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Estado de Minas ENTREVISTA

Nova gestão do Coren-MG fala sobre os desafios enfrentados por enfermeiros, técnicos e auxiliares

Em plena pandemia da Covid-19, dirigentes do Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais comentam a árdua busca por valorização profissional


postado em 21/03/2021 21:20 / atualizado em 21/03/2021 21:19

(foto: Freepik)
(foto: Freepik)
"Fomos chamados de herois, recebemos muitas palmas, mas precisamos muito mais do que isso", diz Maria do Socorro Pacheco Pena, vice-presidente do Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais (Coren-MG). Ela e Bruno Farias, eleito presidente em janeiro deste ano, encararam o desafio de assumir a gestão (2021-2023) da maior autarquia em números de inscritos do estado. São 216 mil registrados divididos entre enfermeiros, técnicos e auxiliares.

O órgão, responsável pela regulamentação do exercício da profissão, tem enfrentado inúmeros desafios antes e durante a pandemia da Covid-19. O maior deles, a falta de valorização dos profissionais nas instituições públicas e privadas onde atuam na assistência da saúde. "Somos 1 ⁄ 3 da população atingida pelo novo coronavírus", afirma Bruno. Mesmo assim, apenas aqueles que atuam em Centros de Terapia Intensiva (CTIs), Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) têm prioridade para serem vacinados. "Os demais também estão fazendo o vírus circular e infectando seus próprios familiares", diz Maria do Socorro. Com baixos salários, cargas horárias elevadas e com dois ou mais empregos para complementar a renda, os resultados acabam se refletindo nos leitos dos hospitais. "A sociedade não pode fechar os olhos para esses profissionais. Se eles não estão bem, os pacientes também não estarão", afirma Maria do Socorro.

Bruno Farias:
Bruno Farias: "Sofremos com cargas horárias excessivas de trabalho, baixos salários e os riscos inerentes à profissão. Sejam enfermeiros, técnicos ou auxiliares, muitos acabam trabalhando em dois ou três empregos para complementar a renda familiar" (foto: Arquivo pessoal)
1) Quais os principais desafios que os profissionais da enfermagem têm enfrentado, especialmente com a chegada da Covid-19?

Bruno Farias - O maior deles é a falta de valorização desses profissionais nas instituições públicas e privadas, onde atuam na assistência da saúde. Sofremos com cargas horárias excessivas de trabalho, baixos salários e os riscos inerentes à profissão. Sejam enfermeiros, técnicos ou auxiliares, muitos acabam trabalhando em dois ou três empregos para complementar a renda familiar, chegando a uma jornada de oito a  doze  horas e seguindo direto para outra, sem descanso. O desgaste físico e emocional que isso gera,  juntamente a pouca convivência familiar, afeta diretamente na qualidade do atendimento prestado aos pacientes.

2) Por trabalharem em contato direto com os pacientes, os profissionais da saúde, entre eles os enfermeiros, estão entre os mais vulneráveis à infecção da Covid-19. Diante da possibilidade de se infectar e espalhar o vírus para seus próprios familiares e colegas de trabalho, a pressão psicológica é intensa. Quais os principais impactos observados?

Maria do Socorro - A enfermagem representa 75% da mão de obra na área da saúde. Somos 1/3 da população atingida pelo novo coronavírus e somente os que estão na linha de frente serão vacinados. Apenas aqueles que atuam em Centros de Terapia Intensiva (CTIs), Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) terão prioridade. No entanto, os demais que seguem na ativa também estão fazendo o vírus circular e infectando seus próprios familiares. A grande maioria não foi testada. Até o momento, já tivemos 36 óbitos em Minas que são pouco divulgados. A sociedade tem sorte porque a categoria não tem coragem de parar. Temos consciência de que, se pararmos, muitas vidas serão perdidas. Mas precisamos nos unir e lutar para melhorar as condições de trabalho dessas equipes. Se a enfermagem corre risco, a população corre ainda mais.

3) Segundo pesquisa realizada pelo site salario.com.br o piso salarial de técnico de enfermagem, na capital mineira, em 2020, girou em torno de R$ 1.735,00 para 40 horas semanais. Para enfermeiros a média foi de R$ 3.332 para 37 horas semanais. Vocês consideram esses valores razoáveis?

Maria do Socorro - Um dos grandes agravantes da atual situação dos profissionais da enfermagem são os baixos salários e as cargas horárias abusivas. Para complementar a renda familiar, acabam tendo dois ou mais empregos e, por causa do cansaço, comprometem a qualidade da assistência prestada aos pacientes. Se considerarmos que esses profissionais lidam diretamente com a vida das pessoas, assumindo uma responsabilidade imensa, são valores muito baixos. Há anos tramita na Câmara de Deputados o Projeto de Lei nº 2295/2000 que dispõe sobre a jornada de trabalho dos Enfermeiros, Técnicos e Auxiliares de Enfermagem e altera a Lei nº 7.498, de 1986, fixando a jornada de trabalho em seis horas diárias e trinta horas semanais. Mas até agora, nada. Nesse sentido, através da Comissão de Assuntos Sociais e Políticos, a atual gestão está reestruturando o encaminhamento da solicitação das 30 horas e piso salarial, sob bases mais sólidas, politicamente falando, e em parceria com as entidades representativas da classe.

"A medicina cuida da doença e nós cuidamos da pessoa e das consequências que a doença acarreta. A sociedade precisa, urgentemente, começar a entender a importância desses profissionais em suas vidas" (foto: Divulgação)
4) O Coren-MG é o órgão fiscalizador do exercício legal da profissão da enfermagem. Além de fiscalizar, como a instituição pretende ajudar a classe?

Bruno Farias - Com jurisdição em toda Minas Gerais, o órgão tem como principal finalidade a regulamentação do exercício profissional da enfermagem. Nosso trabalho é garantir o bom conceito da profissão e dos que a exercem. Não cabe a nós dar a esses profissionais a melhoria do piso salarial, a insalubridade, entre tantas outras reivindicações. Mas cabe a nós criar estratégias para que essas necessidades sejam supridas, e é o que pretendemos fazer.

5) A nova gestão do Coren-MG assumiu há poucos dias, no início de janeiro. Antes de assumirem, foram necessários dois anos de campanha junto aos inscritos. Em sua opinião, o que diferencia esta das demais gestões?

Maria do Socorro -  O nosso objetivo sempre foi realizar uma gestão diferenciada para a categoria de enfermagem, que envolve o enfermeiro, o técnico e o auxiliar. São três níveis prestando assistência e gerência à saúde, sem as condições adequadas. Representamos 75% da mão de obra do setor. Se pensarmos que são equipes que ficam 24 horas na linha de frente, prestando todos os níveis de cuidados e correndo vários riscos, teremos a real dimensão da importância desses profissionais para a sociedade. Uma enfermagem que tem doado toda a sua vocação, competência e responsabilidade, mas que na verdade, pede socorro.

6) Que experiência vocês trazem à diretoria do Coren?

Maria do Socorro - Sou enfermeira há mais de 34 anos. Sempre atuei na assistência da saúde e gestão, tanto em instituições públicas quanto privadas de Belo Horizonte.  Atualmente sou professora e coordenadora do curso de graduação em enfermagem da Faculdade Universo BH. Minha trajetória no cotidiano do trabalho me fez saber a fundo todas as dificuldades que, há anos, a categoria tem enfrentado. A pandemia apenas evidenciou o que já era sabido. Tenho certeza de que como vice-presidente do Coren-MG terei mais condições de buscar melhorias para a enfermagem.

Bruno Farias - Eu nasci em Teófilo Otoni, mas fui criado em Machacalis, no interior do estado. Lá trabalhei por muitos anos como enfermeiro e depois me tornei diretor administrativo hospitalar na prefeitura de Teófilo Otoni. Também sou professor universitário de enfermagem.  Sabemos que ao assumir a gestão do Coren-MG teremos muitos desafios, mas contamos com um corpo técnico preparado para nos ajudar. O nosso foco principal é a valorização dos inscritos. É inadmissível saber que, até os dias de hoje, eles sequer têm acesso ao conselho via telefone. Não conseguem falar em sua própria instituição. Queremos nos aproximar e mudar essa realidade.

7) Como a nova gestão pretende buscar melhorias para a categoria?

Maria do Socorro - Vamos resistir e seguir fazendo o melhor para a sociedade. Estamos nos organizando para ocupar os espaços políticos. Nas eleições de 2020, já conseguimos eleger vereadores e prefeitos. O próximo passo é eleger  deputados estaduais e federais. Queremos ter representatividade no congresso para buscar nossas reivindicações de forma justa e correta. A enfermagem não só presta assistência na saúde, como também tem ampla competência e visão de epidemiologia e gestão.

8) Um dos questionamentos da classe é a alta taxa de anuidade paga ao Coren-MG. Atualmente gira em torno de R$ 377 para enfermeiros, R$ 207 para técnico e R$ 178 para auxiliar. Como resolver a questão?

Bruno Farias - Esse é um problema que muito nos preocupa. Há mais de 20 anos a classe não tem reajuste de salário. No entanto, a taxa de anuidade é reajustada todo o ano. Recentemente, nos reunimos para tentar diminuir esse encargo, mas esbarramos no Tribunal de Contas da União (TCU), que não libera uma autarquia de abrir mão de receitas. Consideramos os valores muito altos e sem retornos consistentes.

9) Diante de todo esse cenário de desvalorização e insatisfação profissional, ainda pode-se esperar por profissionais vocacionados?

Maria do Socorro - A vocação para a enfermagem é uma coisa nata. Junto com a medicina somos a profissão mais antiga na área da saúde. A medicina cuida da doença e nós cuidamos da pessoa e das conseqüências que a doença acarreta. A sociedade precisa, urgentemente, começar a entender a importância desses profissionais em suas vidas. Dentro de cada instituição pública ou privada, existe mão de obra desvalorizada, sobrecarregada, das quais dependem muitas vidas. Em alguns setores trabalham sem ter os equipamentos adequados para conduzir o processo e, até mesmo, para garantir a sua própria segurança.

10) Desde o ano 2000, a violência contra os profissionais de enfermagem no ambiente de trabalho é considerada uma epidemia mundial pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Quais medidas o Coren-MG adota para coibir a prática?

Maria do Socorro - Temos uma comissão permanente de estudo, prevenção e combate à violência e ao assédio moral no trabalho, também conhecido como violência ocupacional. Estamos abertos a receber todos os profissionais da área de enfermagem que tenham sofrido qualquer tipo de agressão. Contamos com profissionais capacitados para atendê-los, acolhê-los e solicitar medidas de desagravo público. Repudiamos todas as formas de violência contra esses profissionais que prestam um valoroso serviço em benefício da população.

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