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Estado de Minas

Recordações de outubro


postado em 05/10/2011 13:27

Alguns meses ocupam lugar de destaque no calendário. Por motivos vários, eles caíram no gosto popular. Maio, com seu belo céu, e setembro, com sua estreante primavera, são dois exemplos. Agosto, por outro lado, não conta com muita simpatia. Agora estou vivendo o meu reencontro com o mês de outubro, um mês aparentemente discreto e que alguns consideram um mês sombrio, meio triste, até. Mesmo eu, até há algum tempo, cheguei a me render a essa percepção, contraditória com minhas lembranças sertanejas dessa época do ano.

 

Quem passou a infância e boa parte da juventude no sertão árido de Minas sabe da importância e da poesia do tempo das águas. Quando a seca não é daquelas que desconhecem tempos e calendários e rezas e procissões e cruzeiros, outubro anuncia que as chuvas chegaram depois de tempos ausentes. A partir das chuvas de outubro, o sertão renasce e floresce nas invernadas. O poeta Jorge de Lima bem expressou o inverno sertanejo: “Zefa, chegou o inverno! / Formigas de asas e tanajuras! / Chegou o inverno! / Lama e mais lama, / chuva e mais chuva, Zefa! / Vai nascer tudo, Zefa! / Vai haver verde, / verde do bom, / verde nos galhos, / verde na terra,/ verde em ti, Zefa, / que eu quero bem”.

 

Além da dimensão climática, outubro tem datas bem demarcadas nos calendários universal e brasileiro: 4 de outubro é o dia de São Francisco de Assis, o mais ecumênico dos santos, que anunciou, com séculos de antecedência, a opção preferencial pelos pobres, os cuidados necessários com a natureza e o encontro solidário das mulheres e homens de boa vontade nos trabalhos de construção da paz.

 

Foi num 4 de outubro que os colonizadores portugueses, certamente levados pelos nossos antepassados índios que já o conheciam, chegaram às margens do grande rio da unidade nacional brasileira que recebeu o nome do admirável seguidor de Jesus.
No dia 2 de outubro de 1869 nasceu na Índia aquele que seria o Mahatma Gandhi, o homem que liderou o processo de libertação de seu país do domínio inglês sem ofender ninguém. O mestre da não-violência ativa e transformadora.

 

No plano nacional, tivemos a revolução de 3 de outubro de 1930, que estabeleceu um divisor de águas na história do Brasil. É verdade que o movimento liderado por Getúlio Vargas em muitos aspectos ficou aquém das melhores expectativas e esperanças que despertou em alguns setores da sociedade brasileira, mas é inegável que representou um salto no processo histórico brasileiro e trouxe o nosso país para o século XX.

 

Os trabalhadores, as mulheres, os pobres, os filhos da escravidão e do genocídio indígena começaram a ser considerados na construção do projeto nacional. A rigor, as energias que começaram a ser liberadas em 1930 continuam presentes e mais alargadas em nossos dias. Nesse processo de expansão de direitos, ocupa lugar de relevância a Constituição brasileira em vigor, promulgada também em outubro, no dia 5, e batizada por Ulysses Guimarães de Constituição Cidadã.

 

Em outubro celebramos o dia da criança, o dia do professor, Nossa Senhora Aparecida, a mais popular de todas as Nossas Senhoras – negra e encontrada por escravos. Como Francisco de Assis e Gandhi, acolhida por todas as pessoas de bem. Certa vez um amigo marxista falou-me da sua vontade de ir a Aparecida do Norte. Quis saber o que um ateu queria fazer em Aparecida. Ele respondeu-me: Posso ter dúvidas sobre Deus. Mas nenhuma sobre Nossa Senhora Aparecida...
Por fim, uma dimensão pessoal: foi também em um dia dedicado ao Santo de Assis que nasceu Maria da Conceição Patrus, minha avó, mãe, avó, bisavó, tataravó de muitos. Só os filhos foram 16. E colheu em sua casa os netos que, como eu, moravam no interior. Conheci de perto uma mulher extraordinária. Tenho-a no coração e na memória. Com ela aprendi a curtir os netos e abrir as fronteiras do coração. Sua lembrança enternecida é mais uma luz a dar vida e força ao mês de outubro – o mês 10, número da camisa do Pelé, que minha avó muito admirava. E Pelé também nasceu em outubro...

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