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Estado de Minas PERFIL

Teste do Pezinho é ampliado após luta da jornalista mineira Larissa Carvalho

Presidente Jair Bolsonaro sancionou lei que possibilita diagnóstico de doenças raras em recém-nascidos no SUS


postado em 26/05/2021 22:38

Larissa Carvalho, repórter da Globo Minas, com os filhos João, de 14 anos, e Théo, de 6: a história da jornalista foi contada no documentário
Larissa Carvalho, repórter da Globo Minas, com os filhos João, de 14 anos, e Théo, de 6: a história da jornalista foi contada no documentário "Uma Gota de Esperança" (foto: Bárbara Dutra/Divulgação)
Quando descobriu que o seu filho caçula, Théo, de 6 anos, havia nascido com uma doença rara, e que até alimentos unânimes como o leite materno poderiam matar seus neurônios, a jornalista Larissa Carvalho descobriu também que o diagnóstico havia chegado tarde demais para ele. A doença de seu filho não foi rastreada pelo Teste do Pezinho disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) para todos os recém-nascidos, o que fez com que o bebê perdesse neurônios fundamentais para o seu desenvolvimento. No sistema público, o teste do pezinho só é capaz de rastrear seis doenças, enquanto na rede privada pode alcançar 53 diferentes enfermidades raras. Sem o diagnóstico, Théo não teve acesso ao tratamento necessário, o que lhe garantiria muitas conquistas: falar, firmar os pés no chão, chutar bola, correr, pular.

Normalmente revelado pelo teste ampliado no quinto dia de vida, o diagnóstico só chegou quando o bebê completava 1 ano e 10 meses. Desde então, junto com a ONG Instituto Vidas Raras, Larissa tem travado uma ampla batalha com o objetivo de impedir que sua história se repita para milhares de bebês que ainda vão nascer. "Acho que estou dando conta dessa missão", disse, entrevista a Encontro BH há uma semana. "Não desisto até o 'sim' do presidente." O "sim" de Jair Bolsonaro veio nesta quarta-feira (26), quando foi sancionado o PL 5043/20, que garante a ampliação do teste na rede pública de todo o país. O projeto de lei havia sido aprovado por unanimidade no Senado e na Câmara.

No Brasil são muitos Théos e muitas Larissas. Um bebê a cada 2,5 mil têm sequelas por falta do diagnóstico precoce. Por ser portador da acidúria glutárica, doença genética que faz com que o organismo não consiga absorver as proteínas, Théo precisaria ter recebido tratamento desde os primeiros dias de vida. Até alimentos excelentes como o leite, carne, feijão ou ovos contribuíram para atingir os seus neurônios, causando sequelas irreversíveis, comprometendo sua capacidade de brincar, correr com amigos, ir para a escola. A história emocionante do menininho sorridente, em sua cadeira de rodas adaptada, ganhou repercussão nacional e a ampliação do teste é um marco muito importante, embora não seja ainda o fim dessa história.

Larissa promete não parar de lutar:
Larissa promete não parar de lutar: "Vamos acompanhar e saber como o teste está sendo implementado e trabalhar para corrigir as falhas" (foto: Léo Lara/Divulgação)
O exame será disponibilizado no SUS gradativamente, ao longo dos próximos cinco anos, em sua forma ampliada de rastreamento. "Quando o Théo nasceu eu não tinha conhecimento que pagando cerca de 400 reais poderia ter acesso a um teste ampliado." A informação tão relevante lhe garantiria um futuro diferente. O documentário "Uma Gota de Esperança", lançado recentemente pela Rede Globo, disponível no Globo Play conta essa história, que é do Théo e de inúmeras famílias vítimas de situações bem parecidas. Um dos momentos emocionantes para o espectador é constatar que outra criança, com a mesma doença que o protagonista, está ali, apostando corrida com o irmão, pulando na piscina, controlando sua doença rara com uma medicação diária. "Por algum motivo essas famílias tiveram a informação sobre o teste ampliado e com o resultado em mãos começaram a tratar seus filhos nos primeiros dias de vida", explica Larissa.

Em sua relação com Théo, Larissa acredita que desenvolveu novas habilidades. "Aprendi a ficar menos aflita. A entregar um pouco mais. A confiar e ter fé. A lidar melhor com o tempo", diz. Tempo é algo imprescindível para as vidas raras. Cinco meses após o parto, Larissa percebeu que algo não ia bem com o seu bebê. Notou que ele não era capaz de firmar a cabecinha ou segurar objetos como esperado. Mas foi só depois da passagem por vários neuropediatras, que o filho teve, com 1 e 10 meses, o diagnóstico preciso no Hospital Sara Kubitschek. A jornalista passou então a buscar alternativas e tratamentos para a doença rara, o que algumas vezes envolve demandas judiciais. A caminhada não é fácil. O seu grande desejo é que o teste do pezinho ampliado dê a milhares de famílias a chance de não repetir sua história, que ela desde então tem contado e recontado com transparência em busca de esperança "para os Théos que ainda irão nascer".

Um desses momentos foi sua palestra emocionante para o TEDxPUCMinas com o título "Eu matei os neurônios do meu filho." Recorde de audiência no estado, teve 1 milhão de visualizações em cinco dias. De forma simples e comovente Larissa conta o passo a passo de sua maternidade, desde a escolha do nome dos seus dois filhos até o diagnóstico do mais novo – e como ela ficou atônita ao descobrir que a alimentação que havia dado ao seu bebê, incluindo a amamentação contribuiu para a morte de seus neurônios. A mãe só conseguiu seguir em frente graças à ajuda de amigos, dos colegas de trabalho da Globo Minas, onde é repórter, e de remédios. "Não tenho o perfil para ficar trancada em um quarto, mas não foi fácil", conta. A luta das famílias com crianças com doenças raras é árdua como a jornalista mostrou em muitas reportagens. Os alimentos e medicações são caríssimos o que muitas vezes envolve ações judiciais contra o estado. "É tudo muito injusto."

A luta das famílias não termina com a aprovação da lei. "Vamos acompanhar e saber como o teste está sendo implementado e trabalhar para corrigir as falhas." Nos últimos 17 anos mais de 10 projetos de lei já tentaram ampliar o teste, sem sucesso. O PL 5043/20, do deputado federal Dagoberto Nogueira (PDT-MS), foi construído com a participação do Instituto Vidas Raras e traz dados relevantes como custos na ponta do lápis. Uma criança portadora de doença rara tem um custo mensal para o estado que varia de 8 a 16 mil reais. Caso o diagnóstico seja rápido, o custo cai para menos de 1 mil reais. Caso a criança seja tratada precocemente, não terá as sequelas. "Não precisará ficar presa a uma cadeira de rodas e poderá, quando adulto, trabalhar, sendo uma força que gera riquezas para o país", diz Larissa. "Para o Théo pode ser tarde demais, mas quantos Théos ainda podem ser salvos a partir dessa decisão?"

Hoje, Théo é um menino feliz que faz 11 sessões por semana de reabilitação em espaços adaptados para ele. Cercado por uma família amorosa, ele se diverte ao lado de João, seu irmão mais velho, de 14 anos. Larissa não sabe dizer ao certo de onde veio sua força para travar essa luta, mas desconfia: "Sempre tive muita energia e vontade de viver. Nunca gostei de coisas erradas e de injustiças, acho que foi por isso que escolhi ser jornalista."

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