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Estado de Minas ENTREVISTA

Primeiro mineiro a escalar o Everest fala de sua aventura no pico mais alto do mundo

O publicitário Gustavo Ziller, pai de três, se prepara para subir o último dos sete cumes mais altos dos continentes - desta vez, na companhia da filha do meio


postado em 06/09/2021 09:01

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(foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
(foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
Em um mundo tão corrido, que não prioriza o autocuidado, com diversas e crescentes demandas, muitas pessoas já ouviram casos de gente que passou por algum susto na saúde e decidiu mudar de vida. Às vezes a transformação envolve perda considerável de peso, às vezes, mudança na carreira, revisão das prioridades, escolha de outra cidade para se morar. No caso do publicitário mineiro Gustavo Ziller, envolveu tudo isso e um projeto de escalar os cumes mais altos de cada continente. Após uma síndrome de burnout que culminou em um desmaio no meio do trânsito de São Paulo, as decisões sobre hábitos de vida do belo-horizontino o levaram a se apaixonar pelo montanhismo e, como bom perseguidor de histórias que é, decidiu transformar sua experiência em um programa de TV, o 7 Cumes, do canal Off. A mais recente temporada, lançada no fim de agosto, é sobre a subida do sexto pico, o mais elevado do mundo: Everest. A respeito dele, Ziller também pretende lançar o livro "Escalei o Everest e voltei para a casa para contar a história" em dezembro (está em fase de captação por meio de financiamento coletivo na plataforma Evoé). Segundo o autor, foram 30 os brasileiros a chegar ao topo, sendo que ele foi o 26º e o primeiro mineiro a atingir a proeza que ele descreve como "transcendental".

Apesar do projeto ambicioso (subiu 17 montanhas para treinamento desde 2014 e completou seis das sete do projeto 7 cumes), e de já ter sido dono de pub, fundador de rádio, integrante de banda de rock, executivo, entre outras funções, diz que seu maior projeto é a paternidade. Pai de três - Joana, de 21, Iara, de 18 e Mateus, de 16 - e há 32 anos junto de sua companheira, Patricia Brandão, ele afirma que levou muitos toques das mulheres a sua volta sobre questões da paternidade, aprendeu muito e nunca deixou de envolver os filhos em sua vida, seus programas, suas atividades. A filha do meio, aliás, vai acompanhá-lo na subida do último dos cumes, a Pirâmide Carstensz, na Oceania. Entre as atividades, não tem dúvida: ser pai é muito mais difícil do que escalar o Everest.

  • Quem é: Gustavo Parreiras Ziller, 47 anos

  • Origem: Belo Horizonte

  • Formação: Publicitário pela PUC-MG, com curso de produção digital para rádio e TV pela Brighton College of Technology, na Inglaterra

  • Carreira: Um dos fundadores da rádio Savassi FM, da Aorta Mobile, do bar Graças a Deus e do pub Duke n´Duke. Foi colunista de tecnologia do jornal Folha de S. Paulo e colunista da Endeavor. É protagonista e roteirista do programa 7 Cumes no canal Off. Autor de três livros, com o quarto, sobre o Everest, a ser lançado. Dá palestras e workshops sobre marketing, empreendedorismo e gestão

ENCONTRO - Como era sua vida até ter burnout e decidir mudar de hábitos?

GUSTAVO ZILLER - Eu e minha família nos mudamos para São Paulo em 2009, para eu montar o escritório de negócios da empresa de tecnologia para smartphone e tablet que havia fundado em BH com dois amigos, a Aorta Mobile. Nesse período, fiquei extremamente sedentário, workaholic. Em 2012, prestes a completar 38 anos, eu tive um desmaio no trânsito. Eu poderia ter batido o carro, me machucado, atropelado alguém. Ninguém que passa por isso sai ileso. Fui diagnosticado com síndrome de burnout. Eu sabia que estava errado, que não estava me cuidando (eu pesava 108 quilos e hoje peso 78, para se ter uma ideia), mas foi preciso uma ruptura para uma mudança acontecer. Eu quis mudar o estilo de vida em função de uma frase que a Pati, minha parceira de vida, me falou ainda no hospital, naquele dia: "você ia morrer e deixar essa imagem de merda para seus filhos". Hoje, com tudo o que aconteceu desde então, eu sei que, se algo acontecer, se eu não estiver aqui amanhã, a imagem que vai ficar é de um pai bacana, de quem meus filhos terão orgulho de se lembrar.

Como foi a decisão de mudar de vida após esse ultimato da saúde?

Eu sou muito decidido, quando decido algo, vou às últimas consequências. E naquele momento eu tomei algumas decisões. Resolvi que iria melhorar meus exames clínicos, voltar a fazer ginástica, então, contratei personal, fui em médicos, montei uma equipe. Perdi peso, ganhei massa magra, pude voltar a correr, corri meias maratonas. No ano seguinte, 2013, eu resolvi fazer trekking no Nepal (em Annapurna, a décima montanha mais alta do mundo, a noroeste de Katmandu) e fiquei 35 dias por lá. Isso abriu a minha cabeça. Eu encontrei o sagrado. E como eu gosto de escrever, eu escrevi o roteiro do programa 7 Cumes - que seria sobre um cara comum, com filhos, contas para pagar, que resolve se tornar montanhista e escalar as montanhas mais altas de cada continente, sendo que a América se divide em duas, por isso são sete. Durante a escrita, pensei que o protagonista poderia ser eu. Tive a oportunidade de apresentar para o Canal Off, os caras toparam. E foi assim que eu me tornei montanhista aos 40 anos de idade.

E sua vinda de volta para BH fez parte do processo de mudança de vida?

Eu tive de repensar minha relação com o trabalho e, como consequência, minha relação com outras coisas, das quais hoje não abro mais mão, como o esporte. Ressignifiquei algumas coisas, e decidimos voltar para BH. Abri mão do posto que eu tinha em São Paulo, de uma carreira de executivo, com um salário alto, aquele "eldorado" que a gente às vezes se perde ao procurar. Eu adoro trabalhar e ainda trabalho muito. Mas hoje é tudo mais equilibrado.

Estamos em um momento de muita valorização da questão do propósito, de se trabalhar com o que se ama, o que às vezes gera uma linha borrada entre trabalho e hobby. No caso do montanhismo, você transformou um recém-adquirido hobby em trabalho?

O que eu sei fazer mesmo é contar histórias, me envolver com histórias e conseguir passá-las para frente. Eu sou o cara da comunicação, e as outras habilidades servem a isso. Então eu vi que ali tinha uma história para contar: um cara que passou por todas essas coisas, quis ressignificar a condição de parceiro, de pai, de filho. O programa é sobre isso, na verdade, porque eu não sou o Bob Burnquist da montanha, o Ítalo Ferreira da montanha. Não é sobre um super herói da montanha.

(foto: Gabriel Tarso/Divulgação)
(foto: Gabriel Tarso/Divulgação)
Na sua primeira escalada, qual foi a sensação e o que te fez querer fazer isso de novo?

Fiquei viciado de verdade no sentimento que a montanha te dá de transcendência. Acho até que a gente consegue viver isso fora da montanha - na final da Libertadores, por exemplo, quando fui ao estádio com minhas duas filhas que, na ocasião, tinham 14 e 11 anos, e o Galo venceu e nós ficamos abraçados, chorando. Isso é transcendência, é sensação de que se encontra o sagrado, o divino. Quando você se sente parte do todo, quando se desmonta e vira energia, vira neve. Em toda montanha que escalei, eu vivi isso. Aqui (fora da montanha) é mais difícil, mas é possível. É quando encaixa a energia.

Qual é o principal desafio de escalar esses cumes altíssimos?

São cinco os principais desafios. Mas 70% de escalada em alta montanha é preparação mental. Todo montanhista profissional fala isso, amador também. E eu atesto. Os outros 30% são a preparação física, que não pode ser meia-boca; a fisiológica, que é se preparar para não adoecer, porque uma gripe a 6 mil metros de altura pode virar pneumonia em 24 horas; a nutricional, para ajudar a não adoecer, não ter uma diarreia; e por último o sono, porque a gente tem que dormir bem e a altitude dificulta.

Por que a parte psicológica é tão importante?

Existe um termo que os gringos usam, que é stamina, que é a habilidade que se desenvolve para sustentar esforço físico e mental por longo período. Isso se treina. E na montanha se passa por isso, por longos períodos de exaustão física e mental. Não adianta estar preparado fisicamente, mas um calo no pé te incomodar tanto que você desiste. É preciso aprender a lidar com micro desconfortos, com longos períodos sem controlar as variáveis - como você está se sentindo naquele momento, o clima, terreno…

De que forma o Everest é diferente dos outros cumes?

Everest é muito mais perigoso, mais difícil, mais inóspito, é muito mais tudo. É surreal. É muita exaustão, uma exaustão suprema. Consegui subir na minha primeira tentativa, e isso foi incrível. A sensação que tive foi de transcendência, de que toquei o sagrado, de que virei neve.

Você diz que seu grande projeto é a dedicação aos seus filhos e que pratica a paternidade inclusiva. O que isso quer dizer?

Existe o pai, o ser humano que biologicamente é o pai. E existe a paternidade, que é onde o pai acontece. Tem muito pai que não exerce paternidade. E essa é a parte mais importante da nossa história com nossos filhos, ter contato com a jornada deles. Você não os incluir na jornada fica incompleto. Não consigo entender como um pai não faz desta forma. A paternidade inclusiva é a junção do pai com a paternidade. Se você não o fizer, alguém vai exercer a paternidade por você. Eu não terceirizo a minha.

De que forma percebeu como seria exercer esse papel real de pai?

Tenho a sorte de ser cercado de mulheres incríveis. A Pati é incrível, me ensinou muito e me ensina até hoje. Minha mãe também, minha sogra também. Minhas filhas, algumas amigas. Tive esse privilégio. Eu sempre fui chamado a atenção muitas vezes quando eu pisava na bola. Isso nunca ficou para resolver depois. Acho que por isso eu me despertei antes quanto a essa questão, mas muito em função dessas mulheres que me cercam. Eu não sei dizer o que dá certo na criação de filhos, isso não tem como dizer e difere muito de família para família. Mas eu sei o que não dá certo: excluir seu filho da sua vida. Os filhos não saberem o que você faz, criar uma redoma entre as áreas da sua vida.

Sendo uma família tão cheia de projetos, como conciliaram a criação de três filhos com tudo isso?

Sempre os levamos para tudo. A gente nunca deixou de fazer nada por causa de filho. Essa é uma frase da minha parceira de vida que eu dou copy e paste e pago royalties. Não se pode considerar os filhos como barreira para nada. Às vezes era uma confusão, leva carrinho, leva lanche para picnic, mas vamos todos. Inclusive atualmente, em que eles já estão mais crescidos. No 7 Cumes, eles me ajudam em tudo.

Acha que sua mudança de vida após o burnout pode ter sido uma mensagem importante para seus filhos?

Foi uma mudança positiva para eles. Sei que eles têm muito orgulho, eles me mandaram mensagens incríveis quando eu estava no Everest. Foi um exemplo de consistência, de esmero, novos hábitos, disciplina.

Incentiva seus filhos ao montanhismo?

Eu espero partir deles o interesse, um chamado genuíno. A Iaiá está treinando. Eu evito fazer o que eu gosto assumindo que eles vão gostar também. Não pensava dessa forma antigamente, mas aprendi. Se eles não gostam, eu me adapto, acho que isso é função do pai, não do filho. A Iara é escaladora de rocha e vai fazer o último cume comigo.

Na sua opinião, o que é o melhor de ser pai?

Transcender, tocar o sagrado com seus filhos é bom demais. Consigo fazer isso com eles, por exemplo, escutando música de vez em quando. Colocamos uma música, a energia bate, e, em cinco minutos está todo mundo chorando. Pais e mães devem procurar esses momentos.

E qual o maior desafio da paternidade?

Não ficar obsoleto. O mundo muda rápido demais atualmente, e, se para nós, pais, é uma adaptação, para eles, é o mundo tal como ele é. Eu fico preocupado de ser um pai a quem eles não consideram dar uma ligada para contar alguma coisa, porque acham que minha cabeça está datada demais.

O que é mais difícil? Ser pai ou escalar o Everest?

Ser pai, sem dúvida.

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