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Estado de Minas ENTREVISTA

Mateus Simões diz que a situação de Minas é pior do que a anunciada

Coordenador da equipe de transição do governador eleito fala dos números alarmantes de Minas Gerais, dos desafios que encarou na função e das dificuldades que Zema terá no primeiro ano de mandato. Mas não esconde o otimismo


postado em 07/01/2019 13:48

(foto: Violeta Andrada/Encontro)
(foto: Violeta Andrada/Encontro)
Mateus Simões não gagueja. As respostas estão sempre na ponta da língua, como se tivesse ensaiado horas antes de uma entrevista. A destreza com as palavras se deve, talvez, à função de advogado, que exige sobriedade e objetividade. Esses atributos, por sinal, foram importantes para encarar, aos 37 anos, a espinhosa tarefa de comandar a equipe de transição do governador eleito, Romeu Zema, de seu partido, o Novo. Ao discorrer sobre a situação crítica do estado e apontar possíveis saídas, a pergunta óbvia é: "Mas não vai mesmo participar do governo?" A resposta vem sem titubear. "Tenho compromisso com Belo Horizonte. Ela continua pobre, feia, suja e perigosa. Se a gente não olhar para ela, a cidade não vai mudar", diz o vereador licenciado, que rechaça a ideia de ocupar um cargo no governo do estado. Com o diagnóstico de Minas em mãos, Mateus sentencia que Zema não terá vida fácil. Aponta, entretanto, a primeira saída: cortar as gorduras. A poucos dias de deixar a função, Mateus Simões falou a Encontro sobre a estratégia criada para a transição de governo, os números alarmantes das contas do estado e o inchaço que toma conta da máquina pública.

  • Quem é: Mateus Simões Almeida, 37 anos

  • Origem: Gurupi (TO)

  • Formação: Graduado e mestre em direito pela Faculdade Milton Campos (BH-MG)

  • Carreira: Foi coordenador da equipe de transição do governo de Romeu Zema. É vereador pelo Partido Novo, eleito em 2016. É professor da Faculdade Milton Campos e da Fundação Dom Cabral. Procurador licenciado da Assembleia Legislativa de Minas Gerais

ENCONTRO – Como foi a experiência de comandar a equipe de transição do governo de Romeu Zema?

MATEUS SIMÕES – O trabalho não é diferente de qualquer outro de diagnóstico. O que eu fiz foi coordenar o trabalho das melhores entidades que conhecia no estado. Trouxe a Fundação Dom Cabral e os institutos Áquila e Falconi. O trabalho foi dividido em três frentes: diagnóstico de políticas públicas, diagnóstico de finanças e diagnóstico de estrutura de pessoal, que revelaram uma situação dramática. Foi um trabalho desafiador, especialmente, porque as informações não foram disponibilizadas pelo governo atual da forma que esperávamos. Passei muita raiva, mas não tomei nenhum susto.

O governo atual chegou a negar senhas de acesso aos sistemas. Como isso prejudicou o trabalho?

Existem dois sistemas que precisavam ser abertos e não foram. O sistema que trata das finanças do estado, o Siafi, e o que trata do controle de pessoal, o Siasp. Há, nesses sistemas, informações sobre as despesas lançadas pelo estado, mesmo as que não foram quitadas. No Portal da Transparência, só tenho acesso às despesas pagas. Assim, não consigo saber, por exemplo, quais repasses não foram feitos aos municípios. Tivemos de buscar essas informações junto às 853 cidades do estado, o que é muito mais complexo. Nosso trabalho, contudo, não foi prejudicado. Ficou mais complexo.

Quais números preocuparam mais a equipe de transição?

A situação do estado é pior do que a anunciada. Sabemos que Minas tem quase 10 bilhões de reais de repasse em aberto com os municípios e que o déficit, que está no orçamento como 11,4 bilhões de reais, é superior a 20 bilhões de reais. Pode chegar a quase 30 bilhões de reais. Esses dois dados, sozinhos, já nos deixam muito preocupados, pois sabemos que os municípios estão entrando em colapso financeiro. E a situação do caixa é tão grave que dificilmente o governo terá condições de regularizar, no início de 2019, tudo que está em atraso.

Há alguma previsão de regularizar o pagamento dos servidores do estado?

Gustavo Barbosa, secretário de Fazenda já anunciado, acredita que ainda no curso de 2019 é possível colocar os salários em dia, passando por alguns requisitos que o governador tem defendido. O primeiro é renegociar a dívida com a União. Outra medida são os cortes que chamamos de privilégios e excessos, onde estão os cargos comissionados e a frota de aviões e helicópteros do governador, por exemplo, algo extremamente desnecessário.

"O inchaço é o responsável pela situação fiscal do estado, não a crise econômica. Só na Cemig há mais de 700 cargos ocupados por indicados do governador, com salário médio de 38 mil reais" (foto: Violeta Andrada/Encontro)
Os cortes virão cedo?
Vamos ter de passar por cortes muito mais rápidos. Sabemos que 89% de despesas do governo é para pagar pessoal ou rolagem de dívida. Sobra, portanto, apenas 11% para investir. Outro dado que nos impressiona é o volume de cargos de chefia, que chegam a quase 20 mil. São cargos que, de alguma forma, exercem funções de chefia. Só de comissionados são 4 mil, que são de livre nomeação do governador. Eles são, portanto, o espaço da repartição política, de poder. É nesse momento que se acaba colocando quem tem indicação política, e não técnica. Por isso o governador vai propor uma reforma administrativa. O estado não tem condições de suportar isso. As pessoas podem falar que as medidas serão muito duras. Ora, as medidas são necessárias para tornar o estado mais responsável. E quem acha que medidas de austeridade são impopulares, digo que impopular é pagar salário em três parcelas e atrasar oito meses o 13º salário.

A ideia é cortar os cargos comissionados? Qual seria a quantidade ideal?

O governador pensa em cortar 80%. Há cargos, como os próprios secretários, que precisam ter maior liberdade de escolha pelo governador. Agora, para chefiar os serviços em geral, não faz o menor sentido chamar pessoas de fora. Os mais capacitados são aqueles que já conhecem a estrutura, e nós estamos falando de um estado que pode contar com uma escola de governo como a Fundação João Pinheiro. Temos mão de obra qualificada. Temos condições de usar nossos próprios quadros e custa até mais barato, porque essa pessoa já recebe. Nesse caso, deve-se apenas gratificá-la pela função.

Como foi atuar na equipe de transição com os voluntários?

Um dos eixos da transição foi formado só por voluntários, coordenado por Rodrigo Paiva – que foi candidato pelo Partido Novo ao Senado. Eles mapearam as empresas públicas, fundações e conselhos. Realizaram ainda peneiras em contratos estratégicos do estado. Muitos vão atuar conosco quando o secretariado já estiver formado. No escritório de transição, metade da mão de obra é voluntária. Uma das alegações do governo para não nos ceder as senhas, inclusive, é que as daríamos aos voluntários, o que é uma mentira. Solicitei as senhas para mim. Então, foi só uma desculpa para não nos passar as senhas. E o que mais me assusta é que o governo atual vê a presença dos voluntários como algo negativo. Isso mostra que a nossa leitura em relação à transparência é bem diferente da deles. Gostaria que todos os mineiros tivessem a visão do que acontece no estado.

Há informações que ainda não foram divulgadas, mas que preocupam o futuro governo?
Há levantamentos que vão passar por uma investigação ainda mais profunda, por exemplo, nos contratos de terceirização do governo. Sabemos que o contrato com a MGS, por exemplo, custa 500 milhões de reais por ano. As estatais também nos parecem estar absolutamente inchadas. Só o grupo Cemig teria algo de 700 empregados, ao custo de folha de 500 milhões de reais por ano. A indicação política é um crime, no sentido econômico, porque ela destrói as condições de existência dessas empresas. Temos de limpar a máquina pública desses excessos.

Ao ter acesso aos números do estado, você percebe que a situação é pior do que imaginava?

Não. Mas o que acabei descobrindo foi que chegamos a essa situação por causa do inchaço da máquina pública. Está claro que estamos, há duas décadas, carregando uma estrutura muito pesada para o estado. Portanto, o inchaço é o responsável pela situação fiscal do estado, e não a crise econômica. Só na Cemig há mais de 700 cargos ocupados por indicados do governador, com salário médio de 38 mil reais. Só esse pessoal custa ao ano 500 milhões de reais ao governo. Se isso, por um lado, me deixa entristecido, por outro, me parece que, se fizermos o dever de casa, ou seja, sanear os excessos e aguardar o retorno da atividade econômica, talvez, tenhamos uma solução mais rápida. O resto depende da renegociação da dívida com a União e da retomada da atividade econômica.

Qual a importância de se reduzir o número de secretarias?
Devemos chegar a 9 ou 11 secretarias. Mas o impacto da redução de secretarias não é financeiro, é de gestão. Não há condições de chefiar 21 secretariais (número atual). O governador precisa ter um número de subordinados diretos que ele consiga reunir em uma mesa, para que a reunião não seja apenas boa para foto. Não há gestão possível da forma atual. Há pessoas que falam que o governador Romeu Zema não possui experiência de gestão pública. Mas a gestão pública que eu conheço é essa de falta de eficiência e a que vem atrelada à divisão política dos cargos. Essa experiência ele não vai adquirir. A experiência que ele quer implantar é a de gestão austera. Menos gente e mais resultado.

"Para quem acha que medidas de austeridade são impopulares, digo que impopular é pagar salário em três parcelas" (foto: Violeta Andrada/Encontro)
O governo vai voltar para a Cidade Administrativa?
O governo volta no dia 1º de janeiro para a Cidade Administrativa. O governador não vai despachar no Palácio da Liberdade porque indo para lá não há desmobilização daqui. Aqui continua existindo, o que demanda manutenção do prédio. O governador não pode ficar a mais de 20 quilômetros de seus secretários e, como o governador não vai usar a frota aérea, ele tem de estar perto daqui. Ele, inclusive, vai morar no Vetor Norte pagando seu próprio aluguel. O Palácio das Mangabeiras custa 30 milhões de reais por ano.

O senhor disse que não vai assumir cargo no governo. Mas não parece algo improdutivo, já que está conhecendo toda a realidade do estado?
Não. Só para quem acha que isso aqui é um lugar para ficar dividindo favor com amigos. É como os outros governos sempre fizeram. Eu não saio no final da transição, saio já no dia 14 de dezembro. Esse diagnóstico tem de servir para qualquer pessoa ler, não apenas para mim. Afinal, o governador não está aqui. Então, o diagnóstico não serve para ele? O problema é que, tradicionalmente, a transição política é vista para ocupar o poder. Não é hora de quem manda estar na frente, mas de quem diagnostica. Essa foi a grande ruptura do governador Romeu Zema. A transição em três etapas, com diagnóstico, conversas temáticas e a preparação de atos que serão tomados nos dia 2 e 3 de janeiro.

O senhor foi o primeiro vereador a ser eleito em BH pelo Partido Novo. Quais os principais desafios que vem enfrentando na Câmara Municipal?
Tivemos o desafio de fazer com que os outros vereadores percebessem que nós não seríamos inimigos da Câmara. Não faríamos, contudo, parte da velha estrutura do Legislativo. Não adiantava oferecer vantagens, conchavos, pois não iríamos participar. Com o tempo, os outros vereadores começaram a perceber que essa velha estrutura, apesar de ainda existir, está morrendo. Isso não acontece apenas pela presença do Novo, mas pela participação de outro perfil de político. Um perfil que é acompanhado pelos eleitores de perto. Os meus eleitores, por exemplo, me acompanham na Câmara e dão opinião sobre o que faço. As nossas reuniões são gravadas e publicadas nas redes sociais. O desafio é mostrar para a velha política que o novo, no sentido literal da palavra, chegou. Ou os outros parlamentares se adaptam ou vão sair da política.

Não tem vontade de concorrer a algum cargo no Executivo?
Tenho na verdade um perfil mais para o Legislativo. Mas é claro que me encanta a ampla quantidade de oportunidades que temos para fazer as coisas melhorarem. Como diz na terra da minha avó, Campina Verde, no Triângulo Mineiro, quando mato é muito alto até foice cega faz estrago. Há tantos problemas que eu queria que me dessem apenas 30 dias para resolver. Mas tenho certeza de que os secretários têm competência para isso. Volto para a minha cadeira na Câmara Municipal porque tenho um compromisso com a cidade. Ela continua pobre, feia, suja e perigosa. Se a gente não olhar para ela, isso não muda. BH é a capital que mais empobreceu no Sudeste nos últimos 20 anos. Ela precisa de atenção. Há muita coisa para fazer no Legislativo. Digo constantemente que as transformações de longo prazo sempre acontecem nessa esfera. O Executivo cuida é do momento e precisa ser mais bem cuidado do que foi até agora.

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