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Estado de Minas SAÚDE

Especialista fala sobre a importância de se informar corretamente sobre o coronavírus

Diretor da Sociedade Mineira de Infectologia ressalta que é fundamental a disseminação de informações verdadeiras a respeito do surto de doença respiratória surgido na China


postado em 16/02/2020 23:50 / atualizado em 27/03/2020 13:48

O Diretor da Sociedade Mineira de Infectologia, Carlos Starling(foto: Violeta Andrada/Encontro)
O Diretor da Sociedade Mineira de Infectologia, Carlos Starling (foto: Violeta Andrada/Encontro)
A divulgação midiática sobre a pandemia do novo coronavírus tem sido ampla. A Covid-19 é o principal assunto dos sites, jornais televisivos e também conversas - muitas delas virtuais - entre familiares e amigos. O infectologista Carlos Starling, diretor da Sociedade Mineira de Infectologia, diz que informação é sempre importante, desde que vinda de fontes confiáveis, baseadas em dados e na ciência. Todo cuidado é pouco no ponto em que estamos desta epidemia, com casos já aumentando em curva exponencial no país. Confira entrevista feita em fevereiro de 2020 com o especialista:

  • Quem é: Carlos Ernesto Ferreira Starling, 62 anos

  • Origem: Belo Horizonte (MG)

  • Formação: Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Infectologista,  especialista em Medicina Preventiva e mestre em medicina

  • Carreira: Diretor da Sociedade Mineira de Infectologia e de Relações internacionais da Sociedade Brasileira de Infectologia

ENCONTRO - O coronavírus já é conhecido há décadas. O que faz deste vírus novo?

CARLOS STARLING - Ele é um vírus de uma família bem conhecida, desde a década de 1960. Mas são vários os tipos de coronavírus, sendo os mais comuns os que provocam quadros respiratórios parecidos com o de resfriado. Eventualmente, quadros um pouco mais graves são observados em idosos ou pessoas que tenham alguma doença subjacente. Tivemos em 2002 e 2012 o surgimento de dois tipos de coronavírus. O primeiro ficou conhecido como SARS, que circulou na China e em vinte e poucos países, e o segundo, o MERS, mais localizado no Oriente Médio. Este de 2019 não se conhecia, por isso se chamou de novo coronavírus 2019. Ele passou recentemente de um ciclo animal para ciclo humano, e os vírus com essa característica apresentam maior agressividade, pelo fato de ainda não termos imunidade contra essa cepa circulante. Quando faz essa passagem, causa estrago importante onde circula.

"Uma coisa tão séria quanto o surto de um novo vírus é o surto de informações falsas envolvendo o novo vírus", alerta Carlos Starling (foto: Violeta Andrada/Encontro)
O brasileiro tem o hábito de lavar as mãos com a frequência necessária?

Mesmo dentro dos hospitais, onde lavar as mãos é uma obrigação para quem trabalha ali, estudos mostram que menos de 50% dos profissionais o fazem com a frequência necessária. E são os profissionais de saúde os que mais têm chance de adquirir doenças virais e respiratórias, pelo contato com os pacientes. Se eles não lavam, imagina as outras pessoas. Mas esse hábito tem aumentado nos últimos tempos. Também é fundamental as pessoas terem consciência de que, quando estão gripadas, devem evitar passar o vírus para os demais. No Japão, a gente vê as pessoas usando máscaras, eles têm muito esse hábito. E você acha que a pessoa usa para se proteger? Não. Quando está resfriado, usa para proteger os outros. Uma infecção viral em um indivíduo hígido e jovem é uma coisa. Em um indivíduo idoso, em uma gestante, uma pessoa fazendo tratamento de câncer, é outra completamente diferente. Se no primeiro grupo, a infecção dura sete dias, no segundo grupo, pode ser letal.

Surtos como este têm algum poder pedagógico?

O surto pode passar, mas boa parte do que se aprende com ele, fica como cultura. Outra coisa importante é se atentar para o preconceito que pode ocorrer. E que tem ocorrido, agora, contra chineses. Isso é inaceitável.

As fake news têm sido um problema nesse caso?

Toda vez que temos uma epidemia ou surto em determinada região do planeta, e as informações sobre métodos de prevenção e controle andam mais rápido que o vírus, a nossa probabilidade de controle do problema é muito maior. Informação é fundamental. A gente tem de tomar cuidado para que a informação não gere histeria coletiva. E uma coisa tão séria quanto o surto de um novo vírus é o surto de informações falsas envolvendo o novo vírus. Por isso as pessoas devem ficar atentas a sites oficiais: Ministério da Saúde, secretarias estaduais de saúde, Centro de Controle de Doenças de Atlanta, Organização Mundial da Saúde. Rede de Whatsapp e outros não são fontes confiáveis de informações. Pelo contrário: geram a epidemiologia do medo.

Por ser um vírus vindo de outros animais, é possível que aconteça algo parecido aqui no Brasil, em Minas Gerais?

Isso é uma coisa natural, sempre aconteceu. Meu avô era uma pessoa muito simples, morava em uma fazenda no interior de Minas, com minha avó, e chegou um carregamento de porcos lá. Ele teve uma gripe terrível e dizia que pegou a gripe de um dos porcos, que estava gripado. Meu pai, médico na década de 1950, 1960, disse que não era possível. Hoje sabemos que isso é plenamente possível. Há ciclo de influenza no animal. Temos vírus que circulam na natureza que passam de pássaros para suínos, para outros animais. E isso aconteceu com o coronavírus, que circula entre aves, répteis e também morcegos. E não só na China, no mundo inteiro. Isso pode acontecer em qualquer região, em qualquer lugar.

"Mesmo dentro dos hospitais, onde lavar as mãos é uma obrigação para quem trabalha ali, estudos mostram que menos de 50% dos profissionais o fazem com a frequência necessária", afirma o especialista (foto: Violeta Andrada/Encontro)
Parece que estamos tendo cada vez mais surtos no mundo. É mesmo esse o caso ou só temos mais informação?

Estamos tendo mais informação. Estamos diagnosticando mais também. E, ainda, temos mais probabilidade de vírus zoonóticos (que circulam na natureza) passando para seres humanos. Isso porque o mundo está ficando pequeno, a população vai aumentando e vai ocupando espaços que eram ocupados pela natureza antes. Ao entrarmos em um ambiente diferente, podemos sair com um problema diferente. Toda vez que há devastação de espaço natural, pode haver uma consequência que a gente só vai perceber com determinadas doenças.

Será desenvolvida em breve uma vacina para o coronavírus?

É muito provável. Desde 2002, na primeira epidemia do SARS, começaram estudos sobre vacinas que envolvem o coronavírus. Por isso, os estudos já estão avançados para uma vacina contra essa nova epidemia. Mas é preciso se considerar que há pelo menos quatro fases de estudo da vacina antes de chegar em humanos. E pode haver também novidades em tratamentos. Existem drogas que já foram usadas para tratamento de AIDS que se mostraram promissoras, em testes iniciais, para o corona.

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