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Estado de Minas ARQUITETURA

As mudanças que a pandemia trouxe para as residências

O novo coronavírus deixou os belo-horizontinos em quarentena e a casa se transformou em lugar de múltiplos usos


postado em 24/08/2020 23:43 / atualizado em 25/08/2020 23:50

A médica Paula Marun, na foto com o marido Thiago e os filhos Antônio e Pedro:
A médica Paula Marun, na foto com o marido Thiago e os filhos Antônio e Pedro: "Novo quarto ficou pronto em meio à quarentena" (foto: Vanessa Gori/Divulgação)
De repente, a casa cresceu e apareceu. Virou o centro das atenções. O lugar em que muitos chegavam correndo, apenas para dormir e acordar apressados para ir ao trabalho novamente, ganhou múltiplos usos. Se transformou em local de trabalho, escola das crianças, restaurante, clube, playground, academia de ginástica e até mesmo em templo, espaço para se desconectar, para respirar. A ideia de refúgio há tempos não caía tão bem como nos últimos meses. "A casa agora é usada para quase tudo, além de ser área de acolhimento, onde estamos protegidos", diz o arquiteto Júnior Piacesi. Ao levar as pessoas para dentro de suas tocas, a epidemia da Covid-19 mudou seu modo de vida. E o jeito foi se adaptar. Com mais tempo em casa, o olhar de lince ficou aguçado. Coisas fora do lugar passaram a incomodar, novas demandas nasceram e zonas esquecidas desse mundo particular foram redescobertas e valorizadas.

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Nos últimos cinco meses, muitos projetos saíram da gaveta e trabalhos que estavam em curso aceleraram o ritmo. Os proprietários, agora, têm pressa para organizar a nova rotina. "Sendo pequena ou grande, a casa precisou se reinventar", afirma Piacesi.  Muitas vezes, mudanças sutis atingem bons resultados. Um exemplo é o layout dos móveis. A construção de bancadas que se encaixam trazem beleza e harmonia para o home office, tornando o trabalho mais leve. A iluminação é peça chave. Cria ambientes de criatividade para as longas jornadas de trabalho. Pequenos pontos de luz adaptados aos móveis trazem a sensação de aconchego. Luminárias fixas podem ser substituídas por pontos soltos que criam cantinhos poéticos. A busca é por uma casa sustentável, prática e muitas vezes com uma pegada minimalista, onde há espaço organizado - e sem excessos -, para trabalho, lazer e atividades físicas, em ambientes integrados que se complementam. E se lá fora está difícil ir e vir, ter liberdade dentro de casa não tem preço. Esse é o exemplo da médica anestesista Elisa Duarte. Ela calcula que antes da pandemia passava 70% do seu dia no trabalho e 30% em casa (incluídas aí as horas de sono). Agora, a proporção se inverteu. Elisa está testando os vários usos de seu apê de 70 metros quadrados, que ficou pronto pouco antes - que sorte! - do fechamento da cidade. Em plena Savassi, o imóvel tem 35 metros quadrados de área interna e 35 de área externa. Basta uma conversa rápida com Elisa para ver que ela confia ter acertado na construção de seu pequeno paraíso.

Disciplinada, Elisa estuda todos os dias. A mesa de atividades ganhou relevância no projeto, além do jardim e do deck. Na quarentena, a médica vem dando atenção extra às suas plantas, que ficaram vivas e mais bonitas com os cuidados da dona. "Enquanto  rego o jardim, escuto podcasts. É um momento muito bom do meu dia." O deck é lugar para relaxar, observar o céu e praticar ioga nos fins de semana. Antes da pandemia, Elisa podia ser vista circulando de bicicleta em trilhas e pela cidade. Saindo menos, ela adaptou "um rolo de bike" para a magrela e assim, conectada por aplicativos, faz o seu treino tecnológico, pedalando por circuitos do mundo. "Na minha casa cabe tudo que preciso: as quatro bikes, meus livros e as plantas." A sala integrada com a cozinha faz a amplitude crescer. A ideia é ser sustentável. Todos os móveis projetados são de fato utilizados e eles podem também ser facilmente transportados. "Tenho uma casa portátil. Para onde eu me mudar posso levá-la", diz. "Não fosse o meu trabalho, acho que não sairia." A frase espontânea de Elisa reflete o pensamento de muitos sobre o presente. "Vivemos uma época propícia para tirar do papel desejos e suprir necessidades", afirma o arquiteto Manoel Messias, proprietário da empresa de móveis planejados Certa Design.

A reforma no apartamento da médica anestesista Elisa Duarte ficou pronta pouco antes do fechamento da cidade: hoje, ela consegue fazer tudo ali, estudo, treinos e hobbies(foto: Geraldo Goulart/Encontro)
A reforma no apartamento da médica anestesista Elisa Duarte ficou pronta pouco antes do fechamento da cidade: hoje, ela consegue fazer tudo ali, estudo, treinos e hobbies (foto: Geraldo Goulart/Encontro)
Colocar em prática uma ideia antiga, como sugere o arquiteto, pode ser um pouco desafiador no início. Às vezes é difícil decidir por onde começar a reforma ou reorganização do espaço. A dica é que o ponto de partida seja por um gosto. "Se a vontade é ter um ofurô, é hora de planejar e realizar", diz Manoel. O mesmo vale para o novo home office, que pode deixar mais prazeroso o trabalho. "Nesses momentos, coisas que nos fazem bem são atrativos para pensar em mudanças", explica. Realizar um desejo foi exatamente o que fez a médica Paula Marun. Enquanto esperava pela chegada do pequeno Pedro, de 2 meses, ela transformou o quarto de seu filho mais velho, Antônio, de 2, no quarto do bebê. Antônio ganhou um irmão e também um quarto novo em folha, que ficou pronto logo depois do início do isolamento social em Belo Horizonte. "Pensamos em um ambiente amplo, iluminado, arejado e muito lúdico." A ideia funcionou. Para Antônio, o espaço colorido, que tem como tema o futebol, com direito a escorregador, é o mais divertido da casa e a primeira coisa que ele mostra para as visitas. É lá que o menino gosta de estar em boa parte do seu dia. No projeto, tudo foi pensado para durar e ser prático. A pequena mesa de desenhos  acompanhará o crescimento do garoto, se transformando mais tarde no lugar de estudos. Caixas para guardar os brinquedos estão ao alcance da criança. "A minha ideia é que daqui a algum tempo os dois irmãos passem a dividir o mesmo quarto."  Para Paula, o projeto superou as expectativas e ela não se arrepende de ter seguido em frente, apesar de uma parte da obra ter coincidido com a Covid-19.

Ao repensar o desenho de casas e apartamentos, a designer de interiores Laura Rabe diz que algumas transformações impulsionadas pelo momento valem a pena, especialmente porque devem durar. "Acreditamos que muitos dos novos hábitos vão ficar." O costume oriental de tirar os sapatos antes de entrar em casa, o hábito de trocar as roupas ou o casaco, de usar o álcool em gel para higienizar as mãos são alguns exemplos. Cabideiros coloridos ou rústicos podem dar um charme à entrada da casa, repaginando o hall. Espaços pouco utilizados podem ser transformados em home office. Para criar um ambiente silencioso, ideal para gravação de vídeos, conferências e trabalho de concentração, vale investir nos materiais. Revestimentos, cortinas e tapetes peludos ajudam a manter a acústica. Para quem vive sozinho, varandas também podem ser transformadas em home offices, com algum verde, o que ajuda a aliviar a mente. Na reorganização da casa é bom pensar em uma regra básica: "tirar o excesso e deixar o essencial", como diz Laura Rabe. O que vale é o sentimento de liberdade.

Para o arquiteto paisagista Felipe Fontes, a sensação de se estar perto da natureza se tornou indispensável. Ter por perto um pouco de verde recarrega as energias. "A vegetação ajuda na saúde mental", diz Felipe. O descanso que a natureza nos proporciona pode ser em um sítio ou mesmo na residência da cidade, em uma cobertura, na varanda ou na sala mesmo. Folhagens mais exuberantes, pequenas hortas e até árvores frutíferas, como jabuticabeiras, integram os projetos, amenizando as longas horas em casa, em frente às telas. Esse movimento de decorar com muito verde é identificado como "urban jungle" e ganhou impulso na pandemia. Como explica Felipe, o estilo também tem conexão com o crescimento da biofilia, movimento que nos leva a conviver com plantas e bichos. É a necessidade de ter a natureza nos rondando em uma relação de equilíbrio. "Faz bem um cheirinho de terra molhada por perto", explica. Felipe viu a demanda por projetos crescer nos últimos meses e acredita que ficar mais tempo em casa provocou esse desejo nas pessoas. E engana-se quem pensa que cultivar plantas é muito trabalhoso. "Às vezes, cuidados semanais são suficientes. É possível organizar essa rotina com os filhos." Além de deixar a casa mais acolhedora o paisagismo também cria novos hábitos. "Ir à floricultura e voltar para casa com um vasinho novo é um programa muito bom para o fim de semana, um consumo saudável", afirma Felipe.

Os arquitetos Marcos Franchini e Nattalia Bom Conselho, com os cães Atum e Sardinha: paisagismo ganhou força na casa e na vida da família(foto: Geraldo Goulart/Encontro)
Os arquitetos Marcos Franchini e Nattalia Bom Conselho, com os cães Atum e Sardinha: paisagismo ganhou força na casa e na vida da família (foto: Geraldo Goulart/Encontro)
Os arquitetos Marcos Franchini e Nattalia Bom Conselho concordam que as plantas fazem diferença. Eles projetaram a própria residência e, juntos, redescobriram o espaço durante a quarentena. Como passaram a trabalhar em casa, o jardim se tornou uma "área de descompressão" e foi um convite para novas rotinas. Na divisão das tarefas, Marcos ficou com o jardim e a horta e Nattalia, com as plantas internas. Todos os dias de manhã, enquanto molha as plantas na companhia dos cães Atum e Sardinha, ele aproveita para dar bom dia a quem passa em sua calçada, ao mesmo tempo que organiza as ideias para o dia. Um hábito novo. "São 40 minutos diários de terapia", admite. Marcos passou a curtir mais suas plantas nesses tempos de pandemia, entre elas muitas espécies do Cerrado como a guariroba e a quaresmeira. Recentemente, plantou uma dupla do pau mulato. "Meu jardim é jovem, mas em 10 anos vai estar muito bonito", planeja. Durante a quarentena, ele promoveu um upgrade na horta e percebeu que seu quintal é visitado por aves diversas. Passou a alimentar a passarada com mais regularidade, o que fez os visitantes crescerem em quantidade e variedade. Em horários diversos é possível ver por ali bem-te-vis, maritacas, tucanos... O projeto da casa integra os espaços, o que favoreceu o convívio do casal. Mesmo estando em locais diferentes, Marcos dando aulas on-line e Nattalia trabalhando em projetos, eles conseguem se ver e interagir.

Além de sinônimo de abrigo - e agora lazer e trabalho -, a casa também representa saúde. A arquiteta Manuela Senna lembra que crises mundiais sempre acabam trazendo renovação para os projetos. "A peste bubônica, na Idade Média, transformou o ambiente", diz. Ao ser comprovado que o sol era um fator de bem-estar para as residências, estas deixaram as vielas escuras e passaram a ser construídas de modo a preservar a luminosidade. Agora, elementos naturais mostram cada vez mais seu valor, como tramas e tear, além de pedras esculpidas a mão, que remetem ao toque humano, promovendo sensação de descanso depois de longas horas de telas.

O advogado Lucas Ezequiel de Oliveira, com a namorada, a administradora Isabel Cristina Lage: home office pode ser usado em conjunto(foto: Geraldo Goulart/Encontro)
O advogado Lucas Ezequiel de Oliveira, com a namorada, a administradora Isabel Cristina Lage: home office pode ser usado em conjunto (foto: Geraldo Goulart/Encontro)
O advogado Lucas Ezequiel Oliveira é mais um que passou a usar seu apartamento como home office em tempo integral. Trabalho, reuniões e até audiências acontecem on-line. Ao longo do dia são muitas horas em frente ao computador. Um dos quartos foi transformado em escritório. O outro lado da casa é menos sério. A cozinha integrada com a sala virou espaço para convivência e a varanda foi transformada em adega e ponto cervejeiro. "Passei a usar muito minha casa também para o lazer", diz. Lucas considera a quarentena um teste de fogo, que o fez ter a certeza de que acertou no projeto de seu apartamento. E como aconteceu com o advogado, a quarentena levou muitos a se arriscarem na cozinha, que virou a queridinha dos projetos, com materiais resistentes e de fácil manutenção. "Os revestimentos dessa área devem ser práticos, bonitos e duradouros", afirma a arquiteta Andréa Buratto. Granitos, quartzos, porcelanatos e até vidros de alta resistência estão em alta. Para quem gosta das cerâmicas, Andrea explica que elas devem ter o rejunte trabalhado em massa plástica, com impermeabilização. A pandemia reforçou o sentido da cozinha contemporânea, que une praticidade e arte.

Entre trabalho e diversão, parar para organizar a mente é essencial. Ter um canto para colocar as ideias no lugar foi o que motivou a servidora pública aposentada Patrícia Constantino a transformar sua varanda com vista para a Serra do Curral e com as paredes cobertas por ervas aromáticas em local de contemplação, orações e meditação. O projeto que encheu de cor o espaço acabou estimulando os bons pensamentos e boas práticas. É como diz a música escrita na quarentena pela cantora Vicka, que viralizou nas redes sociais: Quem é que nunca disse que faltava tempo pra ficar em casa/ ficar sem fazer nada/ calma, a vida precisa de pausa. Nada melhor que usar essa pausa para reencontrar a própria casa.

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