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Estado de Minas PERFIL

A professora mineira que acumula prêmios em torneios de trovas

Wanda Mourthé já ensinou em universidades como a Sorbonne Nouvelle, de Paris


postado em 14/06/2019 13:48 / atualizado em 17/06/2019 16:25

A mineira Wanda Mourthé (com o troféu de 1º lugar nacional do torneio Lilinha Fernandes 2014) lembra da primeira trova que escreveu, quando morava no exterior:
A mineira Wanda Mourthé (com o troféu de 1º lugar nacional do torneio Lilinha Fernandes 2014) lembra da primeira trova que escreveu, quando morava no exterior: "Foi uma reação à felicidade que senti ao receber notícias do Atlético Mineiro" (foto: Violeta Andrada)
Cabelos brancos como algodão, bom humor afiado e muita sensibilidade. Essa é Wanda Mourthé, uma das mais talentosas trovadoras de Minas. Com prêmios nacionais e internacionais, sua criatividade vai das rimas líricas ao humor. Talvez você nunca tenha ouvido falar sobre concursos de trovas, mas no Brasil milhares de pessoas se dedicam ao torneio em uma disputa acirradíssima. Desde que se associou à UBT (União Brasileira de Trovadores), na década de 1990, Wanda se orgulha de ter seus versos escolhidos entre milhares que tentam conquistar espaço, nesse mundo em que poetas constroem estrofes de quatro versos, com sete sílabas poéticas cada.

"Alegrias coleciono
neste meu tardio amor 
É na colheita do outono
que os frutos têm mais sabor"


Antes de revelar seu talento com as rimas, Wanda Mourthé já tinha intimidade com as palavras. Professora de português, francês e inglês, formada em letras pela Universidade de Argel (Argélia) e também pela UFMG, ela concluiu seu mestrado na Universidade de Sorbonne Nouvelle, em Paris, com uma dissertação sobre o escritor inglês Thomas Hardy. Na Sorbonne, ela também foi professora, por mais de seis anos. Wanda não revela a idade, de jeito nenhum. Ela se esquiva citando o escritor irlandês Oscar Wilde: “Nunca confie na mulher que diz a verdadeira idade, pois se ela diz isso... Ela é capaz de dizer qualquer coisa”. Ela não sabe ao certo quando a poesia ocupou espaço definitivo em sua rotina. Sua primeira trova nasceu por acaso. Foi na década de 1970, quando vivia no exílio, na Argélia. “Foi uma reação à felicidade que senti ao receber notícias do Atlético Mineiro”. Seu clube do coração havia sido campeão brasileiro. “Apesar dos tantos problemas que enfrentávamos no exílio, quando minha irmã me ligou com a notícia do futebol, a primeira coisa que me veio à cabeça não foram os vários meses de salários atrasados, mas versos.”

"Vim pedir informação
sobre o futebol mineiro
o nome do campeão
e também do artilheiro"

A vida da trovadora certamente rende muitas estrofes. Wanda começou a trabalhar cedo, antes da maioridade. Filha de uma família com raízes na aristocracia mineira, ainda na adolescência foi levada ao médico pela mãe. O problema? “Uma depressãozinha leve, sem motivos aparentes”, recorda. O médico foi direto no diagnóstico, disse que a questão da jovem garota eram os excessos de cuidados. Como remédio, o doutor receitou um trabalho para ocupar a mente, o que valeria por toda a vida. “De fato, mamãe, que sempre teve um coração enorme, também mimava muitos os filhos”, brinca Wanda. Humor, aliás, nunca faltou a ela. Nem a suas trovas.

"- O que te disse o doutor?
- Te deu muita informação?
- Informação? Não, amor,
é bebê... 'em formação!'"

Após a receita do médico, a adolescente ganhou o primeiro emprego em um banco. Ela ainda se lembra quando seus colegas decidiram participar de uma passeata por melhores condições de trabalho. “Na época, disseram que a mulher que participasse do ato seria demitida.
 
Eu logo pensei: ‘Isso está errado, por que só as mulheres?’” Sem concordar com a ameaça, lá estava Wanda na avenida Afonso Pena. A única mulher do movimento ganhou a missão de ser a porta-estandarte, levando a bandeira de abre-alas. Espectadora do protesto, a mãe, ex-miss e professora de culinária na loja Guanabara (com as aulas televisionadas pela TV Tupi) vibrava com a coragem da filha. Se fossem outros tempos, renderia uma trova. Mais tarde, veio o exílio na Argélia, desta vez para acompanhar o marido, envolvido com a campanha O Petróleo É Nosso. “Ele chegou a ser preso”, lembra. A situação ficou grave. “Quando fecharam o Congresso e censuraram os jornais, a Argélia recebeu 40 brasileiros.” Lá, Wanda, professora de inglês e francês, fez uma segunda graduação e deu aulas de português. “Os salários atrasavam, tínhamos dificuldades para as necessidades básicas, foi um tempo difícil”.
 
"Eu sinto, com desconforto
que ainda sou teu vassalo:
nosso passado está morto,
mas não consigo enterrá-lo!"


Depois de mais de cinco anos na Argélia, Wanda retornaria ao Brasil em um voo por Paris. Uma parada de dois dias na capital francesa, no entanto,  transformou-se em quase uma década. Lá, ela conseguiu trabalho na conceituada universidade de Sorbonne Nouvelle, onde prosseguiu com os estudos em línguas. Wanda Mourthé foi também consultora da Unesco em Angola, onde desenvolveu projetos para o ensino da língua portuguesa. “Após a independência de Portugal, havia mais de 60 dialetos no país e a consolidação da língua era uma busca.” De volta ao Brasil no início da década de 1990, rendeu-se definitivamente à poesia. Suas trovas estão reunidas em Com... passos de emoções, livro lançado em 2013. 

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