Publicidade

Estado de Minas TRADIÇÃO

Espaço de bordado em BH promove atividades culturais e inclusão social

Maria Arte e Ofício, no bairro Carmo, resgata a memória de trabalhos manuais há 30 anos


postado em 06/01/2020 16:17 / atualizado em 15/01/2020 13:39

Maria do Carmo fala com entusiasmo sobre a sua saga para reavivar a memória do bordado em Minas Gerais:
Maria do Carmo fala com entusiasmo sobre a sua saga para reavivar a memória do bordado em Minas Gerais: "O bordado é uma riqueza cultural, patrimonial, econômica e social. Um ofício e uma arte de grande valor" (foto: Violeta Andrada/Encontro)
No mundo de Maria a vida se transforma em arte por meio de riscos que se metamorfoseiam em delicados pontos de bordado. Em sua família, a arte do avesso é passada de geração para geração, como se quisesse retomar o feminino que existe em cada mulher. Assim nasceu o espaço Maria Arte e Ofício, local onde há mais de 30 anos são realizadas atividades culturais que resgatam os trabalhos manuais e promovem a inclusão social. Graduada em Belas Artes, Maria do Carmo Guimarães Pereira, de 75 anos, decidiu simplificar. "Brinco que, com o tempo, abdiquei até do segundo nome. Adotei o Maria para enfatizar toda a sua universalidade", conta.

De olhos atentos e gestos seguros, a artesã fala com entusiasmo sobre sua saga para reavivar a memória do bordado em Minas Gerais. "É inaceitável não termos um espaço adequado para fundar um memorial. O bordado está no DNA da nossa história. É uma tradição dos nossos antepassados e uma forma de expressão", enfatiza. Ainda hoje, bordadeiras da década de 1960, como Lygia Mattos, são sinônimo de requinte e mineiridade. Ícone dos bordados finos feitos à mão, suas relíquias caíram nas graças da nobreza da Europa e dos Estados Unidos, tanto que a marca belo- horizontina segue sendo referência de bom gosto no Brasil e exterior. Maria acompanhou de perto a trajetória do bordado no estado, assim como o surgimento de suas novas vertentes.

No Maria Arte e Ofício, a arte do avesso é passada de geração para geração: como se quisesse retomar o feminino que existe em cada mulher(foto: Violeta Andrada/Encontro)
No Maria Arte e Ofício, a arte do avesso é passada de geração para geração: como se quisesse retomar o feminino que existe em cada mulher (foto: Violeta Andrada/Encontro)
Há séculos, histórias de vida são traçadas à mão. Costumes de épocas são representados em barrados de vestidos, toalhas de mesas, camisolas de núpcias, túnicas de batizados, lencinhos em tecido de cambraia de linho. "O bordado é uma riqueza cultural, patrimonial, econômica e social. Um ofício e uma arte de grande valor", diz. Nascida no tempo em que a mulher tinha de ser prendada, educada e refinada, logo cedo a mãe ensinou Maria a bordar. Anos depois, quando o seu filho mais novo completou 4 anos de idade, a artesã decidiu recomeçar profissionalmente. Passou, então, a dar aulas para a filha e logo outras meninas também se interessaram por aprender. As pupilas se transformaram em mulheres e cada qual seguiu a carreira de sua preferência. "Exercer a arte do bordado não as diminui como profissionais. Muito pelo contrário. Deu-lhes a disciplina, a dedicação e a delicadeza necessárias para a realização de qualquer trabalho", diz.

No passado, as almofadas de casamento eram feitas em tecido de seda ou linho e bordadas à mão: onde os noivos se ajoelhavam juntos diante do altar(foto: Violeta Andrada/Encontro)
No passado, as almofadas de casamento eram feitas em tecido de seda ou linho e bordadas à mão: onde os noivos se ajoelhavam juntos diante do altar (foto: Violeta Andrada/Encontro)
O que a princípio era voltado apenas para crianças acabou chamando a atenção das mães e não demorou muito para que elas se juntassem ao grupo. Com um acervo de 9.800 peças catalogadas - em sua maioria recebidas de doação e guardadas em malas por falta de espaço , cada nova integrante era incumbida de resguardar a arte do bordado. "Temos pedacinhos de várias famílias reunidos aqui." Ao todo, 48 pesquisas já foram realizadas sobre o tema. Uma delas trata da importância da almofada de casamento no contexto social, religioso e familiar. "No início, elas eram grandes e retangulares, feitas em tecido de seda ou linho e bordadas à mão. O local onde os noivos se ajoelhavam juntos diante do altar simbolizava a benção da igreja àquela união." A mudança de costumes fez com que a almofada mudasse de tamanho, forma e função. Hoje, ela se reduziu a porta-aliança. "Ocorre um desprestígio do rito religioso e a supervalorização do evento social", diz. O vestido de noiva, antes confeccionado com golas altas e mangas compridas, remetia à pureza e importância da união matrimonial. Já as rendas, sinônimo de prestígio e destaque, diziam sobre a classe social a que se pertencia. "A maneira de vestir diz muito sobre a sociedade da época e o bordado faz parte de tudo isso." Para Maria, levar o bordado a sério é entender o seu valor patrimonial e antes de praticá-lo, conhecer suas técnicas e princípios básicos. Ao lado da Associação pela Preservação da Arte do Bordado (Apab), ela sonha manter viva a tradição através da instalação de um memorial sobre ofício. 

Os comentários não representam a opinião da revista e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação

Publicidade