Publicidade

Estado de Minas EDUCAÇÃO

O que as crianças estão lendo nas escolas de BH?

Pesquisamos, em algumas das principais escolas da capital, quais livros têm sido indicados para alunos de todas as etapas da educação básica


postado em 28/09/2022 10:52

(foto: Freepik)
(foto: Freepik)
A formação de um leitor é um processo que deve ser apoiado, incentivado e renovado a todo momento. A leitura é um hábito e, como outros, precisa de frequência para se estabelecer. Pais e escola têm papel importante nisso, proporcionando oportunidades de leitura. Especialmente em um contexto em que telas são concorrência tão pesada, atrair a garotada para os livros torna-se um desafio.

E motivos para se desenvolver a habilidade e o gosto pela leitura não faltam. "A formação leitora possibilita vivências que não existiriam senão por meio da literatura", explica a pesquisadora Lívia Pimenta, mestre em educação, que dedicou sua dissertação de mestrado à escolha de livros literários pelos professores do 6º ano do Ensino Fundamental.

Fantasia, ficção, outros mundos, um leque de emoções, as mais variadas histórias de vida e diversas formas de usar e brincar com as palavras, tudo é parte do universo que os livros proporcionam. "A escola precisa seduzir para a literatura, mas também tem função de ensinar a ler o texto literário, que tem requinte, sutilezas, linguagem própria", afirma Lívia.

Em cada etapa de ensino, a leitura de livros literários tem seus propósitos, objetivos e maneiras de acontecer. Nos primeiros anos do Ensino Infantil, ela envolve o lúdico, a experiência, a brincadeira com as palavras e sons. No Ensino Fundamental, começam livros um pouco maiores, passa a ser importante aprender a gerenciar o tempo de leitura e outros aspectos que esse hábito envolve, de modo mais autônomo. Já nos últimos anos dessa etapa, e no Ensino Médio, o texto literário começa a ter mais relação com conteúdos curriculares.

Independentemente da série, os educadores têm o desafio de decidir as obras a serem trabalhadas. É preciso existir um equilíbrio entre atrair os alunos para o gosto literário, levando em conta livros que já conheçam e gostem, e apresentar títulos que apostem na capacidade da garotada de ir além e que mostrem outras possibilidades. "É importante ter o bom senso de indicar obras no contexto certo, no momento certo, senão, pode-se afastar o leitor consideravelmente", lembra Lívia.

Poesia, adaptações, livros clássicos e contemporâneos, confira o que a meninada de BH tem lido:

O Jacarezinho Mordedor, de Éllen Santa Rosa (Infantil 2 EI)

A obra conta a história de um pequeno jacaré que mordia todo mundo. Com a ajuda da mãe, ele tenta descobrir como parar com essa prática. Segundo a coordenadora geral de Educação Infantil e Ensino Fundamental (anos iniciais) do Coleguium Rede de Ensino, Toshanska Semensato, busca-se, nessa etapa, escolher obras que abordem situações pertinentes à idade. Neste caso, o livro foi trabalhado com crianças de 2 anos. "Nessa faixa etária, por estarem na fase oral, mordem muito os colegas", explica. Ela diz, ainda, que os livros fazem parte dos projetos realizados em turma, que são interdisciplinares e trabalham diferentes campos da experiência.

Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Guará, de Ângelo Machado (2º período do EI)

Releitura do conto tradicional, a obra tem o lobo-guará, típico do cerrado brasileiro, no lugar do lobo mau. Porém, o animal brasileiro não consegue fazer as maldades esperadas, o que muda o curso da história. A professora Mariana Vasconcelos, do Bernoulli Go, explica que a escolha se deu devido à mistura da literatura com temas ambientais e questões relevantes nos dias de hoje. A obra é grande para a faixa etária em questão, de 5 e 6 anos, então a leitura foi feita, em sala, por capítulos. "Isso gera curiosidade pelo que vem depois, eles ficam loucos para saber a continuidade, o que é algo interessante para uma geração em que tudo é muito imediato", afirma. A mediação da educadora, no caso, é parte do processo. "O livro é maior do que aqueles com que as crianças estão acostumadas, mas acho que podemos exigir mais das crianças, acreditar em seu potencial."

O Que Eu Quero Pode Acontecer, de Pedro Bandeira (2º ano do EF)

Livro de poemas sobre sonhar com o que a gente deseja, a importância de se esforçar para conseguir o que se quer, independentemente do tipo de desejo. Segundo Cida Viana, professora do 2º ano do ensino fundamental do Colégio Santo Antônio, a intenção na escolha do livro foi trabalhar a questão linguística tão presente na poesia e, ao mesmo tempo, o aspecto socioemocional. "Estávamos retomando o esquema totalmente presencial de aulas após mais de um ano dos alunos sem frequentar a escola diariamente. As crianças viviam um momento de insegurança", diz. O livro, conta Cida, trabalha com valores como família, cuidado com o outro, respeito, compromisso, coragem, gratidão.

Branca de Neve e as Sete Versões, de José Roberto Torero (2º ano do EF)

O livro apresenta sete diferentes desfechos para a famosa história da Branca de Neve. A vida da protagonista pode mudar completamente, mesmo que pela alteração de um pequeno detalhe na história. De acordo com a bibliotecária institucional do Colégio Santo Agostinho, Renata Castro, trabalhar com contos de fadas na escola é uma atividade prazerosa para todos os envolvidos no processo educativo, pois o tema sempre desperta interesse, envolvimento e participação. "As surpreendentes versões estimularam a imaginação e a criatividade dos estudantes, levando-os a viajar, dar muitas risadas, despertar o prazer pela leitura e escrita", diz. As muitas versões permitem aos alunos, ainda, saber que o autor não está sozinho e que o leitor pode construir uma narrativa para contar a alguém.

Pet, o Dragão e o Mistério das Pegadas Ecológicas, de Maya Reyes-Ricon e Luiz Eduardo Ricón (4º ano do EF)

O livro mistura elementos de contos de fada, histórias de fantasia e a linguagem ágil dos quadrinhos. Tudo isso se mescla com conteúdos das ciências ambientais (no caso desta obra da série do Pet, o dragão, é apresentado o conceito de "pegada ecológica", um importante indicador de impacto ambiental). Segundo a coordenadora geral de Educação Infantil e Ensino Fundamental (anos iniciais) do Coleguium, Toshanska Semensato, o livro foi trabalhado de forma interdisciplinar, no intuito de as crianças fazerem conexões não só com a leitura em si, mas também com outros aprendizados. A garotada fez análise do consumo de recursos naturais, refletiu sobre o que as famílias têm feito para contribuir para uma vida mais sustentável e desenvolveu  produtos a partir de materiais recicláveis. "Trabalhamos com uma análise contextualizada que envolveu conhecer mais sobre princípios da cidadania", afirma.

A Invenção de Hugo Cabret, do autor Brian Selznick (5º ano do EF)

História do menino Hugo Cabret na Paris dos anos 1930. O garoto cuida do funcionamento dos relógios da estação de trem, e precisa se manter invisível, porque guarda um segredo espetacular. A história é montada como um storyboard de cinema, com textos e ilustrações. A intenção, segundo a bibliotecária institucional do Colégio Santo Agostinho, Renata Castro, foi que os alunos reconhecessem a estrutura básica da sequência narrativa: situação inicial, conflito, desenvolvimento, clímax e desfecho. "A faixa etária que leu a obra é muito encantada com esse tipo de narrativa, pois os coloca à prova e ao desafio do medo. Gostam muito e, a partir daí, sempre procuram outros títulos parecidos", conta.

A Tela Que Nos Habita, de Leo Cunha (5º ano do EF)

O livro de crônicas propõe uma reflexão sobre a onipresença de telas em nossas vidas (celular, computador, televisão, cinema), e as mudanças que trouxeram para a sociedade. A meninada vai trabalhar com o gênero crônica a partir do livro do autor mineiro. Segundo Audrey Nogueira, professora do 4º e 5º ano do Colégio Santo Antônio, o senso de humor atrai os alunos, que serão convidados, após a leitura, a escrever crônicas da mesma temática. O trabalho acontecerá após uma oficina de escrita criativa com o próprio autor. "O projeto literário será um livro e uma revista eletrônica feitos a partir das crônicas que eles vão produzir", conta.

Ilíada de Homero adaptada para jovens, de Frederico Lourenço (7º ano do EF)

Adaptação em prosa do épico poema grego. O livro torna a história de Aquiles e da Guerra de Troia mais acessível para quem quer uma introdução à obra. Para Túlio Resende, professor do 7º ano do Ensino Fundamental da Escola Americana, a intenção foi trabalhar com mitologia a partir desse texto de base. A escolha pela adaptação foi uma maneira de apresentar um clássico dentro do que fosse agradável para os alunos. Ao final, a turma fez um jogo de RPG com base em mitologia. "Pedagogicamente, a adaptação é uma estratégia", explica. "Ela não pode ser um mero substituto, é preciso ter um trabalho bem feito. Sei que agora os alunos estão um passo mais próximos de ler o original em algum momento."

Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna (9º ano do EF)

Peça teatral que usa dos recursos da literatura de cordel e trata de elementos do barroco católico brasileiro, da cultura popular e das tradições religiosas. Conta a história de João Grilo e Chicó e suas peripécias. Letícia Fernandes, professora do 9º ano Ensino Fundamental da Escola Americana, diz que o objetivo foi trabalhar a cultura e a linguagem popular, bem como a literatura de cordel. O texto não era familiar para os alunos, "mas eles acharam a história engraçada e muito diferente de outras obras que conheciam". A garotada fez uma montagem da peça, desde a roteirização, cenário, figurino, até a encenação. "É importante que apresentemos coisas novas, das quais eles podem descobrir se gostam ou não, mas precisam ao menos conhecer", afirma.

Campo Geral, de Guimarães Rosa (3º ano do EM)

A obra é uma das indicadas no vestibular da Fuvest. A partir da perspectiva de uma criança, o autor fala sobre convívio familiar, cultivo de amizades, da dura vida no sertão e dos desafios humanos que devem ser superados à medida que se cresce. A professora Lussandra Drummond, da 3ª série do colégio e pré-vestibular do Bernoulli, ressalta a importância da mediação em leituras mais difíceis. "Podemos ajudar o aluno a se interessar pela obra que não é fácil, mas é encantadora", diz. Segundo ela, após uma primeira leitura, a compreensão pode se dar de maneira mais rasa. "Quando a gente vai aprofundando na sala, descobrindo as várias camadas de significados, aí é muita descoberta e interesse que a gente vê nos estudantes."

Os comentários não representam a opinião da revista e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação

Publicidade