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Estado de Minas SAÚDE

O que é disfunção no assoalho pélvico e como prevenir

Perda de urina e dor na relação sexual são apenas alguns dos sintomas desse problema de saúde que atinge um terço da população feminina adulta ao longo da vida


postado em 10/09/2021 00:41 / atualizado em 10/09/2021 00:41

A dona de casa Celma Corrêa Vidal Freitas sofria com incontinência urinária:
A dona de casa Celma Corrêa Vidal Freitas sofria com incontinência urinária: "Eu nem sabia da existência da musculatura pélvica. Agora me vejo o tempo todo praticando os exercícios em casa", diz, ao lado da fisioterapeuta pélvica, Maria Beatriz Alvarenga de Almeida (foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
A busca por liberdade de ser e estar alertou as mulheres para problemas há décadas tidos como "normais", entre eles sentir dor na relação sexual ou  sofrer com a perda de urina. Quem acredita que esses inconvenientes surgem apenas na velhice, se engana. As disfunções do assoalho pélvico não fazem distinção de sexo ou idade e atingem um terço da população feminina adulta ao longa da vida. Apesar das evoluções relacionadas ao tema nos últimos 50 anos, poucos sabem do que se trata e muitos têm vergonha de discutir o assunto que, em pleno século XXI, ainda é tido como tabu. O nome "assoalho" não é fruto do acaso. Semelhante a uma bandeja que sustenta pratos, copos e talheres, possui a função nada fácil de manter órgãos como bexiga e intestino, útero e ovários, nas mulheres, e próstata, nos homens, em seus devidos lugares.

A ginecologista e obstetra Rosangela Faroni da Rede MaterDei:
A ginecologista e obstetra Rosangela Faroni da Rede MaterDei: "As queixas relacionadas às disfunções pélvicas são diversas, mas muitas vezes acabam sendo deixadas de lado pelas pacientes que, erroneamente, acreditam serem ocorrências normais"  (foto: Geraldo Goulart/Encontro)
Os problemas surgem quando esse grupo de músculos e ligamentos conectados a estruturas ósseas perdem sua força ou atuam de maneira deficiente. A percepção de que algo está errado geralmente só ocorre quando os incômodos já se iniciaram. O motivo seria o fato de, culturalmente, não se ter o hábito de buscar auxílio preventivo para fortalecer a região, o que pode resultar no enfraquecimento do tônus muscular do assoalho pélvico. "As queixas relacionadas são diversas, e muitas vezes são tão sutis que acabam sendo deixadas de lado  pelas pacientes que, erroneamente, acreditam serem ocorrências normais", diz a ginecologista e obstetra Rosangela Faroni, do ambulatório de medicina esportiva da Rede MaterDei. Segundo ela, cabe aos ginecologistas reconhecerem a importância das mulheres darem atenção a seu assoalho pélvico, estimulando intervenções precoces e evitando complicações futuras.

Os problemas relacionados à região prejudicam, diretamente, três sistemas: "De modo geral, as disfunções ocorrem de maneira correlacionada, englobando o sistema urinário (bexiga e uretra), genital (útero e vagina) e intestinal (anorretal)", diz a fisioterapeuta Maria Beatriz Alvarenga de Almeida, especialista em saúde pélvica. Isso sem falar nos reflexos negativos relacionados ao orgasmo vaginal e ereção masculina. "É possível identificar os problemas por meio de um exame dessas funções musculares", explica. Foram 24 anos de sofrimento, até a esteticista Ildete Aparecida de Oliveira Dorneles, de 43 anos, descobrir que o tormento que vivia tinha solução. Durante muito tempo ouviu ginecologistas lhe dizerem que a dor que sentia ao ter relações sexuais com o marido, era "coisa da sua cabeça". Sem encontrar respostas nos consultórios médicos, deixou de procurar ajuda. "Cansei de ouvir que a culpa era minha. Já estava incrustado em mim que sexo era sinônimo de dor", relata.

A fisioterapeuta pélvica Fernanda Saltiel e a auxiliar administrativa Rosane Pereira Martins Brandão:
A fisioterapeuta pélvica Fernanda Saltiel e a auxiliar administrativa Rosane Pereira Martins Brandão: "Com a fisioterapia pélvica, praticamente não sinto mais dor na hora do sexo e a perda de urina está controlada", diz Rosane (foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
Somente ao iniciar o curso de fisioterapia em Saúde da Mulher foi que descobriu que sofria com disfunção pélvica. "Em três meses de tratamento eu já não sentia mais dor. Entendi que eu prendia a musculatura sem perceber." Técnicas de consciência corporal, respiração e relaxamento lhe recobraram a qualidade de vida. Pesquisas apontam que as disfunções pélvicas mais frequentes são incontinência urinária (16%), incontinência fecal (9%) e prolapso genital (3%). Em muitos casos, o simples ato de tossir ou levantar peso constantemente, praticar corrida, crossfit e outros esportes de alto rendimento aumentam a pressão dentro do abdômen, sobrecarregando a região. Para retomar o equilíbrio, é preciso contar com abordagem multidisciplinar que envolve ginecologistas, urologistas, coloproctologistas e fisioterapeutas.

A dona de casa Celma Corrêa Vidal Freitas, de 64 anos, observava com tristeza que os pais, já idosos, sofriam com incontinência urinária. Qual não foi a sua surpresa quando descobriu, há poucos anos, que também apresentava os sintomas. "Em 2019 tive câncer no endométrio. Fiz a retirada do útero, ovário e percebi que a situação piorou", conta. "Por sorte, minha filha estava fazendo o curso de fisioterapia e buscou ajuda." O tratamento, iniciado há cerca de um ano, trouxe melhoras expressivas. Uma grande conquista para Celma, que já não perde urina quando está lavando louça. "Eu nem sabia da existência da musculatura pélvica. Agora me vejo o tempo todo praticando os exercícios em casa. Mudou a minha vida", diz. Pouco conhecida, mas necessária, a fisioterapia pélvica recupera a força muscular, além de trabalhar a coordenação e relaxamento.

A fisioterapeuta ortopédica e esportiva Carolina Marques Andrade diz que a fisioterapia pélvica foi determinante para o sucesso de suas gestações:
A fisioterapeuta ortopédica e esportiva Carolina Marques Andrade diz que a fisioterapia pélvica foi determinante para o sucesso de suas gestações: "Adquiri uma consciência corporal ainda maior", diz, com a fisioterapeuta obstétrica, Ana Paula Miranda Gazzola (foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
Em geral, é realizada por fisioterapeutas do sexo feminino que já na primeira sessão apresentam à paciente modelos anatômicos tridimensionais da pelve para esclarecer do que se trata e o que o tratamento implica. A partir daí, exercícios direcionados manipulam os músculos de modo a soltar os que estão tensos, alongar os encurtados e fortalecer os que estão fracos. Grávida de oito meses do segundo filho (o primeiro tem 2 anos), Carolina Marques Andrade, de 35 anos, fisioterapeuta ortopédica e esportiva, afirma que a fisioterapia pélvica foi determinante para o sucesso das suas gestações. "Na primeira eu era praticante de crossfit e, com as adaptações necessárias, segui os treinos em segurança, sem sobrecarregar meu assoalho", diz. O parto normal ocorreu sem sobressaltos. Para garantir que tudo corra bem novamente, retomou os cuidados preventivos. "Adquiri uma consciência corporal ainda maior."

Uroginecologista do Hospital das Clínicas, Marilene Monteiro alerta que o parto normal não é o vilão:
Uroginecologista do Hospital das Clínicas, Marilene Monteiro alerta que o parto normal não é o vilão: "Os hormônios produzidos durante a gestação contribuem para a incidência de alguma disfunção, o que pode ser evitado com o acompanhamento prévio" (foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
As disfunções pélvicas são comuns na gravidez, quando o peso do bebê, juntamente às alterações anatômicas do corpo, enfraquecem os músculos. Assim como no pós-parto, período em que a vagina fica mais seca e dolorida. Uroginecologista do Hospital das Clínicas, Marilene Monteiro alerta que o parto normal não é o vilão. "Os hormônios produzidos durante a gestação contribuem para a incidência de alguma disfunção, o que pode ser evitado com o acompanhamento prévio." Mulheres no pós-menopausa também requerem atenção, já que a falta de estrogênio produzido pelo ovário diminui a produção de colágeno podendo gerar algum problema futuro. Especialista em fisioterapia obstétrica, Ana Paula Miranda Gazzola também avalia que a prevenção é o melhor caminho. "O trabalho preventivo realizado durante a gestação e no pós-parto - seja normal ou cesárea - evita as temidas  incontinência urinária e disfunção sexual ", diz.

Mulheres mais jovens não estão isentas do problema, particularmente as expostas a exercícios de impacto e força, a exemplo das ginastas. "Estudos apontam que 80% delas sofrem com incontinência urinária, o que influencia diretamente em seu desempenho e convívio social", diz Fernanda Saltiel, fisioterapeuta especialista na saúde pélvica da mulher atleta. A auxiliar administrativa Rosane Pereira Martins Brandão, de 37 anos, passou a conviver com dois incômodos depois que se casou: a dor na relação sexual e a perda de urina. "O problema não se resolveu nem após o nascimento da minha filha, por parto normal, em 2008. A partir daí, além da dor no ato sexual, também veio a incontinência urinária." Quatro anos depois, o nascimento do segundo filho, hoje com 8 anos, agravou a situação.

Após 24 anos sofrendo com dores ao ter relação sexual, a esteticista Ildete Aparecida de Oliveira Dorneles e o marido Sebastião Souza encontraram a solução:
Após 24 anos sofrendo com dores ao ter relação sexual, a esteticista Ildete Aparecida de Oliveira Dorneles e o marido Sebastião Souza encontraram a solução: "Descobri que eu sofria com disfunção pélvica. Em três meses de tratamento eu já não sentia mais dor", conta ela (foto: Geraldo Goulart/Encontro)
A perda de urina se intensificou e o desconforto aumentou. Somente em 2018, por indicação de um ginecologista, encontrou o tratamento adequado. "Com a fisioterapia pélvica, praticamente não sinto mais dor e a perda de urina está controlada." A cirurgia de perineoplastia, utilizada em algumas mulheres após o parto para reduzir a abertura vaginal e fortalecer os músculos pélvicos, havia sido cogitada, mas foi descartada. As causas das disfunções, no entanto, vão mais além, com predisposição para quem sofre com constipação intestinal, tosse crônica e obesidade. Fatores emocionais como tensão, depressão, ansiedade ou traumas, também devem ser considerados, pois influenciam diretamente a uma contração permanente da região. A autopercepção da existência da musculatura do assoalho pélvico é o primeiro passo para a mudança.

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