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Estado de Minas CIDADE | SAÚDE

Não alimente os pombos

Animais podem causar doenças e ainda outros incômodos à população. Embora não haja em BH muitos casos de infecção causada por eles, o risco é real. Por isso, projeto de lei em tramitação na Câmara prevê multa para quem alimentá-los


postado em 07/01/2016 16:01 / atualizado em 07/01/2016 16:25

A uruguaia Cecília Prattes não concorda com o projeto:
A uruguaia Cecília Prattes não concorda com o projeto: "Em toda a Europa acontece isso" (foto: Alexandre Rezende/Encontro)
Acompanhado de bengala e de uma capanguinha lotada de grãos de painço, o senhor José Melo, de 88 anos, caminha até a praça da Liberdade. Escolhe um banco, senta e assobia. No mesmo instante aparecem inúmeras rolinhas, que pousam sobre sua boina e sua mão. Porém, as que ficam no chão têm de disputar espaço com os pombos, maiores e mais encorpados. Os "bicos" também querem fisgar o alimento. "Eu jogo para as rolinhas, mas aí os pombos vêm também, o que eu posso fazer?", diz o aposentado. E é assim mesmo. Os pombos, por mais que sejam bonitinhos, têm a fama de penetras. Ainda mais quando resolvem fazer dos parapeitos das janelas, telhados ou sótãos moradia fixa. Além da sujeira e dos inconfundíveis sons produzidos (os arrulhos), eles podem transmitir doenças por meios de suas fezes. Foi o que motivou a elaboração de um projeto de lei na Câmara Municipal que prevê multa de 200 reais para quem for flagrado alimentando os pássaros em lugares públicos.

"É até bonita a cena das pessoas os alimentando, mas o caso é de saúde pública", diz o vereador Edvaldo Piccinini (PSB), autor do projeto de lei. O parlamentar acredita que, se as pessoas pararem de alimentar as aves, a reprodução dos pombos pode ser freada. Juiz de Fora (MG) e São José do Rio Preto (SP) já vivem sob lei semelhante desde 2015. Entretanto, no caso da cidade paulista, a proibição foi motivada pelo aumento dos casos de doenças como criptococose, proveniente das fezes dos pombos. O que não acontece em BH. A proposta gera polêmica entre especialistas.

Atraídos por alimentos, pombos fazem dos parapeitos de janelas moradia fixa(foto: Alexandre Rezende/Encontro)
Atraídos por alimentos, pombos fazem dos parapeitos de janelas moradia fixa (foto: Alexandre Rezende/Encontro)
"Se virar lei, acredito que não terá muito impacto. A cidade oferece outras fontes de alimentação", diz o professor e infectologista da UFMG Unaí Tupinambás. O especialista também pondera os riscos à saúde. "Cerca de 90% das pessoas que vivem em ambientes com fezes de pombos não chegam a desenvolver doenças. O próprio organismo, na maioria dos casos, combate a infecção, que nem chega a manifestar sintomas", afirma.

Estevão Urbano, presidente da Associação Mineira de Infectologia, compartilha da opinião do professor Unaí. Ele acha que o assunto merece ser melhor debatido. "Qual a incidência dessas doenças em BH? Os pombos estão doentes?", questiona. "Qualquer medida que impacta a comunidade tem de vir junto de estudos científicos", diz.

Entretanto, ambos os infectologistas concordam que há chances de patologias serem transmitidas pelas fezes das aves, caso estejam contaminadas por bactérias ou fungos (confira arte). Eles advertem que a melhor maneira de limpar as fezes dos pássaros é com água e sabão. Não é aconselhável varrer, pois, quando ressecadas, geram poeira que pode ser inalada e, consequentemente, aumentar os riscos de infecções.

Infectados ou não, os pombos não são bem recebidos no ambiente doméstico. Maria dos Prazeres Alves, de 70 anos, mora há mais de três décadas no mesmo endereço e há pelo menos 10 anos convive diariamente com as aves. "Os cachorros só se alimentam quando anoitece, pois durante o dia os pombos comem a ração antes deles", diz dona Maria. Álvaro Veloso, síndico de um prédio no bairro Santo Antônio, conta que não se cansa de pedir aos moradores para não alimentá-los. "Diariamente, somos acordados pelos pombos nas janelas", diz.

José Melo já se acostumou a jogar comidinhas para as rolinhas, todos os dias. O problema é que os pombos também comem:
José Melo já se acostumou a jogar comidinhas para as rolinhas, todos os dias. O problema é que os pombos também comem: "O que eu posso fazer?" (foto: Alexandre Rezende/Encontro)
Controlar a população de pombos é bem mais complexo. É o que diz o professor Nelson Martins, da Escola de Veterinária da UFMG. "A cidade oferece vários abrigos para as aves", diz. É o caso de prédios e imóveis abondonados. Se o problema for infestação de pombos, o aconselhado é contratar empresa especializada, que utiliza repelentes, já que não é permitido o extermínio.

De acordo com a bióloga e analista ambiental do Ibama Christiane Encarnação, a eliminação das aves só é autorizada em caso de risco à saúde pública. O órgão também orienta os moradores a não dar alimento aos pássaros.

Enquanto isso, na praça da Liberdade, a uruguaia Cecília Prattes, de 59 anos, não vê problema algum em jogar alimentos aos pássaros. Ela não gostou da notícia de que poderia ser multada se o projeto de lei for sancionado. "Sério? Em toda a Europa acontece isso", diz Cecília.

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