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Novas profissões exigem formação técnica aliada ao desenvolvimento humano

Escolas e universidades adaptam currículos para formar alunos com competências técnicas, digitais e socioemocionais diante das transformações do mercado


postado em 28/05/2025 10:59 / atualizado em 28/05/2025 11:05

Áreas como inteligência artificial, big data, energias renováveis e agricultura sustentável são as que mais irão demandar profissionais: desenvolvimento deverá integrar organicamente formação técnica e habilidades adaptativas (foto: Freepik)
Áreas como inteligência artificial, big data, energias renováveis e agricultura sustentável são as que mais irão demandar profissionais: desenvolvimento deverá integrar organicamente formação técnica e habilidades adaptativas (foto: Freepik)
O mundo do trabalho vive hoje uma transformação de magnitude comparável às grandes revoluções tecnológicas da história, como a mecanização trazida pela Primeira Revolução Industrial ou a informatização do final do século XX. Porém, o que diferencia nosso momento atual é a velocidade sem paralelo das mudanças e sua natureza multidimensional e quase universal, alcançando simultaneamente os mais diversos países e territórios, mesmo que em diferentes proporções. Se no século XIX a vaporização dos processos industriais transformou as relações de trabalho ao longo de décadas, hoje a convergência entre inteligência artificial, transição energética e sustentabilidade está reconfigurando mercados em questão de anos – quando não de meses ou semanas.

Esta aceleração exponencial deixa rastros que possibilitam calcular rotas e projetar cenários futuros. Esta é a proposta do relatório “Futuro do Trabalho 2025” do Fórum Econômico Mundial (FEM) em parceria com a Fundação Dom Cabral (FDC), que aponta áreas como inteligência artificial, big data, energias renováveis e agricultura sustentável como os grandes vetores de mudança no mercado de trabalho entre 2025 e 2030. Diante desse cenário dinâmico, escolas, faculdades e universidades se esmeram em um esforço contínuo para adequar seus modelos educacionais ao presente, mirando preparar seus estudantes não apenas para as profissões de hoje, mas para aquelas que nem sequer existem ainda.

“Estamos todos aprendendo a surfar a mesma onda em tempo real”, afirma Suzana Cohen, doutora em tendências. Ela destaca o paradoxo vivido pelas escolas e universidades: de um lado, a pressão por manter um ensino tradicional que ofereça segurança e bases sólidas; de outro, a demanda urgente por inovação curricular que prepare os alunos para um mundo em constante mutação. “As escolas estão no centro desse furacão. Precisam ser âncoras de estabilidade, mas, ao mesmo tempo, motores de transformação”, reflete. Seu diagnóstico é claro: não se trata mais de escolher entre formar bem tecnicamente ou desenvolver habilidades adaptativas - é preciso fazer ambas as coisas, integrando-as de maneira orgânica.

Nesse contexto, a literacia digital e o domínio crítico das novas tecnologias emergem como eixos centrais. Cohen enfatiza que “ensinar a comandar a IA, para extrair o melhor e com a maior eficiência” está entre as prioridades. Mas não só: é preciso pensar sobre a ética de uso dessas ferramentas. “As transformações, sobretudo digitais, têm gerado cada vez mais impactos diretos no âmbito educacional. Foi assim com os celulares e o vício digital, e tem sido assim com o mau uso da IA Generativa por alunos tanto nas escolas quanto nas universidades. Neste sentido, é mandatório que as escolas foquem na literacia em IA tanto para os professores quanto para os alunos”, aponta. 

Portanto, é preciso ir muito além do simples uso instrumental de ferramentas tecnológicas – exige desenvolver nos alunos capacidades como pensamento analítico (citado por 69% dos empregadores no relatório da FEM e FDC como habilidade crucial), criatividade (57%) e aprendizado contínuo (50%). O mesmo documento, aliás, traz dados que corroboram a urgência dessas transformações: até 2030, espera-se a criação de 170 milhões de novos postos de trabalho (14% do total atual), especialmente em áreas como análise de dados, energias renováveis e IA. Ao mesmo tempo, 92 milhões de empregos existentes (8% do total) serão substituídos pela automação. Diante dessa realidade volátil, a especialista defende que as instituições educativas precisam compreender que seu papel vai muito além da simples transmissão de conhecimentos técnicos.

Curiosamente, Suzana chama atenção para um aspecto frequentemente negligenciado nesse debate: a necessidade de trabalhar também habilidades socioemocionais, especialmente com as gerações Z e Alfa, que tiveram parte importante de sua socialização comprometida pela pandemia da Covid-19. Ela adverte que não adianta formar excelentes técnicos em IA ou outras ferramentas se esses profissionais não estiverem capacitados a trabalhar em equipe, lidar com frustrações ou pensar criticamente sobre o impacto social da tecnologia que desenvolvem.

Preparação tem início na educação básica

Em Belo Horizonte, na ponta da educação básica, instituições como a Escola do Sebrae e a Rede Batista de Educação já estão traduzindo esses princípios em práticas pedagógicas concretas. Na Escola do Sebrae, que combina ensino médio tradicional com formação técnica em administração e marketing, os alunos vivenciam desde cedo a realidade do mundo do trabalho através de empresas simuladas e projetos práticos. Tiago Carvalho, professor da instituição, descreve como os estudantes são convidados, no projeto “Tutoria”, a fazer visitas técnicas em empresas já consolidadas; são integrados a uma rede mundial de escolas de empreendedorismo, participando de eventos internacionais; são chamados ao laboratório que mimetiza experiências de mercado na disciplina “Empresa Simulada”; e, por fim, são desafiados a criar planos de negócios reais no projeto “Vitrine” – que podem inclusive atrair investidores.

Além disso, o próprio sistema de avaliação foi reinventado na escola. “Avaliamos competências como capacidade de inovação e resolução de problemas”, menciona, identificando que os critérios adotados estão alinhados às considerações do relatório “Trabalho do Futuro 2025”. O modelo parece dar resultados: segundo o docente, muitos ex-alunos, mesmo os que seguiram carreiras tradicionais, como medicina ou direito, relatam que a base empreendedora recebida no ensino médio os diferencia no mercado de trabalho – inclusive, lhes conferindo, por exemplo, noções de autonomia e maturidade.  

Já a Rede Batista de Educação adotou uma estratégia diferente, porém, complementar: a integração transversal de tecnologias emergentes em todo seu currículo. Valseni Braga, diretor-geral da rede, conta que todas as 22 unidades oferecem disciplinas de robótica com objetivo de incentivar os alunos a desenvolverem habilidades em programação e engenharia desde cedo, preparando-os para um mundo cada vez mais tecnológico. “Nosso compromisso é formar cidadãos éticos, críticos e inovadores, prontos para contribuir de maneira significativa em um mundo em transformação”, garante. A instituição criou até uma Gerência de Educação Digital específica, liderada pelo professor Luciano Sathler, para garantir que a incorporação de ferramentas como IA na educação seja feita de forma criteriosa e pedagogicamente fundamentada.

“Preparar os alunos para profissões emergentes requer uma formação que vá além do conhecimento técnico, enfatizando a capacidade de adaptação e o aprendizado contínuo”, indica, sinalizando que a promoção de uma cultura de inovação e pensamento crítico, incentivando os estudantes a serem solucionadores de problemas e agentes de mudança, uma preparação que passa, necessariamente, por disciplinas e projetos interdisciplinares que abordam temas como sustentabilidade e ética, além de visar o desenvolvimento de habilidades socioemocionais

Tema é urgente no ensino superior

No ensino superior, o desafio se amplifica: como preparar profissionais para carreiras que ainda estão em gestação? Guilherme Guerra, diretor do UniBH, descreve a abordagem da instituição como uma combinação de flexibilidade curricular com imersão prática. “A imprevisibilidade do mercado de trabalho, impulsionada pela evolução da inteligência artificial, mudanças climáticas, transição energética e novas dinâmicas do setor agrícola demandam uma formação que vá além do currículo tradicional e envolvem não só as habilidades técnicas como também sociais”, reflete, complementando que, frente a esse desafio, os cursos da instituição são constantemente atualizados com base em tendências globais.

“Valorizamos a interdisciplinaridade, o uso intensivo de tecnologias educacionais e a aprendizagem baseada em projetos reais, e investimos em ambientes de inovação como laboratórios tecnológicos e espaços maker, além de incentivar o protagonismo estudantil e o empreendedorismo”, expõe. Um exemplo concreto que catalisa esse conjunto de diretrizes é o recém-lançado Titans Lab, programa que ajuda estudantes a transformarem ideias em startups viáveis – e que nasce com a ambiciosa meta de que esses empreendimentos gerem retornos financeiros que cubram o investimento na própria formação acadêmica.

O Centro Universitário Arnaldo segue caminho semelhante, com um acento especial na interdisciplinaridade. João Guilherme Porto, reitor da instituição, explica como estão reformulando os currículos para incluir componentes de sustentabilidade, ética digital e pensamento sistêmico em todos os cursos – da engenharia ao direito. “Essas habilidades não são tratadas como ‘disciplinas acessórias’, mas como princípios estruturantes da aprendizagem”, afirma. A instituição promove regularmente hackathons e desafios interdisciplinares que colocam alunos de diferentes áreas para trabalhar juntos em problemas complexos – exatamente o tipo de habilidade que o mercado futuro exigirá, conforme apontado no relatório “Futuro do Trabalho 2025”.

Porto enfatiza que, em um mundo onde 39% das habilidades atuais se tornarão obsoletas nos próximos cinco anos (segundo dados apurados pelo FEM e FDC), formar profissionais adaptáveis é tão importante quanto ensinar conhecimentos técnicos específicos. A aposta, diz ele, é em um modelo educacional que não forme apenas para o mercado de trabalho atual, mas para o ineditismo e a incerteza.

Um ponto comum a todas essas experiências é o reconhecimento de que a educação do futuro não pode se limitar às paredes da sala de aula. As parcerias com o setor produtivo surgem como elemento estratégico nessa equação. No UniBH, por exemplo, os alunos têm acesso a laboratórios compartilhados com empresas de tecnologia; já no Centro Universitário Arnaldo, programas de extensão conectam estudantes com desafios reais de organizações sociais e órgãos públicos.

Essa aproximação com o “mundo real” cumpre dupla função: de um lado, mantém as instituições atualizadas sobre as demandas emergentes do mercado; de outro, oferece aos estudantes oportunidades concretas de aplicar seus conhecimentos. Outro aspecto que permeia todas as experiências ouvidas pela Encontro diz respeito à noção de que, se o futuro do trabalho é incerto, é a educação que prepara para esse futuro.

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