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Estado de Minas GENTILEZA

Após morte de idealizador, distribuição de mudas de plantas em BH continua, no bairro Serra

Seu Ernani, que fornecia as plantinhas gratuitamente no bairro Anchieta, morreu em abril, mas seu legado permanece vivo graças a outra moradora da cidade


postado em 27/06/2021 23:53 / atualizado em 28/06/2021 15:07

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A histórica placa feita pelo Seu Ernani no portão de sua casa, no bairro Anchieta(foto: Arquivo pessoal)
A histórica placa feita pelo Seu Ernani no portão de sua casa, no bairro Anchieta (foto: Arquivo pessoal)
Quando usamos o famoso dito popular "gentileza gera gentileza", muitas vezes não sabemos o quão longe essa cadeia de ações pode chegar. Uma pequena notinha escrita pela revista Encontro em abril de 2019 usava justamente esta frase para começar a contar a história de Seu Ernani, um morador do bairro Anchieta, que, aos 92 anos, disponibilizava mudinhas de diversas plantas no portão de sua casa, para quem quisesse pegar. O local exibia um cartaz simples, com a frase "mudas jardim e pomar. É sua pode levar".

O trabalho voluntário de Seu Ernani, aliado à simplicidade e simpatia do cearense - morador de BH desde 1949 - encantaram e inspiraram muitas pessoas, e sua iniciativa continua reverberando pela cidade. Porém, de outras formas. Em maio de 2021, Seu Ernani, então com 95 anos, faleceu, vítima de uma embolia. Vivendo o luto e ao mesmo tempo lidando com as decorrências de uma pandemia na cidade, os filhos do cearense não conseguiram dar continuidade ao projeto.

Thaísa Magalhães no dia em que ganhou a placa que era do Seu Ernani(foto: Arquivo pessoal)
Thaísa Magalhães no dia em que ganhou a placa que era do Seu Ernani (foto: Arquivo pessoal)
Sem saber de nada disso, a administradora Thaísa Magalhães ainda estava se acostumando com as novas rotinas de Belo Horizonte, para onde havia se mudado há menos de 1 ano, quando ficou sabendo da iniciativa de Seu Ernani. Nascida em Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, e criada em Brasília, veio à capital mineira morar com o namorado e se interessou de cara pela iniciativa. Até porque, há cerca de sete anos, ela "brinca de jardinagem", segundo suas próprias palavras. "Lá em Brasília eu já havia começado a plantar sementes e a me maravilhar com essa proliferação mágica da natureza fazendo o seu trabalho", conta a administradora. A pandemia fez com que Thaísa reforçasse ainda mais o hábito, e se aperfeiçoasse em hortas e plantas em geral.

"Achei o projeto de Seu Ernani fantástico, e decidi pegar minha bike e ir até lá, para adquirir umas mudinhas e trocar uma ideia com ele", conta. Mas Thaísa não encontrou o que esperava quando chegou em seu destino. A placa não estava mais naquele endereço. Ao invés de encontrar o sorridente senhor de 90 e tantos anos, ela se deparou com o filho dele, Éber Latella, que abriu a porta e informou que o pai havia falecido no último mês, por conta de uma embolia. "Ele me disse que não tinha mais tempo para continuar com o projeto, e só tinha mais duas mudinhas", relata Thaísa.

A plaquinha do Seu Ernani no novo endereço, no bairro Serra(foto: Arquivo pessoal)
A plaquinha do Seu Ernani no novo endereço, no bairro Serra (foto: Arquivo pessoal)
Plantas, quando semeadas ou replantadas corretamente, são relativamente fáceis de reproduzir e multiplicar. As duas mudinhas poderiam se transformar em quatro, oito, dezesseis… Mas aquela perda era muito maior. "Fiquei decepcionada por não ter conseguido conhecer o Seu Ernani antes. Conversando com seus filhos, descobri que a iniciativa era muito mais do que algo particular: envolvia também uma rede de vizinhos e amigos, que visitavam, levavam frutas e sementes, sentavam para conversar. Havia toda uma comunidade de pessoas que o conheciam e o apoiavam, e eu queria muito ter sido parte dela". Bom, de alguma forma, Thaísa conseguiu.

Quando já se preparava para voltar para casa, veio a ideia: "e se eu continuasse com o projeto de Seu Ernani?". Assim, a administradora pediu autorização dos filhos do cearense para seguir com a iniciativa, e arriscou: pediu também a placa que ele usava em seu portão. Antes de aceitar, Éber titubeou. Afinal de contas, era um projeto super querido por seu pai, e aquela era uma lembrança muito simbólica. Pediu então, um tempo para pensar, mas Thaísa nem precisou esperar muito. Em alguns dias, recebeu uma mensagem no celular: "pode vir buscar a placa". "Achei o projeto dela muito interessante e logo percebi que aquela era uma grande oportunidade, até mesmo para seguir com a memória do meu pai viva", conta Éber. E assim, seu filho fez com a placa o mesmo que Seu Ernani fazia com suas mudinhas: passou pra frente, para deixar brotar em outros cantos.

(foto: Arquivo pessoal)
(foto: Arquivo pessoal)
Agora, a sinalização fica em um novo endereço: na esquina da Rua Monte Sião com Apodi, no bairro Serra. Quem passar por lá vai encontrar também algumas mudinhas que Thaísa repõe quase diariamente. São, principalmente, plantas de horta, como mudas de árvores frutíferas, boldo, manjericão. "Eu estou aqui acompanhando da minha janela, e é bem legal ver as pessoas passando, lendo a placa, levando uma ou duas mudinhas". E assim, junto com as mudas, um pedacinho do legado de Seu Ernani também é repassado, de vaso em vaso, pelos jardins de Belo Horizonte, gerando - com o perdão do trocadilho - frutos em lugares que nem mesmo ele imaginava alcançar.

Placa roubada

(foto: Arquivo pessoal)
(foto: Arquivo pessoal)
Depois do fechamento dessa matéria, fomos informados que a placa original foi furtada. Mas o trabalho e a doação das mudinhas continuam. "Roubaram a placa, mas não roubaram a minha vontade de germinar todas as sementes que encontrar", afirmou Thaísa à Encontro. Ela tratou logo de providenciar outra mensagem para avisar às pessoas sobre a doação das mudas.

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