
A discussão é mundial e ainda não há respostas concretas, mas muitas perguntas a partir das quais especialistas e instituições têm buscado novos caminhos e ressignificado práticas tradicionais. "A educação, para acompanhar o momento em que vivemos e as nossas necessidades sociais, está sendo impelida a reinventar e repensar suas práticas", afirma Manu Bezerra, mestre em educação e pedagoga certificada como Google Innovator (programa da empresa americana que reúne pessoas que incentivam a inovação na área de educação). Isso impacta não só as metodologias - aquelas consideradas ativas, com o aluno como protagonista, estão cada vez mais valorizadas -, como o currículo, com habilidades socioemocionais, a lógica computacional e a educação bilíngue sendo parte importante do que a escola precisa agora trabalhar, e até a estrutura física, com novos formatos e espaços para propiciar diferentes formas de aprender.
"A pergunta que nos fazemos sistematicamente, que é como formar para o futuro, já teve resposta mais fácil", diz Lorena Macedo, diretora do colégio Santo Agostinho, unidade Nova Lima. "Como ninguém sabe como ele será, temos buscado projetos que vão dar fundamentos e estrutura para o jovem dar conta de lidar com a incerteza", completa. Nos últimos anos, o colégio têm investido na formação bilíngue e na internacionalização, bem como no programa de ensino integral, com uma série de tempos pedagógicos voltados para habilidades como as socioemocionais e a robótica. "Nós, da educação, temos de entender que podemos oferecer mais. Devemos oferecer o que é exigido, com qualidade, e também extrapolar, sonhar pedagogicamente", afirma. Apesar disso, Lorena acredita que não é necessário ser disruptivo em relação ao que se pratica hoje. "Isso pode e deve ser processual, pois a responsabilidade, quando se trata de educação, é grande demais. Estamos falando de formação humana", afirma. "O que não se pode é ficar parado."
O Santo Agostinho foi pioneiro em uma das principais tendências educacionais do momento, e que a partir do ano que vem deve ser oferecida em várias outras escolas particulares de BH: o bilinguismo ou imersão em inglês. O modelo pode variar, mas a proposta, em linhas gerais, é de oferecer um horário por dia de aula ministrada no idioma, sendo que a disciplina ensinada pode variar. O projeto começa com os pequenos - na educação infantil ou anos iniciais do fundamental -, pois a ideia é familiarizá-los com a língua o mais cedo possível.
Especialista na implementação de projetos de bilinguismo em escolas por todo o país, Flávia Fulgêncio, diretora da EBI (Escolas Bilíngues Internacionais) e diretora acadêmica do Grupo Green, diz que, apesar de ser o resultado mais visível, tornar os alunos fluentes no inglês não é o único propósito desse tipo de prática, que traz ainda vantagens cognitivas. "Educar em duas línguas tem diversos benefícios, e isso começou a ser percebido", explica. Segundo ela, quando se aprende uma língua estrangeira, adquire-se também um outro jeito de pensar, atrelado àquela cultura, àquela estrutura linguística, ao recorte de tempo com o qual aquele povo trabalha linguisticamente. Em termos de benefícios mais práticos, Flávia ressalta que o trânsito no meio acadêmico também se torna mais fácil, pois a educação bilíngue envolve aprender outras disciplinas em inglês (ou seja, não é o ensino da língua por si só), o que torna o aluno mais à vontade com essa prática.
Essa é uma boa notícia para quem for fazer graduação no exterior, projeto que, inclusive, tem se tornado mais comum nos últimos anos. Ao contrário do intercâmbio durante o ensino médio ou faculdade, fazer todo o curso fora era um caminho menos procurado pelos jovens, não só por ser mais caro, mas também mais burocrático, além de exigir um alto nível do idioma. "O que os alunos estão percebendo é que as universidades estão interessadas em diversidade, o que inclui muita abertura para alunos estrangeiros", explica Bernardo Cozzi, sócio da International Prep, consultoria desse tipo de serviço. O projeto de High School, que algumas escolas da cidade iniciaram há alguns anos, também é um bom caminho para a graduação fora, pois o diploma de ensino médio validado pelo ministério da educação do país estrangeiro pode facilitar essa entrada. Segundo Edna Roriz, diretora da escola de mesmo nome, que foi a primeira de Minas a ter o projeto, esse movimento vem se desenhando há anos e é sem volta. "Não dá para preparar o aluno para passar o resto da vida aqui", afirma.
Outra língua na qual os alunos deverão, senão ser fluentes, conseguir se situar, é a computacional. Aulas de programação e de robótica estão surgindo em grades curriculares e, sobretudo, em cursos terceirizados dentro e fora das escolas. Mas esse projeto deve ser pensado de forma integrada ao currículo, alerta Manu Bezerra: "Caso contrário, criamos uma série de projetos extras e a escola continua ‘chata’. E corremos o risco de a tecnologia continuar sendo apenas entretenimento para a criança". Na Fundação Torino, desde a educação infantil, alunos começam a se familiarizar com o sistema binário com as aulas de pensamento computacional, que vão se tornando mais complexas e formais progressivamente. No início, são jogos interativos, lógica e combinação. A partir do fundamental, entra a programação via plataforma Scratch, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), a favorita das instituições mais antenadas. "O aluno não pode ser refém do robô, da tecnologia, e sim protagonista desse processo", diz a diretora-geral, Márcia Naves.
No colégio Loyola, a linguagem computacional é inserida de maneira diferente. Há quatro anos, a instituição elaborou o projeto de pensamento computacional e linguagem, uma metodologia que pode ser aplicada em diferentes disciplinas, como inglês, matemática e ciências. O responsável por uma determinada matéria que estiver interessado em enriquecer o conteúdo e o aprendizado dessa maneira procura o professor Fernando Nunes, responsável por essa abordagem. "Em vez de ensinar com aula expositiva, o professor dá ao aluno a chance de aprender criando um programa", explica. Além do conteúdo daquela matéria, que vai ser abordado com essa proposta, os alunos também vão avançando gradualmente na programação à medida que vão fazendo os encontros com Fernando. "A ideia não é formar programadores, pois não somos uma escola técnica, mas que o aluno tenha acesso a essa ferramenta", diz. "Assim, ele aprende a criar, e não apenas a consumir tecnologia", afirma.
Postura ativa e protagonismo têm sido palavras-chave nas discussões sobre educação. Conceitos como metodologias e abordagens ativas, educação baseada em projetos e aprender fazendo não são novos - o último, aliás, é central na teoria de John Dewey -, mas se tornaram ainda mais necessários no contexto em que o professor não cabe mais no lugar de detentor do conhecimento a ser passado para os alunos. Seu papel tem sido pensado como o de mediador do processo de aprendizagem, que está, essa sim, em foco. O que se tem chamado de "cultura maker" (pôr a mão na massa) tem ganhado força nas escolas, por favorecer esse processo, e envolve desde projetos com produções mais simples e materiais básicos até projetos elaborados de robótica. "Esse modelo centrado na experiência favorece que se teste, erre e conserte com o processo acontecendo. O erro, assim, não é punitivo, mas parte da experiência", diz Manu.
O espaço físico amplo, as salas grandes e flexíveis e os ambientes com diferentes propostas não são imperativos, mas podem favorecer essas formas de aprendizagem. Um exemplo recente de iniciativa nesse sentido foi o tradicional colégio São Luís, de São Paulo. Desde 1918 na avenida Paulista, ele anunciou no início deste ano a mudança de endereço para a região do parque do Ibirapuera, prevista para 2020. O intuito é de viabilizar propostas pedagógicas voltadas para a mão na massa e métodos como sala de aula invertida (em que o aluno é responsável pelo aprendizado e o professor atua como orientador) e aprendizagem por projetos. Segundo a direção, as salas serão maiores e organizadas fisicamente por área de conhecimento, além de vários espaços multiúso (que serão laboratórios, salas de robótica e de atividades maker).
Em BH, a Fundação Torino prevê para o ano que vem o início de funcionamento do espaço maker, voltado justamente para esse tipo de atividade. "Será um espaço de experimentação, para criarmos protótipos", diz Márcia Naves. Já o Bernoulli inaugura em 2019 a unidade Bernoulli Go, voltada exclusivamente para a educação infantil e os anos iniciais do fundamental, cujo projeto arquitetônico também favorece múltiplas formas de aprendizagem: serão salas amplas, com paredes de vidro e disposição flexível do mobiliário, além de solário, horta pedagógica e espaço maker. "Os espaços diversificados de aprendizagem farão com que a criança tenha outras possibilidades, outras formas de aprender", diz a diretora da nova unidade, Andreza Félix. "Mas mais importante do que os espaços é o olhar do professor", ressalta.
De fato, essa nova perspectiva requer também professores atualizados e afinados com as novas práticas e propostas. "Educar para autonomia, sociabilidade, resiliência, criatividade, curiosidade, isso exige professores muito bem preparados e seguros para ocupar esse papel", afirma Cornélia Cristina Brandão, especialista em Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Bernoulli Sistema de Ensino e integrante da Comissão do Conselho Estadual de Educação. "Se você remonta no tempo, o que se exigia dos professores era domínio de seu objeto de conhecimento. Hoje, soma-se a isso a necessidade de dar atenção a essa nova dimensão", completa.
Cornélia se refere, entre outros pontos, às habilidades socioemocionais, que estão não apenas presentes em discursos sobre os desafios futuros que os alunos enfrentarão, mas já formalizadas nas diretrizes da BNCC, aprovada em dezembro passado, como parte do que a escola é responsável por ensinar. Não há fórmula única de como proporcionar oportunidades de os alunos desenvolverem essas competências, mas certamente aulas expositivas sobre esses conceitos não são o caminho. No Coleguium, há quatro anos existe o laboratório de inteligência de vida, em que estudantes da educação infantil até o final do ensino fundamental desenvolvem projetos voltados para essas competências, começando com reconhecimento e nomeação de sentimentos, entre os pequeninos, até trabalhos em torno de colaboração e comunidade para os mais velhos. No Colégio Santo Antônio, oficinas de formação e convivência são realizadas com todas as séries, além de atividades de contraturno no ensino médio em que se podem trabalhar características como o empreendedorismo e a curiosidade científica.
Segundo o coordenador pedagógico do Santo Antônio, Olavo Sérgio Ramos, no entanto, as escolas, para implementar mudanças, enfrentam alguns obstáculos no país, sendo um dos principais a forma de ingresso na universidade. "O nome apenas mudou de vestibular para Enem. Criaram matrizes, chamam de habilidades e competências, mas continuam exigindo muitos conteúdos e memorização. Nenhum país do mundo exige tanto conteúdo e tantas disciplinas quanto o Brasil", explica.
Fugindo à regra de mudanças gradativas, uma pequena escola do bairro Castelo, inaugurada neste ano, traz uma proposta totalmente diferente para BH. O ensino é integral para todos os alunos (e não dividido em turno e contraturno, mas com a grade curricular igualmente distribuída em manhã e tarde) e envolve um projeto de alfabetização no que chamam de seis códigos: língua materna, língua inglesa, matemática, corpo e mente, ambiental e criação. "O sistema educacional atual faliu", diz Maria Carolina Mariano, diretora responsável pela inovação em educação da Casa Fundamental. "Esse modelo inspirado na revolução industrial não serve mais, não consegue proporcionar uma formação humana, e sentimos que precisávamos romper com ele." No que depender dos educadores belo-horizontinos, se daqui a uns anos Pedro Álvares Cabral aportasse novamente por aqui, talvez até encontrasse boa parte das igrejas da mesma forma. Já as escolas certamente seriam bem diferentes.
O bê-Á-bá dos computadores

Rumo à internacionalização

Do italiano à programação

Aulas em vídeos, jogos, simuladores...

Foco no desenvolvimento humano e social

Incentivo a atividades extras

Inteligência emocional no currículo

Inovadora até no ambiente
