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Estado de Minas ESPECIAL SAÚDE

Mineiros do Ano 2020 - Carlos Starling, Unaí Tupinambás e Estevão Urbano

Eles integraram de forma voluntária o comitê da prefeitura e ajudaram a capital mineira a figurar entre os melhores exemplos do país no enfrentamento ao novo coronavírus


postado em 16/02/2021 16:00 / atualizado em 17/02/2021 00:12

(foto: Geraldo Goulart/Encontro)
(foto: Geraldo Goulart/Encontro)
O primeiro encontro dos infectologistas Carlos Starling, Estevão Urbano e Unaí Tupinambás com o prefeito Alexandre Kalil foi em uma terça-feira pela manhã. Naquela altura, 17 de março, o novo coronavírus já havia chegado a BH - a confirmação do primeiro caso na cidade tinha sido no dia anterior. Convidados pelo secretário municipal de saúde, Jackson Machado, para uma possível colaboração para o manejo da pandemia na capital, os três - que nunca tinham conversado com o prefeito antes desse primeiro encontro - saíram da reunião já definidos como os nomes à frente do combate ao Sars-Cov-2 na cidade. No fim daquela mesma manhã, estava assinado o decreto de criação do Comitê de Enfrentamento à Covid-19.

"Naquele dia conversamos, falamos sobre a situação da cidade, nossas preocupações, e eu apresentei dados e projeções estatísticas que tínhamos para BH caso nada fosse feito, porque eu tinha acabado de fazer um trabalho em cima dessas projeções", conta Starling. "O prefeito puxou a cadeira e falou: ‘Senta aí e me fala o que eu tenho de fazer. Eu entendo de inundação, desabamento, que são da minha área, de engenharia. De vírus, não entendo, vocês que vão me orientar no que eu devo fazer’." No mesmo dia, o comitê começou a trabalhar e a primeira medida indicada foi, de cara, a mais extrema: fechar a cidade. "Sabíamos que tínhamos de fazer o achatamento da curva e que o quanto antes se fecha, melhor. Se antes dos primeiros 50 casos, as estratégias são mais efetivas", explica Urbano, presidente da Sociedade Mineira de Infectologia.

Avaliando em retrospecto, os três seguem firmes em apoio à rigidez com a qual foi conduzida a pandemia em BH - foram quase dois meses com todos os comércios e serviços fechados, exceto os essenciais; em seguida, início de uma flexibilização, para, então, um revés total. De agosto a dezembro, desenrolou-se a reabertura gradual, com a grande maioria dos setores funcionando, ainda que sob protocolos específicos. "Nós buscávamos informações junto aos técnicos da secretaria de saúde, que são competentes e muito dedicados", explica Tupinambás. "Tem sido um dos trabalhos mais difíceis da minha vida profissional, e eu já trabalhei na epidemia de Aids, zika e febre amarela. É realmente uma tarefa muito difícil, muito desafiadora."
Segundo os infectologistas, com a preservação de vidas em mente como primeira e principal meta, o modelo intermitente que adotaram garantiu que ninguém na capital tenha morrido de Covid-19 por falta de leito ou atendimento em 2020. O achatamento da curva também permitiu que se desse tempo para aprendizado sobre a doença, suas características e tratamentos. "Isso fez com que o risco de morrer do paciente tenha diminuído. Em março, quem se internou tinha risco de morte próximo de 50% e hoje, em média 12%", explica Starling. BH passou o ano como a capital acima de 1 milhão de habitantes com menor taxa de mortalidade pela doença no país. Em dezembro, essa taxa era de 68 óbitos por 100 mil habitantes, segundo o Ministério da Saúde.

A escolha por participar voluntariamente do Comitê significou poucas horas de sono para os três conselheiros ao longo do último ano. Reuniões presenciais três vezes por semana, bem como trocas de mensagens diárias por aplicativos, foram acrescentadas às demais atividades em hospitais, clínicas, grupos de pesquisa, outros comitês, aulas e reuniões de sociedades de especialização que eles já realizavam. Fora os convites para palestras, aulas, reuniões e entrevistas aos quais foram chamados devido à atuação no grupo de enfrentamento da prefeitura.

O trabalho extra não parece incomodar. O trio é unânime em dizer que vê a atividade como uma forma de retribuição à sociedade. Eles também afirmam não se intimidar com ameaças virtuais e xingamentos que escutam desde que se tornaram conhecidos dos belo-horizontinos devido às aparições em coletivas de imprensa da prefeitura para anunciar novas etapas de flexibilização ou fechamento. Mensagens com fake news, como associação dos médicos a partidos políticos, circularam nas redes sociais. Até durante a caminhada com seu cão na semana da entrevista para esta edição, Urbano escutou um grito de "ô PT" no meio da rua, sendo que ele afirma nunca ter sido vinculado a partido político algum. "Ali não existe partido político, tomamos decisões em conjunto, baseados na ciência, e não dá para contemplar todas as necessidades", explica. "Durante uma pandemia, sempre em primeiro lugar estará a proteção à saúde, e algumas pessoas não conseguiram entender isso."

Starling engrossa o coro: "O convite que recebemos foi para orientar tecnicamente a questão da preservação de vidas. Quanto à questão econômica, é claro que nos preocupou e preocupa muito, mas tem uma área que lida com isso. Nós tínhamos e temos de focar na menor consequência possível do ponto de vista de catástrofe humanitária no que se refere à infecção", diz. Já Tupinambás lembra que memes com ele circularam na internet ironizando o fato de que no início da pandemia ele não orientava o uso de máscara e, depois, passou a fazê-lo - com base em evidências científicas. "Não tenho nenhum problema com isso. Acho legítima a cobrança da sociedade e temos tentado responder adequadamente a essas demandas e dialogar."

A obrigatoriedade do uso de máscara foi outra medida, além do isolamento social gerado pelos fechamentos, que BH foi uma das primeiras cidades a adotar, ainda em abril. Também foi a primeira a ter uma comunicação visual baseada em termômetros, nos moldes dos que a prefeitura ainda divulga diariamente, com a velocidade de transmissão (Rt), taxa de ocupação dos leitos de UTI e taxa dos leitos de enfermaria, modelo que virou referência para outros municípios. "Métricas são usadas em várias partes do mundo, e o que a gente quis foi simplificar e usar parâmetros que fossem sensíveis o suficiente para detectar tanto fechamento quanto flexibilização; e que a população também entendesse", diz Tupinambás.

Se a condução da pandemia parece ter sido aprovada pela população, considerando a reeleição em primeiro turno de Alexandre Kalil, houve críticas no ano passado quanto ao fechamento das escolas por tanto tempo. A equipe segue parâmetros de órgãos internacionais, como o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, de até 50 casos por 100 mil habitantes para que a reabertura seja considerada, o que não aconteceu em 2020. "Essa questão nos colocou com a espada na cabeça", diz Tupinambás. "Sabemos do sofrimento, inclusive da população carente, que é maior, mas entendemos que a gente precisa de mais investimento na infraestrutura para o retorno, pois colocar alunos em estrutura física inadequada é risco grande."

Mesmo os mais otimistas em relação às vacinas admitem que os desafios continuarão em 2021. Ainda em janeiro, com o aumento dos indicadores e chegada ao alerta geral no vermelho, a decisão do prefeito foi de fechar novamente a cidade a partir do dia 11, no intuito de reduzir a mobilidade social e, portanto, a circulação do vírus. Os três infectologistas podem se preparar para serem hostilizados por mais algum tempo nas redes sociais. Mas será em vão. Eles já deixaram claro que não vão mudar seu jeito de trabalhar por causa disso.

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