
A retrospectiva reúne esculturas, assemblages, registros audiovisuais e as célebres Nanas, figuras femininas monumentais e coloridas que se tornaram símbolo da artista. Grande parte dos trabalhos nunca foi exibida no país. Para o curador Olivier Bergesi, ligado ao MAMAC, a atualidade de Saint Phalle está na maneira como enfrentou temas universais. “Ela aborda temas sociopolíticos ‘antigos’, como a violência sexual, a opressão das mulheres, a guerra e as relações de poder — assuntos ainda extremamente atuais”, afirma.
Nascida em 1930, na França, Catherine-Marie-Agnès Fal de Saint Phalle encontrou na arte uma forma de cura e libertação após uma infância marcada por um ambiente familiar rígido e violento, além de um abuso sexual. A pintura, descoberta durante um período de internação, tornou-se refúgio e ferramenta de transformação pessoal. Sua inserção no movimento Nouveau Réalisme, ao lado de nomes como Yves Klein e Jean Tinguely — que mais tarde se tornaria seu companheiro de vida e criação —, colocou-a entre os protagonistas da vanguarda europeia.
Entre 1961 e 1962, Saint Phalle realizou as performances conhecidas como Tirs (Tiros), nas quais disparava contra telas repletas de sacos de tinta, criando composições explosivas diante do público. Mais do que experimentos visuais, os tiros funcionavam como um gesto de resistência e catarse, no qual a artista transformava sua própria dor em criação artística. Poucos anos depois, surgiram as Nanas, esculturas exuberantes inspiradas em tradições que vão das Vênus paleolíticas à arte africana e pré-colombiana. Com elas, Saint Phalle propôs uma nova representação da mulher: múltipla, poderosa e livre de estereótipos, em diálogo com questões que só décadas depois ganhariam maior visibilidade no debate público.
Sua produção também inclui empreendimentos de grande escala, como o Jardim dos Tarôs, construído a partir de 1979 na Toscana, Itália. Inspirado nos 22 arcanos maiores do tarô, o parque reúne esculturas monumentais cobertas por mosaicos de vidro e espelhos. Nos primeiros anos da obra, a artista chegou a viver dentro de uma das esculturas, “A Imperatriz”, que simboliza a força do feminino. O espaço foi inaugurado em 1998 e hoje é aberto ao público, consolidando-se como um de seus legados mais emblemáticos.
Nas décadas de 1980 e 1990, já vivendo na Califórnia, Saint Phalle voltou sua produção a temas sociais urgentes. Criou livros, filmes e obras que abordavam racismo, HIV/AIDS, saúde mental e degradação ambiental, reforçando sua preocupação em dar voz a populações marginalizadas. Para além da estética, sua arte se tornou instrumento de engajamento e intervenção direta na realidade.
A exposição em Belo Horizonte busca traduzir essa trajetória multifacetada, apresentando não apenas obras históricas, mas também experiências imersivas. Um dos destaques é a instalação Nanas Infláveis, composta por cinquenta figuras trazidas diretamente do Jardim dos Tarôs, que transformam o espaço em um manifesto sobre vitalidade e emancipação. Outro é o Le Mur de la Rage (O Muro da Raiva), no qual a artista listou razões de indignação, como fome, racismo e poluição. O público será convidado a registrar seus próprios sentimentos, ampliando o diálogo proposto pela obra.
Para o presidente da Casa Fiat de Cultura, Massimo Cavallo, a mostra reforça o compromisso da instituição em aproximar diferentes públicos de experiências transformadoras. “Ao realizar essa exposição, renovamos o compromisso com a diversidade e a inovação, e com a construção de pontes entre tempos, territórios e públicos. Mais do que apresentar obras que pela primeira vez chegam no Brasil, oferecemos um encontro transformador com uma artista que usou a arte para reescrever a própria história e desafiar o mundo a fazer o mesmo”, destaca.
Exposição “Niki de Saint Phalle. Sonhos de Liberdade”
Período expositivo: 2 de setembro e 2 de novembro de 2025
Casa Fiat de Cultura (Praça da Liberdade, 10 - Funcionários)
Visitação presencial: terça-feira a sexta-feira das 10h às 21h; sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h (exceto segundas-feiras)
Entrada gratuita