
Hoje, já firmada como reconhecida sommelière de azeites, com vários prêmios no currículo (nada menos que 18, entre nacionais e internacionais), Ana se desdobra em várias atividades ligadas a esse universo. Para citar um exemplo, acompanha a produção da iguaria em olivais mundo afora. Não só. É também uma das mulheres que lidera, no Brasil, o movimento mundial Women in Olive Oil. E, ainda, consultora de mercado e marcas de azeites, jurada de concursos internacionais, colunista de uma revista de gastronomia e autora do livro “Azeite-se – Histórias, Curiosidades, Receitas”.
Além das citadas láureas, por seus projetos educacionais de divulgação do azeite no Brasil, Ana foi condecorada pelo Governo de Minas Gerais e, não bastasse, integra a lista das 100 Mulheres mais poderosas do Agro pela revista “Forbes Brasil”. Perguntada sobre a força motriz de sua jornada como azeitóloga, a mineira nem titubeia: a curiosidade. “Desde o início, essa característica me impulsionou a explorar cada nuance do universo do azeite. Para mim, ser curiosa significa estar constantemente em busca de respostas e novas perguntas. É essa curiosidade que me leva a estudar variedades de azeitona desconhecidas, a entender como diferentes terroirs influenciam o sabor e a qualidade do azeite e a explorar novas técnicas de produção e formas de consumo que possam inovar o mercado”, pontua.
Ana também afiança que o atual momento de sua trajetória está mais vibrante e desafiador do que nunca. “Atualmente, minhas pesquisas e estudos se concentram em compreender melhor as variedades de azeitonas nativas e cultivadas no Brasil, explorando seu potencial para criar azeites únicos que capturam a essência da nossa biodiversidade”. Assim, ela se considera privilegiada por formular e assinar blends para marcas de azeites de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, além de desenvolver blends exclusivos para restaurantes. “Caso do projeto mineiro do restaurante Lagar Tragaluz, do grupo paulista Bráz Pizzaria, do mercado Trella”, diz uma entusiasmada (com justa razão) Ana.
Além disso, colabora com produtores brasileiros e importadoras, oferecendo consultoria no sentido de conquistar novos mercados, bem como lançar produtos inovadores e criar, cada vez mais, acesso a um bom azeite. “Também estou envolvida em projetos educacionais sobre azeite para marcas como a Andorinha e tenho a honra de ser a embaixadora dos azeites da Zuccardi no Brasil”, discorre.
Para saber mais sobre esse universo tão intrincado quanto fascinante do azeite, assim como saber nuances da produção nacional, bem como da própria caminhada da azeitóloga neste campo, a Encontro sabatinou Ana Beloto, que respondeu a todas as perguntas com simpatia e generosidade. Confira, abaixo, trechos do bate-papo.

O que me atraiu de fato foi a complexidade por trás de algo aparentemente simples: cada garrafa carrega histórias milenares, técnicas agrícolas precisas e um equilíbrio sensorial que une tradição e ciência. Lembro-me vividamente da primeira vez em que participei da colheita. Foi ali, entre as oliveiras, que senti a verdadeira arte coletiva e cheia de detalhes que é produzir azeite. Essas experiências me tocaram profundamente e me fizeram ver o azeite não apenas como um alimento que se come com bacalhau e com pizza, mas um alimento como uma narrativa cultural — e eu queria contá-la, auxiliar o setor de azeites a evoluir, criar acesso ao bom produto e educar sobre ele.
Assim, após o estágio, permaneci na empresa como funcionária por mais 15 anos. Hoje, com 23 anos de profissão, atuando como consultora de marcas de azeites e azeitóloga, percebo que é mais do que um trabalho: é uma missão de vida. Uma paixão que me permite entrelaçar agricultura, inovação, saudabilidade, cultura e identidade local. Cada safra que acompanho ao lado dos produtores e agrônomos não é apenas um processo: é uma nova história que se desenrola, cheia de desafios e descobertas. É essa jornada contínua de aprendizado e conexão que mantém o brilho nos meus olhos e me inspira a cada dia.
Como a presença feminina neste universo do azeite vem se firmando mundo afora? Trata-se de um ambiente prioritariamente masculino?
A presença feminina no universo do azeite tem crescido de forma significativa ao longo dos anos. Tradicionalmente, esse era um campo dominado por homens, especialmente nas áreas de produção e tomada de decisões, mas estamos vendo uma mudança positiva. Mulheres têm se destacado como pesquisadoras, sommeliers e líderes em várias etapas da cadeia produtiva do azeite, trazendo novas perspectivas e abordagens inovadoras para a indústria.
Embora o ambiente ainda possa ser predominantemente masculino em algumas regiões e setores, a inclusão feminina está se fortalecendo. As mulheres estão ocupando mais espaços em conferências, competições e organizações dedicadas ao azeite, o que ajuda a diversificar e enriquecer o setor.
Em algum momento de sua trajetória, sentiu-se mais desafiada por ser mulher?
Na minha trajetória, certamente enfrentei desafios adicionais por ser mulher, especialmente em ambientes mais tradicionais. No entanto, esses desafios também me motivaram a provar minha competência e a buscar excelência no que faço. Acredito que a diversidade traz criatividade e inovação, e me sinto inspirada por outras mulheres que estão rompendo barreiras e redefinindo o que significa ser uma profissional no mundo do azeite.
O que vem a ser o movimento mundial Women in Olive Oil?
É uma iniciativa que busca apoiar e conectar mulheres envolvidas na indústria do azeite. O movimento oferece uma plataforma para compartilhar experiências, conhecimentos e recursos, promovendo a colaboração e a capacitação feminina. O Women in Olive Oil visa não apenas aumentar a visibilidade das mulheres no setor, mas também fomentar um ambiente mais inclusivo e equitativo, onde as contribuições femininas sejam reconhecidas e valorizadas. Essa rede global é uma fonte de inspiração e apoio, ajudando mulheres a superar obstáculos e a prosperar em suas carreiras no azeite.
Poderia discorrer um pouco sobre a qualidade do azeite produzido atualmente no Brasil e, em particular, em Minas... Aliás, quais características se fazem mais presentes no azeite nacional a partir dos terroirs locais?
Atualmente, a qualidade do azeite produzido no Brasil tem recebido cada vez mais reconhecimento e apreciação, tanto nacional quanto internacionalmente. O país tem registrado avanços significativos em termos de técnicas de cultivo, colheita e produção, resultando em azeites de alta qualidade que competem com os melhores do mundo.
Especificamente em Minas Gerais, a produção de azeite tem se destacado pela inovação e pelo compromisso com a qualidade. O terroir mineiro, com suas condições climáticas e de solo peculiares e olivares de montanha, confere aos azeites características únicas, como um frescor marcante, notas frutadas que refletem a diversidade e a riqueza da região, tornando os azeites mineiros uma expressão autêntica do terroir local.
Quais são os principais desafios que o cultivo das oliveiras enfrenta no país?
Na verdade, são vários os desafios, como a carência de mão de obra especializada. Veja, a olivicultura é uma atividade relativamente nova no Brasil, o que resulta em uma carência de profissionais com experiência no manejo da cultura. Há, ainda, a questão do clima. A oliveira necessita de um período de frio para quebrar a dormência e estimular a floração. Em algumas regiões do Brasil, as horas de frio podem ser insuficientes. No caso do solo, o Brasil não possui um naturalmente ideal para o cultivo de oliveiras em todas as regiões. E tem, ainda, a questão de logística e transporte. O transporte do azeite das regiões produtoras para os grandes centros consumidores pode ser caro e complexo. Por último, mas não menos importante, estão os custos. A produção em menor escala e a necessidade de colheita manual contribuem para valores mais elevados.
Uma das vertentes de sua atuação neste campo tem sido como jurada...
Atuar como jurada em competições de azeite tem sido uma experiência enriquecedora e, sem dúvida, repleta de viagens. Tenho tido a oportunidade de conhecer diferentes culturas e terroirs, explorando como cada região imprime sua identidade nos azeites que produz. Essas viagens são uma chance não só de avaliar produtos extraordinários, mas de aprender e trocar conhecimentos com outros especialistas do mundo todo. Isso envolve degustar amostras de referência e discutir as características que devemos buscar, como frescor, equilíbrio e complexidade. Uma questão crucial é ter notas mentalmente catalogadas. Ou seja, cada jurado deve ter uma memória sensorial bem desenvolvida para evitar confundir características desejáveis com “defeitos”. Por exemplo, um amargor pronunciado pode ser um atributo positivo em certos contextos, mas, sem uma referência clara, poderia ser erroneamente avaliado. Essa habilidade de discernimento é refinada através de prática contínua e estudo.
Quais são os locais nos quais o cultivo das oliveiras tem sido mais exitoso em território nacional - e, especificamente, em Minas?
No caso, o estado do Rio Grande do Sul e a Serra da Mantiqueira, mas temos produções iniciadas na Chapada Diamantina (BA), Espírito Santo e no Paraná. As regiões serranas do Rio Grande do Sul apresentam condições climáticas favoráveis, com frio e calor bem definidos. Do mesmo modo, as áreas de altitude da Serra da Mantiqueira (Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro) oferecem um clima adequado para o desenvolvimento das oliveiras.
Então, ao falarmos especificamente sobre Minas Gerais, seria mesmo a região da Serra da Mantiqueira, cujo terroir confere características únicas aos azeites, que já ganharam reconhecimento internacional. A Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) tem um papel fundamental na olivicultura do Estado, com pesquisas e apoio a produtores. A Epamig, vale dizer, foi a responsável por produzir, em 2008, o primeiro azeite experimental brasileiro, em Maria da Fé, Sul de Minas.
Ouvi um podcast (Tomei Gosto) no qual você era convidada e, em determinado ponto, contou que cultiva o hábito de, pela manhã, ingerir três colheres de azeite antes mesmo do café e da escovação de dentes... Pode me falar sobre isso?
Cultivar o hábito de degustar azeites pela manhã é uma prática que adotei com o objetivo de manter meu paladar apurado, essencial para minha atuação profissional. No entanto, (a prática) também me permite aproveitar ao máximo os benefícios para a saúde que o azeite oferece, bem como apreciar e compartilhar a diversidade e a riqueza dos azeites com amigos e família. Além desse ritual matinal, faço questão de integrar o azeite em várias outras partes do dia a dia. Por exemplo, utilizo como base em todas as refeições, seja para temperar saladas, cozinhar ou mesmo finalizar sobremesas com um fio de azeite. Gosto de experimentar diferentes variedades e blends, explorando os sabores únicos e como podem complementar e elevar o sabor de cada refeição.
Também gosto de organizar pequenas sessões de degustação em casa com azeites frescos que trago das produções. É uma maneira divertida de introduzir as pessoas a este universo e educá-las sobre as nuances e os benefícios do azeite. E mais: adoro presentear amigos e familiares. Esses hábitos refletem não só meu interesse profissional, mas uma paixão pessoal por incorporar o azeite em um estilo de vida saudável e saboroso.
O uso do azeite em sobremesas ainda causa estranheza no público menos enfronhado neste universo?
Veja, o azeite de oliva extra virgem é um ingrediente surpreendente e versátil, que pode elevar o nível de diversos doces, trazendo complexidade, frescor e um toque especial. Ele adiciona uma untuosidade diferente da manteiga, um frutado que harmoniza com muitos sabores e até uma leve picância que contrasta e equilibra o dulçor. Além do uso no preparo de mousse de chocolate, do brigadeiro e da clássica goiabada com queijo, os sorvetes e saladas de frutas vão muito bem com um fio de azeite. Vale a pena!

Ana Beloto ensina como preservar bem o azeite em casa
- “É preciso protegê-lo de quatro grandes inimigos: luz, calor, ar e tempo”.
- “Armazene o azeite em um armário fechado, na despensa ou em outro local onde ele não seja exposto diretamente à luz.
- “Nunca guarde o azeite perto do fogão, forno, micro-ondas ou de qualquer outra fonte de calor. O calor da cozinha durante o preparo dos alimentos pode aquecer o azeite mesmo que ele esteja em um armário próximo”.
- “O ideal é mantê-lo em temperatura ambiente, mas em um local fresco - temperaturas entre 18°C e 22°C são ideais”.
- “Sempre certifique-se de que a tampa da garrafa ou lata está bem fechada após cada uso, pois o oxigênio é também um grande inimigo do azeite”.
- “Tente consumir o azeite em, no máximo, 60 dias após abrir a embalagem, para aproveitar seus melhores atributos nutricionais, sabor e aroma”
Dicas da especialista
Ana Beloto não se furtou a dar alguns conselhos para quem gosta de azeite, sem a necessidade de ser um expert, fazer boas escolhas na hora da compra. Confira!
1. Data de Validade
O azeite é um suco de fruta e, como todo suco, ele oxida e perde suas qualidades com o tempo. Quanto mais recente, melhor.
2. Embalagens
A luz é um dos maiores inimigos do azeite. Evite frascos transparentes, pois o azeite já pode ter se degradado na prateleira. As garrafas devem ser escuras.
3. Envase
Consuma azeites em que a origem e o envase sejam no mesmo local.
4. Categoria
Existem várias categorias de azeite, e o azeite de oliva extra virgem é de qualidade superior e com mais benefícios nutricionais para a saúde.
5. Acidez
A acidez é um reflexo direto da qualidade da azeitona na hora da colheita e do cuidado no processo de extração do azeite. Azeitonas colhidas verdes, sadias, sem danos e processadas rapidamente em condições ideais resultarão em um azeite com baixa acidez.
7. Preço
“Desconfie de preços muito baixos. A produção de azeite de oliva extra virgem de qualidade envolve custos significativos (cultivo, colheita, extração, embalagem). É necessário no mínimo 10 kg de azeitona para se produzir um litro de azeite. Se o preço de uma garrafa de azeite virgem extra estiver muito abaixo da média do mercado, é um forte indicativo de que o produto pode ser adulterado ou de má qualidade”.
6. Avaliação sensorial
Embora a compra seja antes de provar, ao chegar em casa, o consumidor pode fazer uma avaliação sensorial básica.
Quanto ao aroma, um azeite extravirgem de boa qualidade deve ter um aroma frutado (“que remete a azeitonas frescas, grama cortada, folhas, maçã verde, etc.”). “Cheiros estranhos como ranço, mofo, metálico, vinagre, ou ‘tinta/lápis de cor’ são sinais de que algo está errado”.
Quando ao sabor, um bom azeite deve ter notas de frutado, amargor (sentido no fundo da boca, como chicória) e picância (uma sensação que”arranha” a garganta, podendo até fazer tossir).