou?

MÁRCIO BORGES - Sinceramente, não acho aquele disco a síntese de nada, nem nunca teve a intenção de ser. Foi a marca de um momento que não foi o único e nem o mais intenso. A gente não foi um movimento, senão o de jovens artistas em movimento, viajando pelas estradas e interiores do nosso país. A única intenção verbalizada entre nós era a de sermos bonitos, fraternos, revolucionários e originais. Só.

LÔ BORGES - Quando fui para o Rio gravar o CDE, não tínhamos nenhuma pretensão de fazer um disco que desse início a um movimento. Isso acabou acontecendo naturalmente, pelo fato de as pessoas terem gostado dele e principalmente por ele ter passado de uma geração para outra, mantendo sua chama sempre acesa.

A família Borges, numerosa e muito unida, foi fundamental na construção dessa história. Ela gerou múltiplos artistas e isso é muito presente no álbum lançado há 50 anos. Sem ela, como vocês imaginariam a sua trajetória e a criação desse e de outros discos?

MÁRCIO BORGES - Sem aquele encontro com minha família, o Milton brilharia sozinho, pois a estrela dele é difícil, senão impossível, de apagar. Eu seria tipo um professor universitário cinéfilo e bem-falante; o Lô seria um aventureiro, talvez um mochileiro das galáxias. O Fernando [Brant], não sei, estaria trabalhando no fórum; o Tavinho Moura seria meu amigo e parceiro, pois a musicalidade dele já chegou em nós pronta - e o resto talvez nunca sequer tivéssemos conhecido.

Que momento da produção do álbum vocês guardam com mais emoção ou alegria? Há alguma música que não entrou nele e que, se pudessem, acrescentariam no disco?

MÁRCIO BORGES - Talvez a primeira audição feita lá em casa, a sala cheia, com todos espalhados pelo chão, ouvindo tudo e chorando de emoção. Acho que colocamos todas as canções que tínhamos prontas naquele álbum duplo.

LÔ BORGES - Eu me lembro de um momento especialmente desafiante para mim, que foi a gravação de Um Girassol da Cor do seu Cabelo. Eu nunca havia gravado nada antes, em estúdio, e naquele tempo os discos eram gravados em apenas dois canais. Se você errasse qualquer coisa, tinha de começar de novo. E nessa música tinha uma orquestra inteira no estúdio, para tocar o arranjo do Eumir Deodato, e o grande Paulo Moura na regência. Eu toquei piano e gravei a voz nessa faixa e essa orquestra completa me acompanhava, sendo que se eu errasse, eu derrubava todo mundo. Mas, eu pensei: não vou errar e vai dar tudo certo! E deu.

Há 10 anos, quando o Clube da Esquina fez 40 anos, foi lançado o livro com esse nome. Teremos mais um livro, agora? Tem algum novo projeto em andamento?

MÁRCIO BORGES - Não sei mais o que cada um anda fazendo. Eu preparei uma exposição no Minas Tênis Clube e fiz a cocuradoria de uma mostra de cinema ligada ao Clube da Esquina, ainda no Minas Tênis Clube.

Com a retomada dos shows ao vivo, podemos esperar alguma novidade ainda na linha da comemoração dessas cinco décadas?

MÁRCIO BORGES - Minha área não é a produção. Eu aceito, ou não, propostas e convites. Por enquanto, recebi umas poucas sondagens.

LÔ BORGES - Sim, junto com o disco Clube da Esquina eu também estou comemorando meus 50 anos de carreira, que prefiro chamar de 50 Anos de Música. Em Belo Horizonte, farei um show no dia 4 de junho, um sábado, no Teatro do Sesc Palladium.

Milton Nascimento é um ídolo nacional e um artista consagrado no exterior. O que você pode dizer sobre a contribuição dele para a história da cultura brasileira?

MÁRCIO BORGES - Nada que eu ainda não tenha dito nesses 60 anos de amizade com ele. Por exemplo, desde 1996 circula meu livro Os Sonhos Não Envelhecem - Histórias do Clube da Esquina, com mais de 350 páginas e nem assim consegui dizer tudo o que sua pergunta abrange.

O Clube da Esquina tem um lugar fundamental na música brasileira e até mesmo reconhecimento internacional. Isso o surpreendeu em algum momento?

MÁRCIO BORGES - Não me surpreendeu, absolutamente. Eu tinha certeza disso, desde antes dele, desde quando o termo "clube da esquina" era apenas uma brincadeira doméstica, ironia criada por minha mãe, que só os meninos sentados naquele pedaço de meio-fio podiam compreender e dar risadas. Que "clube" era aquele!

LÔ BORGES - O que me surpreende até hoje é o reconhecimento internacional desse disco! Ele já foi alvo de vários livros, textos científicos, artigos e reportagens publicados no exterior. Sem falar de vários artistas internacionais que gostam e citam o CDE como um disco de referência, como o Alex Turner, do Arctic Monkeys, o Julian Lennon, e recentemente dois grandes rappers norte-americanos, o Kanye West e o Pharrell Williams.

Há algum artista ou grupo que possa ter sido influenciado pelo Clube da Esquina? O que diriam a ele/ela de sua experiência?

MÁRCIO BORGES - Não ouço ninguém em especial. Nem sei achar direito os streamings e spotifys que eles usam, sou péssimo no Reels, não tenho TikTok e por aí vai. Pode me chamar de alienado. Eu sou isso, da forma mais consciente possível. Para qualquer um eu sempre digo - seja original. Não vale a pena ser autor de obras já feitas por terceiros. 

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