
Se era assim nos trens que saíam de Corinto, na comunidade que nasceu e se desenvolveu em torno da ferrovia Central do Brasil no início do século XX, e viveu seu auge nos anos 1920 a 1980, não era diferente. "Eu me recordo daquele convívio, dos laços que existiam entre as famílias. Ainda existe esse laço, mas antes era diferente", diz Mercedes. Nascida e criada em Corinto, ela é neta, filha e sobrinha de ferroviários e dois de seus cinco filhos (também é mãe de mais duas filhas) estudaram no Centro de Formação Ferroviária e trabalharam no complexo. "Em quase todas as casas da cidade havia um ferroviário", diz.

Nada menos que 22 hectares - 17 deles pertencentes à União e os outros cinco a particulares - deram lugar a uma verdadeira cidade ferroviária, com toda a infraestrutura disponível na época. Aos poucos, o arraial, que vivia da agropecuária e da mineração de cristais, foi se transformando em uma cidade desenvolvida, dinâmica e mais populosa. Emancipada em 1921, já contava uma população de 5 mil habitantes, inclusive muitos deles estrangeiros. Logo, tornou-se referência no país. A grandeza do complexo de Corinto, a 210 quilômetros de Belo Horizonte, era medida pelos quatro ramais que comportava, com trens saindo para Montes Claros, Pirapora, Diamantina e BH. Mas, além da estação sempre movimentada até a década de 1980, havia toda uma estrutura industrial compondo esse cenário, com oficinas, depósitos, escritórios, casas de funcionários, escolas. "Só no depósito havia 600 pessoas trabalhando", diz Mercedes.

E, se Corinto viveu o apogeu das grandes ferrovias no Brasil e se tornou um centro importante no desenvolvimento do transporte ferroviário nacional, o fim dessa era também marcou uma derrocada para a cidade. Nos anos 1990, com a privatização da Rede Ferroviária e o arrefecimento das viagens de trem de passageiros no Brasil, a região sofreu todos os impactos socioeconômicos porque vivia em torno dessa atividade, fonte de renda direta para a maioria das famílias - outras viviam do comércio, dos serviços, e os demais ainda da agropecuária. Alguns especialistas avaliam que todo o processo de instalação do transporte ferroviário brasileiro e, depois, da troca de donos - passando do governo federal para a iniciativa privada - não foi devidamente planejado e que, por isso, o abandono é a marca da maioria das estações e estradas pelo país, como aconteceu com Corinto.



Uma das ações encabeçadas pelo arquiteto é levar às escolas, para os mais jovens, a ideia de que é buscando reconhecer o valor social de um bem que se preserva a identidade de um povo. "Temos trabalhado como formiguinhas no sentido pedagógico. Não existe um projeto nem verba para a revitalização do complexo. Quando a estação fechou, foram 600 empregos perdidos de uma só vez e ninguém lutou politicamente por isso. A cidade não só se esvaziou de renda e de população, mas também de seus laços de identidade", afirma José Eustáquio.

O Complexo Ferroviário de Corinto não foi tombado pelo Iphan isoladamente. Ele compõe todo o conjunto ferroviário brasileiro e ganhou a chancela do órgão em 2003. Segundo o prefeito Evaldo dos Reis, "hoje, o maior projeto do município é conseguir que a União Federal nos dê recursos para a conservação e manutenção dos bens". E completa: "Assim, vamos recuperar os quase 30 anos perdidos de proteção dos bens materiais e imateriais deste complexo de bens ferroviários tão importante para a história de Corinto e do Brasil".