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Estado de Minas ESPECIAL NOVO CORONAVÍRUS

Psicanalista fala sobre os impactos do isolamento social

Segundo Maria Mazzarello Cotta Ribeiro, o que vai mudar depende de como cada um viveu essa crise


postado em 23/06/2020 22:55 / atualizado em 23/06/2020 22:55

(foto: Pixabay)
(foto: Pixabay)
A situação que a pandemia impõe é atípica e não tem sido simples para ninguém. Fora as dificuldades inerentes ao isolamento social, um dos agravantes desta crise pela qual passamos é o fato de o inimigo ser invisível. “Sabemos que é perigoso, que contamina, mas não sabemos onde ele está. Isso é muito ameaçador para o ser humano, ter que se proteger de um inimigo que não sabe onde está”, diz a psicóloga e psicanalista Maria Mazzarello Cotta Ribeiro, ex-presidente do Círculo Brasileiro de Psicanálise e do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais (CPMG).
 
A psicanalista Maria Mazzarello Cotta Ribeiro:
A psicanalista Maria Mazzarello Cotta Ribeiro: "Se tratarmos nossas questões pessoais, das quais muitas vezes passamos por cima, muitos de nós vamos crescer" (foto: Arquivo pessoal)
Por tudo isso, o período passado em quarentena pode ser definidor de diversas mudanças na sociedade. Talvez algumas sejam temporárias, outras fiquem de vez. O importante, segundo Mazzarello, é tentar passar pela crise de forma serena, respeitosa e com responsabilidade, para chegar ao outro lado melhor. Afinal, ela acredita que o modo como cada indivíduo passará por esse período é o que vai definir essas mudanças da sociedade no pós-pandemia. “É claro que há, sim, pessoas que vão voltar à rotina cegamente. Mas acho que a maioria vai pensar em como pode redimensionar as propostas da vida no dia a dia, distribuir melhor as tarefas, o que buscamos, para quê fazemos as coisas, qual o propósito de cada um”, diz. 

De que formas o isolamento social impactou psicologicamente as famílias?
 
Estávamos dormindo tranquilos, com nossos hábitos, na segurança da vida já traçada, horários definidos, obrigações elencadas, vivendo uma rotina que acreditávamos não iria mudar tão cedo. Isso nos trazia uma referência de equilíbrio, como se estivéssemos protegidos de qualquer catástrofe. Queríamos ficar mais tempo em casa, ter tempo para filhos, para hobbies - isso tudo parecia bom desde que pudéssemos escolher. Agora ficou parecendo que ter de fazer tudo isso é obrigatório e que perdemos nossa liberdade, ilusoriamente. Foi uma mudança muito grande mesmo. A isso se soma a questão de que estamos convivendo com uma ameaça de morte, de contágio, de adoecer seriamente - que é uma ameaça muito concreta, mas que tem uma característica que agrava a sensação de desamparo: é um inimigo que nós não vemos. Sabemos que é perigoso, que contamina, mas não sabemos onde ele está. Isso é muito ameaçador para o ser humano, ter que se proteger contra um inimigo que não sabe onde está.

Como foi a evolução do sentimento das pessoas ao longo do isolamento?
 
Em momentos de crise, como é o de pandemia, passa-se por algumas fases. No início da quarentena, houve uma sensação até de férias, pessoas descansando da vida atribulada, de tantos compromissos, obrigações sociais o tempo todo. Um descanso autorizado. Muitos investiram em arrumar a casa, mexer nos papéis, isso foi muito bem-vindo no primeiro momento. Acharam que essa satisfação perduraria. Depois, passou-se por momento de medo, sensação de desconforto, insegurança e uma invasão de informações muitas vezes desencontradas. Depois veio o medo do contágio, da morte, isso angustiou demais as pessoas. Para os que estão sozinhos, como muitos idosos, avós, que ficaram impedidos de acompanhar o crescimento de uma criança da família, isso foi ponto de angústia. Para pais, tem sido difícil  administrar todas as tarefas da casa, trabalho, educação online.  

Como tentar deixar a situação de ficar apenas em casa menos pesada para os filhos, para a família?
 
Acho que uma ideia é propor atividades em casa, em que eles possam ajudar. É incentivar uma proximidade de maneira lúdica. Poder fazer a convivência e as tarefas do seu dia a dia com bom humor, sem entrar em uma situação de vítima da vida, porque isso deixa a vida mais difícil. Temos uma cultura de que o serviço de casa deve ser feito por funcionários. Aqui a cultura ainda é essa, então o isolamento está sendo uma experiência diferente para as pessoas. Uns estão vivendo de maneira serena, interessante, com bom humor, achando que tudo pode ser resolvido de maneira mais prática. Outros não. Mas temos de pensar que a casa é nossa: trabalhos domésticos são para nós mesmos, e as crianças também podem ajudar. E isso tem que ser tomado como natural, porque é. Além do mais, é uma forma de as crianças se sentirem valorizadas.
 
O que vai mudar, na nossa sociedade, com a pandemia?
 
Não conseguimos saber, mas podemos fazer suposições. O que vai mudar depende de como cada um viveu essa crise. Se a pessoa atravessar bem, re-elaborando suas questões, elaborando esses traumas vividos agora, pensando em maneiras de reinventar as atividades, vai se sair melhor no final. E, se isso for um conjunto, a sociedade vai sair melhor. Se cada um tentar viver a crise com serenidade, respeito, responsabilidade, cuidando de seus medos, elaborando as fantasias, encarando as dificuldades… Se tratarmos nossas questões pessoais, das quais muitas vezes passamos por cima, muitos de nós vamos crescer.

Quais são exemplos concretos de mudanças pelas quais as pessoas poderão passar?
 
O desconhecido traz reações muito diferentes e, dependendo da estrutura psicológica de cada pessoa, ela reage de uma forma. Tem quem vá fazer dessa ameaça uma forma de reinventar a vida e crescer. Casos de solidão e reclusão, por exemplo, podem ser transformados em possibilidade de ser mais solidário com as pessoas, ainda que à distância. Até escutar mais os filhos, ter mais tempo para escutar as histórias deles. Algumas pessoas vão valorizar a vida em família que reclamavam não ter, vão descobrir quais são seus dons… Além disso, pensar na morte é uma forma de valorizar a vida: se pensar que algo pode acabar, às vezes a gente dá mais valor. É claro que há, sim, pessoas que vão voltar à rotina cegamente, sem ter elaborado nada. Mas acho que a maioria vai pensar em como pode redimensionar as propostas da vida no dia a dia, distribuir melhor as tarefas, o que buscamos, para quê fazemos as coisas, qual o propósito de cada um. 

A senhora diz que otimismo é algo importante neste momento...

Sim. Porque as pessoas otimistas, as que se cuidam, acordam pensando
em algo bom para fazer naquele dia, que cuidam dos filhos de forma atenta, essas pessoas estão imprimindo esperança, que é uma forma positiva de ver a vida. Você tem a esperança de sair do outro lado bem, senão não se cuidaria. Além do otimismo, acho que é importante também se permitir pequenos prazeres, coisas que a gente não se permitiria em outros tempos. Por exemplo, para quem está em casa, de home office, ver um filme no meio da tarde. Alguns adultos estão pensando que isso é o auge da irresponsabilidade, mas não é o caso. Se você tem o tempo, se já fez o trabalho, por que não se dedicar a algo da sua ordem de escolha? Isso também ajuda os filhos a ver que não se deve cuidar só dos deveres, que temos também prazeres, escolha dos prazeres. Pode ser ler, ler com as crianças, algo à sua escolha.
 
Como dar espaço para as crianças também expressarem suas emoções?
 
Uma forma é dar a possibilidade de elas nomearem sentimentos, o que estão sentindo. Isso ajuda muito. Os pais podem conversar sobre isso com as crianças, encaminhar a conversa para que crianças falem dos seus medos. Quando pessoas nomeiam o que estão sentindo, isso alivia. Até os pais, se estão irritadíssimos com alguma coisa, com a bagunça da casa, por exemplo, se tiverem um tempo para pensar sobre qual é o verdadeiro motivo, pode nem ser isso, no fim das contas.  

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