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Escolas adotam metodologias lúdicas para tratar da educação financeira

Em BH, instituições apostam no ensino desde a primeira infância: especialista defende que assunto seja tratado como prioridade


postado em 27/05/2025 09:24 / atualizado em 27/05/2025 09:40

É de cedo que se aprende: quando educação financeira é abordada já no início da vida escolar, jovens são preparados para tomar as melhores decisões ao longo da vida(foto: Freepik)
É de cedo que se aprende: quando educação financeira é abordada já no início da vida escolar, jovens são preparados para tomar as melhores decisões ao longo da vida (foto: Freepik)
Em um mundo onde decisões financeiras precisam ser tomadas a todo tempo e ecoam em diversas dimensões da vida, permeando desde as escolhas mais simples até os projetos de vida, aprender a lidar com o dinheiro já não é apenas aconselhável, mas essencial. Não por outro motivo, hoje, a educação financeira é encarada menos como um conhecimento especializado e mais como uma habilidade básica e fundamental.
  
E, preferencialmente, esse aprendizado deve começar cedo, muito antes da primeira conta bancária ou do primeiro salário, como defende Luciana Ballesteros, fundadora da Financial Experts, que oferece curso pioneiro em educação financeira para jovens brasileiros. Ela traça um panorama claro: ensinar crianças que o dinheiro é recurso finito significa prepará-las para fazer escolhas conscientes. 

“A educação financeira é transformadora na vida dos cidadãos e da comunidade. As pessoas tendem a buscar conhecimento em momentos de aperto, ou quando já perderam dinheiro. Quando levamos educação financeira desde cedo, preparamos nossos jovens para tomarem as melhores decisões financeiras ao longo da sua vida, desde como usar seu primeiro salário, onde investir seu dinheiro até como não estourar o cartão de crédito”, defende.

Para a especialista, aliás, é na simplicidade do dia a dia que se constrói essa sabedoria: quando uma criança escolhe entre gastar toda a mesada em um único brinquedo ou guardar parte para outro objetivo, por exemplo, ela está aprendendo lições que muitos adultos ainda não assimilaram. 

Essa abordagem, obviamente, vai ganhando mais camadas à medida que as crianças crescem, evoluindo de noções básicas de poupança para conceitos mais elaborados. “Quando estão entrando na adolescência, a partir dos 11 anos, podemos atuar em dois pilares: o da vivência financeira, em que eles devem começar a gerir seu próprio dinheiro e aprender a poupar e investir através da mesada e de conta corrente própria; e o do conhecimento, no qual devem começar a entender estratégias práticas para um consumo mais consciente, que ajudam nas escolhas do dia a dia, como a compra do lanche da escola, e a avaliar o quanto de desvalorização podem ter na compra de itens que não são imprescindíveis para aquele momento”, indica.

A própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC) orienta que o tema seja tratado de forma transversal, voltado ao desenvolvimento de competências como a autonomia, o pensamento crítico e o consumo consciente. Deve haver, segundo o documento,  “o estudo do dinheiro e sua função na sociedade de consumo, em diferentes momentos históricos, incluindo as estratégias atuais de marketing”.

Para Luciana, contudo, apesar da urgência do tema em um país com alto índice de endividamento da sua população, o assunto ainda não seja tratado como uma prioridade na agenda das crianças e dos adolescentes – como fazer um curso de idioma ou praticar um esporte. “Mas sou otimista, acredito que o tema vem se tornando mais recorrente e, aos poucos, os pais têm entendido a importância de levar educação financeira para seus filhos”, torce, assinalando perceber um movimento crescente de famílias que demandam a educação financeira sendo tratada também nas escolas.

Apelo lúdico

Em Belo Horizonte, a necessidade de educar crianças e adolescentes para uma relação saudável com o dinheiro vem sendo suprida nas salas de aula de escolas que se esmeram na formação de cidadãos financeiramente conscientes. Um projeto que se começa de pequeno, como ocorre na Escola Visconde de Sabugosa.

Na instituição, que atende crianças de 1 a 5 anos, Por lá, foi criado um espaço lúdico para que os alunos com mais de 3 anos possam viver a experiência de gerir o próprio orçamento em um mercadinho simulado, enfrentando dilemas reais com orçamentos limitados. “As crianças amam simular a comercialização dos produtos. Assim, aproveitamos diferentes situações para promover a compra e venda, como vender o envelope com figurinhas para preencher o álbuns temáticos. Quando saem repetidas, eles fazem trocas entre si para completar o álbum”, explica Lilian de Oliveira Costa, diretora da instituição.

Ela prossegue indicando que o assunto é introduzido aos alunos de forma divertida e natural. “Apoiamo-nos em projetos, histórias, jogos e brincadeiras que simulam transações econômicas e ensinamos as crianças a, antes de comprar, pensar se realmente precisam daquilo e, antes de se desfazer de algo, refletir sobre sua utilidade e destinação”, explica. “Além disso, aproveitamos para trabalhar campanhas solidárias, contribuindo para o desenvolvimento de uma cultura de sustentabilidade e preservação”, complementa.

A iniciativa de trazer a educação financeira para o ambiente escolar partiu da própria instituição, sendo geralmente muito bem recebida pelos pais. “Esse tema sempre me despertou interesse. Acredito que é de pequeno que se aprende. E saber administrar o dinheiro é uma habilidade fundamental para alcançar estabilidade financeira e realizar sonhos”, sinaliza Lilian.

Interdisciplinaridade

Alunos do Edna Roriz em aula de educação financeira: em espaço lúdico, alunos vivem a experiência de gerir o próprio orçamento em um mercadinho simulado, enfrentando dilemas reais com orçamentos limitados (foto: Escola Edna Roriz/Divulgação )
Alunos do Edna Roriz em aula de educação financeira: em espaço lúdico, alunos vivem a experiência de gerir o próprio orçamento em um mercadinho simulado, enfrentando dilemas reais com orçamentos limitados (foto: Escola Edna Roriz/Divulgação )
O Colégio Edna Roriz, que atende crianças desde a creche até o ensino médio, também traz uma abordagem interdisciplinar e integra a educação financeira a outros conhecimentos, como a sustentabilidade. Italo Multari, professor de matemática, conta que, para fins didáticos, a escola criou um armazém com bancadas contendo embalagens de produtos comumente encontrados em supermercados.

“Cada produto é etiquetado com valores de mercado, há placas que indicam as promoções da semana, folhetos publicitários para comparar com preços de supermercados vizinhos, além de calculadoras e caixa registradora”, relata, pontuando que, neste lugar, os alunos são estimulados a fazer cálculos matemáticos de números inteiros e decimais, manusear calculadoras, analisar porcentagens de nutrientes dos alimentos, pensar sobre as melhores soluções de acondicionamento dos alimento e comparar valores.

Aliar o tema ao meio ambiente é outra característica da instituição. “Paralelamente, a consciência ambiental de produção de descartes é realçada durante os ensinamentos, pois a reciclagem de embalagens, sua reutilização e descarte correto são temas recorrentes”, acrescenta a bióloga Maria Amélia Campolina Machado, responsável pelos projetos de sustentabilidade do colégio.

Partindo do princípio que o comportamento dos pais é espelhado pelos filhos, a instituição criou estratégias para introduzir as famílias nas dinâmicas escolares que envolvem a gestão de recursos. “Tivemos a experiência, juntamente com os pais, de abrir uma conta poupança para cada criança e todo o valor recolhido com troco de lanche ou de sua mesada era depositado e acompanhado pelos alunos. Ao final do ano letivo, os pais e os filhos decidiam se continuariam ou não com a conta. Uma outra ação é sugerir aos pais comprarem os lanches e/ou almoço pelo site da escola e entregarem as fichas aos filhos para que os mesmos as gerenciem”, conta o professor Italo Multari.

Abordagem contextualizada

Elaborar uma abordagem contextualizada, que transforma conceitos abstratos em vivências palpáveis é o foco na Fundação Torino, instituição atua como escola internacional, da educação infantil ao ensino médio, regulamentada pelos governos brasileiro e italiano. Lá, os alunos criam sua própria moeda, gerenciam projetos coletivos e debatem eventos econômicos globais adaptados à sua realidade. 

“Realizamos atividades como feiras e lojas simuladas, criação da ‘moeda da turma’, planejamento de pequenos orçamentos e dinâmicas de trocas e escolhas, sempre priorizando a participação ativa dos alunos e estimulando que as crianças e os jovens compreendam o valor do dinheiro, a importância de fazer escolhas e de priorizar necessidades, além de reforçar as noções de responsabilidade individual e coletiva”, examina Arthur Zallio, professor em turmas da Media e Superiore (Fundamental II e Ensino Médio, respectivamente).

“Ao trabalharmos conceitos como consumo consciente, reutilização de materiais e responsabilidade social, mostramos aos alunos que cuidar bem do dinheiro também é uma forma de cuidar do planeta e, por fim, inserimos discussões sobre situações atuais, como inflação, variações de preços e até eventos globais com impactos econômicos – sempre de forma adaptada à realidade e linguagem das crianças”, complementa, Zallio. 

O professor cita ainda que alguns alunos do Ensino Médio participaram, neste ano, de um estágio online na Banca d’Italia, o Banco Central italiano, no qual passaram por todas as etapas de planejamento e execução de um projeto de educação financeira para jovens, abordando temas como inflação, juros e diversificação de investimentos. 

O envolvimento com o tema, aliás, já vem dando frutos: em 2023, estudantes da Fundação Torino venceram concurso internacional com projeto que unia economia e meio ambiente.  “Nossos alunos do Fundamental I foram premiados em um concurso internacional promovido pela Banca d’Italia para a criação de uma cédula de dinheiro imaginária a partir  do tema ‘O grande calor e o grande frio: os recursos da Terra não são infinitos’”, orgulha-se Nicla Dorsaneo, professora no Elementare (Fundamental I).

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