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Estado de Minas ENTREVISTA

Nely Aquino fala de política e de sua luta contra o câncer de mama

A presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte pelo segundo mandato consecutivo comenta, ainda, sobre a pandemia e a visão dos cidadãos a respeito do legislativo


postado em 05/11/2021 10:05 / atualizado em 05/11/2021 11:38

"Passamos por um período, em um passado recente, em que a Câmara aparecia muito nas páginas policiais, de maneira muito negativa" (foto: Divulgação)
Em tempos de extremismo e pouca tolerância com divergências, a vereadora Nely Aquino (Podemos) segue defensora de uma boa conversa. Primeira vereadora de primeiro mandato a ser eleita presidente da Casa e primeira mulher a ter dois mandatos na presidência, ela diz que não há outra via para a política democrática a não ser o diálogo - respeitoso - com quem quer que seja. Segundo ela, a renovação da Câmara nas últimas eleições (reeleição de apenas 17 dos 41 vereadores) ampliou o espectro de posicionamentos e permitiu uma alternativa ao maniqueísmo entre base e oposição, o que tem facilitado o debate. Defensora das causas das mulheres, a campanha do Outubro Rosa ganhou um significado ainda mais profundo este ano para a mineira de São Sebastião do Maranhão e moradora do bairro Santa Branca. Nely foi diagnosticada com câncer de mama, anunciado por ela no início de julho, passou por cirurgia e radioterapia, da qual já teve alta, e tem continuado o tratamento. Ela usou o discurso em que tornou público o diagnóstico para conscientizar a respeito da importância do autoexame e da mamografia. Segundo ela, mais de 1 milhão de mulheres não fizeram o exame em 2020 no Brasil, devido à pandemia - Nely inclusive. "Queria passar a mensagem de que o câncer não é o fim da linha. Façam prevenção e, se descobrirem algo, não se sintam culpadas", diz. "E é importante que consigamos manter a alegria de viver. Que familiares e amigos acolham, abracem, deem atenção, para que as mulheres se sintam fortalecidas para se cuidar."

  • Quem é: Neli Pereira de Aquino, 48 anos

  • Origem: São Sebastião do Maranhão (MG)

  • Carreira: Nely Aquino já ocupou cargos públicos no governo do Estado de Minas Gerais, na Prefeitura de Belo Horizonte, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e na Câmara Municipal de Belo Horizonte, antes de eleger-se vereadora em 2016. Reeleita em 2020, foi a segunda mulher a presidir o Legislativo Municipal (2019/2020), e a primeira parlamentar a se tornar presidente em primeiro mandato

ENCONTRO - A proporção de mulheres na Câmara aumentou nas últimas eleições de quatro para 11. Qual o impacto desse crescimento até agora?

Nely Aquino - Se avaliarmos as últimas legislaturas, saímos de uma para quatro vereadoras, depois de quatro para onze, sendo que permaneceram dez. Isso foi importantíssimo. Por mais que tenhamos vereadoras de ideologias e posicionamentos diferentes, quando a discussão e a pauta são em torno do tema mulher, nos unimos com muita força. Quando a pauta envolve o assunto da mulher, ainda se tem muita perseguição, arruma-se essa história de que é "mimimi" - e há mesmo certa parcela ideológica que leva a um radicalismo extremo. Mas é errado achar que todo mundo é desse radicalismo. Sendo que a mulher, dentro da sociedade, é quem mais precisa de políticas públicas, porque é em grande maioria quem cuida dos filhos, dos idosos, ou seja, em questões de educação, saúde e sociais, são as mulheres que mais dependem das políticas públicas.

Como presidente da Câmara, enfrentou dificuldades por ser mulher?

Não tem como não enfrentar, porque a Câmara faz parte da sociedade e existe machismo na sociedade. Mas vale lembrar que tanto na primeira quanto na segunda eleição, fui votada por homens. Eles confiam na minha postura e competência, tanto que me reelegeram. Mas não é só na Câmara, em diversos espaços homens acham que podem gritar para intimidar, que podem apontar o dedo. Dentro da Casa é uma minoria e que acaba sendo constrangida pelos demais, que não aceitam esse tipo de atitude.

A senhora se considera feminista?

Esse é um posicionamento que foi levado ideologicamente para a pauta da esquerda… Eu falo que sou defensora das mulheres. Mas se feminismo for defender direitos das mulheres, a preservação da vida delas (o direito da sobrevivência, pelo qual ainda precisamos lutar), então sou feminista. Em qualquer pauta em que estiver a discussão dos direitos femininos, independentemente de crença, classe social e cor, vou estar a favor.

Recentemente, o prefeito Alexandre Kalil vetou um PL sobre salas de amamentação em órgãos públicos, e a senhora comentou que faltou sensibilidade. Acredita que a maior presença de mulheres na política pode mudar visões como esta?

Quando a gente fala sobre o projeto de sala de amamentação, é algo simples e que pode mudar a vida de algumas mulheres. Temos relatos de profissionais que vão para o banheiro fazer a ordenha, esse leite é jogado fora. Quem é mãe e trabalha fora sabe da importância de um espaço adequado. Pode parecer bobo, mas para o mundo das mulheres faz diferença. Acredito que faltou sensibilidade nesta e em outras pautas nos âmbitos municipal, estadual e federal. Acredito que com mais mulheres a gente poderia chamar mais para essa conscientização. Aqui na Câmara nós chamamos os homens para conversar e lhes mostrar a importância, porque eles não têm conhecimento dessas dificuldades.

Outra mudança na Câmara nas últimas eleições foi uma renovação considerável, com apenas 17 dos 41 vereadores reeleitos. Houve alteração no perfil de um mandato para o outro?

Acho que a cidade está percebendo isso. A Câmara antes tinha maioria de base governamental, e os posicionamentos eram geralmente de acordo com o encaminhamento do líder de governo. Hoje, se divide entre esquerda, oposição, independentes e base, e isso gera mais discussão, o que é importante, pois é a função do legislativo. Os vereadores têm se colocado mais de acordo com a própria opinião. Talvez não seja o que a prefeitura goste, porque dá mais trabalho: cobra-se mais, usam-se mais instrumentos de fiscalização. Por exemplo, ficou nos quatro anos do mandato anterior permeando a Câmara um pedido de CPI da BHTrans que não conseguia as 14 assinaturas necessárias de jeito nenhum. E agora, já de início, conseguiu. E como tem sido importante essa discussão para a cidade. A CPI não é nada além de instrumento para investigação e é uma das funções do vereador; não se trata de perseguição.

É possível já avaliar impactos da pandemia na rotina do legislativo municipal?

Inicialmente, tivemos um impacto grande, a grande maioria das pessoas em home office. Mas conseguimos implementar rapidamente um sistema de votação remota que está sendo utilizado até hoje. Perdemos um mês, em seguida conseguimos implantar. Fomos uma das primeiras casas legislativas a conseguir fazer isso. Não deixamos de ter reuniões, debates e as comissões não deixaram de funcionar. Agora, por exemplo, o plenário está em reforma e nossas sessões estão totalmente remotas. Não há prejuízo nas falas, mas há sim pouco no que diz respeito ao contato presencial, facilidade de abordagem, de coletar assinatura. Mas fechados, mesmo, ficamos somente 14 dias.

"Minha mãe, apesar de analfabeta, era uma das pessoas mais inteligentes que conheci e ela dizia que humildade e canja de galinha não fazem mal a ninguém" (foto: Divulgação)
Poderia fazer uma avaliação da condução da pandemia na cidade?

Hoje se fala muito da fome, que aumentou. Contudo, para quem convive com a periferia, como eu - uma das vertentes do meu trabalho é com projetos sociais, normalmente trabalhos em torno de mulheres, famílias carentes -, já se ouve isso há mais de oito meses. A fome aumentou muito no nosso município, são muitas pessoas pedindo comida, o que havia diminuído drasticamente. Tivemos auxílios, cestas básicas, e isso diminuiu a fome, mas não deu dignidade. Vamos sofrer muito tempo ainda com isso. Não tem como a gente julgar o fechamento drástico da cidade, porque ninguém sabia o que ia acontecer, havia desconhecimento em nível mundial sobre a doença, mas, ao mesmo tempo, isso está trazendo para cidade muita miséria. Vejo momentos difíceis se não tivermos sabedoria, principalmente dos nossos líderes do executivo em todas as instâncias.

Como é a sua relação com o prefeito?

Sou defensora da independência dos poderes e represento a Câmara como poder independente. Respeito o prefeito, respeito qualquer pessoa que estiver na prefeitura e exijo da parte dele esse mesmo respeito com a instituição Câmara Municipal. Nós tratamos tudo que chega de lá com a maior seriedade, porque nossa maior preocupação é a cidade. Temos consciência de que prefeitos (assim como vereadores) passam, mas a cidade não.

Considerando que a senhora é uma pessoa que diz sempre privilegiar o diálogo, na sua opinião, até onde vai a tolerância com posturas, falas e ideias na política? Todos devem ser ouvidos e tudo pode ser dito?

Sim, se com respeito. Existe uma linha tênue do que se pode ou não. Quando se pega uma pauta e se quer discutir, e há posicionamentos diferentes, tudo pode ser falado dentro do debate, quando se vai com respeito. O espaço para o debate tem de estar sempre aberto, não se pode esticar a corda até onde não há diálogo mais, porque aí é ditadura e não democracia. A Câmara é o formato mais bonito de democracia, porque nela há pessoas com visões completamente diferentes, mas uma precisa da outra o tempo inteiro. Aqui, ninguém faz sozinho, todas as proposições precisam de mais de um voto. Assim, há necessidade de convencer o outro de que a sua proposta é a melhor. Eu estou sempre aberta ao diálogo com qualquer setor. E acho que sempre é importante dar um passo atrás quando a pessoa acha que foi além da conta. Minha mãe, apesar de analfabeta, era uma das pessoas mais inteligentes que conheci e ela dizia que humildade e canja de galinha não fazem mal a ninguém.

Como vê a relação da população com a Câmara e com os vereadores?

Não temos pesquisas sobre isso, mas passamos por um período, em um passado recente, em que a Câmara aparecia muito nas páginas policiais, de maneira muito negativa. Estamos trabalhando ativamente para que ela vá para as páginas do debate político, o que vem acontecendo nos últimos anos. A população percebeu essa mudança, creio eu. A Câmara é o que a população exige lá fora, nós não somos ETs que chegaram em espaçonaves; a situação da cidade é o que o vereador também vive. Então essa renovação mostra uma necessidade que o povo tinha de novos pensamentos, ideologias e debates.

A senhora tem intenção de disputar a prefeitura como candidata ou vice em uma chapa com o Gabriel Azevedo?

Ele deseja ser candidato a prefeito. Eu tenho um relacionamento próximo com ele, mas essa questão ainda está distante. Dependo de decisão de grupo, ainda, e tenho que considerar que preciso de tempo para me cuidar, estou em meio a um tratamento. Essa decisão só será tomada lá para março do ano que vem. Hoje não sou candidata.

Como teve contato com a política?

Fui coordenadora de panfletagem aos 16 anos, do já falecido deputado federal José Aldo e após isso nunca mais parei de trabalhar na política. Fui assessora de deputados, e depois fui compor o trabalho do meu irmão, Valdivino, que foi vereador, pelo meu histórico, minha experiência. Não existe vereador sozinho, um mandato sempre foi coletivo. E quando meu irmão não pode ser candidato por problemas de saúde, o grupo levantou meu nome, faltando 40 dias. Eu era o impossível e o improvável, mas como meu Deus é o Deus do improvável, fui eleita. Sou a primeira vereadora de primeiro mandato a ser presidente e primeira mulher a ter dois mandatos na presidência.

Pode falar sobre a descoberta do câncer e como foi anunciar o diagnóstico publicamente?

É uma notícia que mexe com a gente, com a intimidade. Nós humanos achamos que temos controle sobre a nossa vida. O diagnóstico de câncer corta como uma lâmina, te dilacera. Mas encontrei um anjo na minha vida, o doutor Henrique Lima Couto, que é muito tranquilo e muito humano, e foi me passando segurança. Quando o diagnóstico estava definido, e eu soube que faria radioterapia, que poderia fazer quimioterapia e teria que fazer uma cirurgia, vi que teria de falar sobre isso publicamente. E aí decidi usar esse espaço em que fui colocada para mostrar a necessidade de se preocupar com a saúde, de fazer os exames. Eu nunca tinha ouvido falar em mamografia com contraste, mas precisei fazer, porque alguns nódulos não apareceram nem na mamografia normal. Fiz a cirurgia em julho, recebi alta da radioterapia e estou em tratamento com o oncologista, usando uma medicação que tomarei por dez anos.

Acabamos de passar pelo Outubro Rosa. Gostaria de mandar uma mensagem para as mulheres?

Queria passar a mensagem de que o câncer não é o fim da linha. Façam prevenção e, se descobrirem algo, não se sintam culpadas. E que consigam manter a alegria de viver. Que familiares e amigos acolham, abracem, deem atenção, para que as mulheres se sintam fortalecidas para se cuidar. Eu tenho fama de "Dama de Ferro" mas, apesar de ser uma mulher forte, sou ser humano e as coisas me atingem. Eu sofro sim, choro. E talvez o que mais tenha me machucado neste momento é que algumas pessoas se esqueceram de que eu estava no auge do tratamento. Em momentos assim é preciso sensibilidade; que as pessoas que estejam em torno tenham sensibilidade.

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