
Ser dona do fogão de casa e servir a família é uma coisa, querer gerir uma cozinha profissional - normalmente ocupada em sua maioria por cozinheiros - é outra. "Os homens acham que não vamos conseguir por causa do físico, que não vamos aguentar carregar uma panela muito pesada. Sinto muito em dizer, tudo a que me propus fazer, dei conta", diz Sofia Marinho, chef d'A Casa de Sofia. Quando se diz que "lugar da mulher é na cozinha" normalmente é com a intenção de inferiorizar a importância feminina na sociedade. Mesmo que por séculos seja da mulher a responsabilidade de alimentar a família, a presença da mulher no comando de um estabelecimento nem sempre é fácil "de ser engolida". E os dados só jogam luz nesse caminho doloroso em que elas precisam percorrer para serem reconhecidas como chefs. Segundo uma pesquisa realizada pela marca de cerveja Stella Artois e pelo instituto Ipsos, 29% das profissionais de cozinha já sofreram discriminação de gênero ou pensaram em mudar de ramo por falta de oportunidade.
E não é de hoje que a misoginia e o machismo rondam a cozinha. Em 1890, durante um discurso, o famoso chef francês Auguste Escoffier defendeu que o homem é mais rigoroso no seu trabalho e "mais atento sobre os detalhes que são necessários para produzir um prato verdadeiramente perfeito." É a formação da brigada à francesa, com regras rígidas e pirâmide hierárquica inquestionável. Em resposta, no século XIX, começou um movimento de resistência feminina com as mères - mães, em francês. Antigas empregadas nas casas de famílias burguesas, várias mulheres se viram sem trabalho e passaram a buscar postos em restaurantes ou abriram seus próprios negócios. Inclusive, uma delas, mère Brazier, formou chefs importantes como Paul Bocuse, um dos criadores do movimento nouvelle cuisine, da década de 1960.
Mais de meio século se passou e pouca coisa realmente mudou. Ainda são raras as chefs que ganham destaque no mercado. Segundo um estudo realizado pela revista internacional Chef's Pencil, em 2022, apenas 6% dos restaurantes considerados os melhores do mundo são comandados por mulheres. A análise considerou 2.286 casas com agraciadas com ao menos uma estrela no Guia Michelin em 16 países, assim como os 100 melhores estabelecimentos do mundo classificados pelo The World's 50 Best no último ano. Trazendo isso para mais perto, entre os 14 restaurantes brasileiros que receberam estrelas na última edição do Guia Michelin, apenas um é comandado por mulher.
Não é fácil sobreviver em um mundo comandado por homens. Além de assédio sexual e moral, existe a desconfiança de que a mulher não é capaz de ser dona do seu próprio negócio. Mas há valentia feminina na cozinha profissional. A seguir, oito chefs belo-horizontinas contam suas histórias e mostram que a melhor receita para acabar com o machismo é uma só: uma mistura perfeita de educação e respeito.
Juliana Duarte | 56 anos, chef da Cozinha Santo Antônio

Marise Rache | 64 anos, chef do D'Artagnan

Agnes Farkasvölgyi | 60 anos, chef do A Casa da Agnes, Bouquet Garni e Chafariz (Ouro Preto)

Bruna Martins | 32 anos, chef da Birosca, Florestal e Espaço Casca

Mariana Gontijo | 38 anos, chef de O Roça Grande

Sofia Marinho | 32 anos, chef d'A Cozinha de Sofia

Naiara Faria | 33 anos, chef do La Palma

Gabriella Guimarães | 34 anos, chef do Okinaki
