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Estado de Minas VEÍCULOS

Novo presidente da Anfavea fala de como vê o futuro do automóvel

Para o recém-empossado Márcio de Lima Leite, reindustrialização, descarbonização e redução de impostos são os principais desafios do setor automotivo


postado em 25/07/2022 21:56 / atualizado em 25/07/2022 21:57

(foto: Anfavea/Divulgação)
(foto: Anfavea/Divulgação)
Os grandes e complexos desafios a serem enfrentados pela indústria automobilística no Brasil serão agora gerenciados e conduzidos por um mineiro, o advogado e contador Márcio de Lima Leite, que assumiu em maio a presidência da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) para a gestão 2022 -2025, sucedendo Luiz Carlos Morais. O novo responsável pelo comando da Anfavea é vice-presidente de assuntos jurídicos, tributários e de relações institucionais da Stellantis na América do Sul. Ele está há 21 anos no grupo - denominado Fiat até 2014, depois FCA (Fiat Chrysler Automóveis) a partir da fusão com o grupo Chrysler, e Stellantis desde janeiro de 2021, com a fusão da FCA com o grupo PSA. A Stellantis reúne 14 marcas, com destaque para Fiat, Jeep, Peugeot, Citroën e Ram.

No Brasil, o setor automotivo movimenta hoje 98 mil empresas, mais de 500 fornecedores e seu faturamento representa 36% do PIB do país. O maior desafio a ser enfrentado pelo vigésimo presidente da associação, que neste ano completa 65 anos de existência, é fazer crescer a competitividade do setor. Em entrevista exclusiva à revista Encontro, Lima Leite aponta os gargalos do setor, fala de possíveis soluções para eles e explica o que espera do governo em termos de parceria para a retomada do crescimento e redução da ociosidade na capacidade produtiva.

ENCONTRO - Qual é o maior desafio a ser enfrentado em sua gestão como presidente da Anfavea?

Márcio de Lima Leite - Os desafios são inúmeros, mas posso nominar dois principais, que de certa forma estão entrelaçados. O primeiro, de âmbito nacional, é a defesa da indústria e a reindustrialização. O momento global de rápida transformação tecnológica e de revisão das cadeias de fornecimento pós-pandemia colocam na agenda da indústria uma necessidade de grandes investimentos para manter ou ampliar o atual parque produtivo brasileiro. Ao mesmo tempo, é preciso recuperar ou fomentar pequenos fornecedores tier 3 e 4 (empresas produtoras de componentes dotadas de central de dados avançada, que permita menor probabilidade de erros e paradas de produção em caso de crise; quanto maior o nível “tier”, que varia de 1 a 5, mais seguro e efetivo é o sistema produtivo). Esses fornecedores são fundamentais para nossa cadeia. Sentimos falta de pequenas empresas de ferramentaria, por exemplo. Temos carência de insumos como borracha e outros que poderiam ser produzidos localmente. Por que não temos produção local de transmissão automática, se a maioria da frota já usa esse equipamento? O segundo desafio, de âmbito global, é a descarbonização do setor automotivo. Assim como outros países vêm fazendo, já em alta velocidade, precisamos acelerar as rotas tecnológicas que levem à eliminação das emissões de gases do efeito estufa. Isso implica em grande integração de metas entre os setores público e privado, pois todas as rotas demandam investimentos em infraestrutura, geração de energia, de biocombustíveis etc. Como esses desafios se entrelaçam? A corrida pela descarbonização vai ajudar a moldar os investimentos necessários a essa nova etapa da industrialização no país.

Em sua posse na presidência da Anfavea, no início de maio, ao comentar a redução do IPI em 25%, que entrou em vigor naquela data, o senhor disse que o que se verá é a extinção do IPI. Há indícios de que o governo federal irá propor novas reduções de impostos? Qual é a expectativa da Anfavea em relação à redução dos impostos que recaem sobre a indústria automobilística? Hoje o consumidor, ao comprar um carro novo, paga na verdade por dois carros, já que 50% do valor que desembolsa vai para os cofres do governo. Essa afirmação é verdadeira? Em sua opinião qual seria o percentual justo e razoável de carga tributária sobre os veículos automotores?

Nosso setor teve uma redução de IPI inferior à de outros setores, e os automóveis ficaram de fora da segunda redução. Esperamos que isso seja revisto rapidamente pela equipe econômica. Quanto à extinção do IPI, que é o que defendemos, ela depende da aprovação da reforma tributária. Torcemos para que ela seja aprovada ainda neste ano. Para termos maior competitividade, precisamos de uma redução relevante da carga tributária, hoje próxima de 50% do valor do veículo, enquanto outros países têm algo entre 20% e 30% do preço.

O fortalecimento do processo industrial do setor automotivo passa pelo incremento da produção local de peças e componentes utilizados pelos veículos aqui vendidos. Vários, como por exemplo, o sistema de transmissão automática, são ainda importados. Além desse, que outros componentes automotivos deveriam completar a lista dos itens a serem produzidos localmente? O que é preciso fazer para convencer os fabricantes de peças e componentes a investirem a produção desses itens no Brasil?

A transmissão automática é o melhor exemplo, dado que o câmbio manual é algo quase em extinção nos nossos atuais produtos. Esse é um desafio, e a grande questão é a demanda, já que existem diversas soluções técnicas. Provavelmente, se estivéssemos com a demanda crescente já teríamos produção local desse tipo de câmbio. Mais do que componentes importantes, podemos aumentar a produção de insumos locais, como plásticos e borrachas. E até semicondutores, por que não? Europa e EUA estão fazendo isso, para fugir da dependência da Ásia. Componentes para veículos eletrificados também passam a ser estratégicos globalmente, incluindo baterias. Temos no Brasil metais nobres usados nessas baterias, por que não produzir localmente?

"Hoje temos restrições na produção por causa da crise global dos semicondutores e, em menor grau, de outros insumos. Esperamos uma pequena melhora nesse quadro no segundo semestre e um 2023 mais perto do normal"

Márcio de Lima Leite, presidente da Anfavea

O setor automotivo, hoje com capacidade de 4,5 milhões de unidades anuais, trabalha atualmente com capacidade ociosa de 50%. O que pode ser feito para no curto/médio prazo reduzir essa ociosidade? Qual é o papel e a importância dos mercados interno e externo nessa meta de redução da ociosidade da indústria?

Hoje temos restrições na produção por causa da crise global dos semicondutores e, em menor grau, de outros insumos. Esperamos uma pequena melhora nesse quadro no segundo semestre e um 2023 mais perto do normal. Com isso equacionado, um desempenho mais robusto do mercado interno dependerá do arrefecimento da crise econômica, que tem aumentado a inflação e sobretudo os juros. A médio prazo, só as reformas estruturantes e a redução dos impostos poderão aumentar a demanda interna, bem como uma política de inspeção veicular que ajude a renovar e rejuvenescer nossa frota. Quanto ao mercado externo, só cresceremos com um ataque frontal ao Custo Brasil, de modo a melhorar nossa competitividade externa, pois ainda temos muitos entraves burocráticos para exportar. A costura de novos acordos bilaterais também pode ajudar no fluxo comercial.

Logo após sua posse na presidência da Anfavea, o senhor e diretores da associação estiveram em reunião com o ministro da Economia, Paulo Guedes. Ao que foi noticiado na época, a pauta da reunião incluía o encaminhamento de “pontos de urgência” para a retomada do setor. Quais foram os “pontos de urgência” encaminhados? As reivindicações encaminhadas já estão sendo analisadas ou atendidas?

Depois da posse tivemos uma segunda reunião com o ministro, e deveremos repetir esses encontros mensalmente. Sinto que todos os ministros com quem temos nos reunido estão apreciando a riqueza dos diagnósticos e sugestões que apresentamos, feitos por todo o conjunto do setor automotivo, mas com o protagonismo da Anfavea. Não são reuniões para pedir ajuda ou benefícios, mas sim para propor saídas para aqueles dois grandes desafios que já mencionei, da reindustrialização e da descarbonização.

Qual, na opinião do senhor, é o papel do Estado no crescimento e desenvolvimento da indústria automobilística no Brasil?

O Estado brasileiro pode contribuir de duas maneiras para esse objetivo. A primeira é dar um alívio ao setor produtivo, reduzindo a burocracia e a carga tributária. A segunda é dialogando de forma construtiva e propositiva com a indústria, no sentido de criar uma sintonia fina em torno dos próximos passos da industrialização. As regulamentações precisam ser mais harmônicas entre as várias esferas do governo, e deve haver maior previsibilidade para direcionar nossos investimentos. Outro exemplo é na criação da infraestrutura para geração e distribuição de energia elétrica, ou na criação de postos de recarga. Tudo isso vai demandar uma série de investimentos e parcerias entre os setores público e privado.

"Para termos maior competitividade, precisamos de uma redução relevante da carga tributária, hoje próxima de 50% do valor do veículo, enquanto outros países têm algo entre 20% e 30% do preço"

Márcio de Lima Leite, presidente da Anfavea

O processo de eletrificação dos veículos automotores é um caminho sem volta no Brasil, assim como nos demais mercados mundiais. Apesar disso, os preços aqui praticados para os veículos elétricos são ainda quase proibitivos. O que pode ser feito para tornar o carro movido a energia elétrica mais acessível ao consumidor de menor renda? O senhor acha que a eletrificação da frota brasileira entra, de alguma forma, em choque com a tecnologia do etanol? Ou se complementam? Como?

Acredito que esse seja um dos caminhos, não o único. Uma combinação dessa modalidade com a solução dos biocombustíveis também me parece bastante promissora, assim como o diesel verde (HVO), o GNV e o biometano para pesados. Não podemos descartar a bem-sucedida experiência do Brasil com o etanol e outros biocombustíveis. A soma dessas soluções com a eletrificação pode gerar veículos com a melhor neutralização das emissões, pensando do poço à roda, e não apenas do tanque à roda. A redução dos preços dessas novas tecnologias é algo lento, mas inevitável, à medida em que os veículos eletrificados começarem a ganhar escala global de produção, e com baterias cada vez mais eficientes e compactas. Hoje as baterias são o maior custo dos modelos eletrificados, mas esse custo também tende a cair. A elitização dos modelos elétricos deve diminuir não só pela redução do preço, mas pela percepção do consumidor de que o custo de rodagem pode ser mais vantajoso. Lembremos que modelos elétricos têm uma manutenção muito mais barata que os modelos a combustão, entre outras vantagens.

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