Estado de Minas ENTREVISTA

Gabriel Azevedo fala de seus planos como presidente da Câmara de BH

Ele diz que quer trabalhar em prol da RMBH, garante que o pedido de impeachment do prefeito Fuad Noman não vai prosperar e tece duras críticas a Alexandre Kalil


postado em 29/01/2023 21:40 / atualizado em 29/01/2023 21:40

(foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
(foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
Ao receber a equipe de reportagem de Encontro em seu elegante apartamento na rua dos Tupis, no centro da cidade, o vereador Gabriel Azevedo (sem partido) apressou-se em mostrar a vista da janela de sua sala, onde foi feita a foto ao lado. De lá é possível ver a igreja São José, a Praça Sete e prédios icônicos como o Edifício Acaiaca. A região é uma das obsessões do recém-eleito presidente da Câmara Municipal de BH. Além de morar ali, ele é dono, junto com o chef Leo Paixão, do Mina Jazz Bar, localizado no Automóvel Clube de Minas Gerais, na esquina das avenidas Afonso Pena e Álvares Cabral. Para revitalizar a área, tão importante para a capital mineira, ele quer que mais pessoas façam como ele. "Com gente morando, você começa a requalificar o centro, que é lindo."

Nesta entrevista - realizada na biblioteca de sua casa, onde trabalha cercado de biografias e livros de urbanismo, política e direito - Gabriel compara sua eleição (apertada, por 21 votos a 20) à escolha do Arraial de Belo Horizonte como nova capital mineira, diz que pretende se reunir com outros presidentes de câmaras municipais para repensar a região metropolitana e descarta levar adiante o processo de impeachment do prefeito Fuad Noman. Também explica as causas que o levaram a romper com o ex-prefeito Alexandre Kalil, a quem classificou como "politiqueiro".

  • Quem é: Gabriel Azevedo, 36 anos

  • Origem: Belo Horizonte

  • Formação: Publicitário, jornalista e advogado. Mestre em direito e pós-graduado em Competitividade Global pela Georgetown University. Cursa atualmente o mestrado em Cidades na London School of Economics. É professor de Direito Constitucional

  • Carreira: Foi subsecretário de Juventude do governo de Minas Gerais de 2011 a 2014, na gestão de Antonio Anastasia. Eleito vereador em 2016 e reeleito em 2020. É presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte

Encontro - A primeira pergunta é aquela que o meio político está se fazendo: você é candidato a prefeito em 2026?

Gabriel Azevedo - É cedo para eu lhe responder. Eu sou agora o presidente da Câmara Municipal e não tenho um projeto de poder, eu tenho um projeto de cidade. Aliás, esta biblioteca mostra isso. Ali estão livros sobre Belo Horizonte e urbanismo (apontando uma das estantes da sala), aqui está um livro do mestrado que eu estou fazendo na London School of Economics, em cidades. Seja como cidadão, vereador ou em qualquer outra posição, eu vou sempre trabalhar pela cidade que eu amo.

Muitos tinham sua eleição como improvável e ela se deu por apenas um voto de vantagem. Como foi ser eleito por uma margem tão apertada?

Foi mais ou menos como a história da construção da nova capital de Minas Gerais. No começo, havia 5 candidatas: Juiz de Fora, Barbacena, Várzea do Marçal, Paraúna e o Arraial de Belo Horizonte, que ninguém achava que ia ganhar. No primeiro turno, Belo Horizonte perdeu; no segundo turno, Belo Horizonte perdeu; mas no terceiro turno, Belo Horizonte venceu por dois votos, dois votinhos, e aí toda essa história de 125 anos se deu. Acho que, em resumo, desde o início da campanha, eu sempre dizia que eu queria ser um candidato de conciliação, que eu não queria deixar a Câmara Municipal se dividir, rachar, com os vereadores brigando entre si e deixando de brigar com os problemas da cidade. Eu sou professor de Direito Constitucional e acredito que o parlamento, a Câmara Municipal, precisa ser independente do Poder Executivo. A partir do momento que você tem uma eleição em que a prefeitura define os rumos de quem vai eleger-se na mesa diretora, a cidade é prejudicada, porque a câmara perde sua capacidade de fiscalizar, de legislar e, sobretudo, de representar a cidade.

(foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
(foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
O candidato derrotado, Claudiney Dulim, era apoiado pelo prefeito de BH, Fuad Noman. Por que esse descontentamento com o atual mandatário da capital mineira?

Não vou classificar como descontentamento. Eu vou pontuar que a eleição foi pela independência da Câmara Municipal. Nosso parlamento tem um conjunto de características que destoa de outros parlamentos municipais, como a independência da prefeitura. Nós também devolvemos quase metade do dinheiro que recebemos e mandamos de novo para o prefeito usar de uma maneira boa pra cidade. Também temos como característica a ausência de desperdiçar tempo em projetos de lei que sejam inconstitucionais, entre outras qualidades. Eu não acho que esta eleição signifique uma derrota para a prefeitura, mas sim uma vitória para quem acha que o legislativo tem de ser independente.

Você foi fortemente apoiado pelos partidos mais à direita. Como se deu esse arranjo para que isso acontecesse?

Eu sempre disse que poderia ser apoiado por qualquer colega vereador, inclusive a meta era ser apoiado pelos 40. Eu queria ser um candidato de consenso. Na reta final, o prefeito convidou o deputado Marcelo Aro, que lidera 10 vereadores na Câmara e ainda contava com a aliança dos três vereadores do partido Novo, e propôs a ele uma ideia de conciliação: "não vamos disputar, vamos tentar um nome". E o deputado Marcelo Aro falou: "e por que não o Gabriel, que tem se dito exatamente isso: um candidato pela conciliação?"

Já no seu discurso de vitória você ressaltou que o prefeito teria dito que "aceitaria qualquer outro, menos o Gabriel"...

O prefeito me explicou isso com palavras muito gentis na prefeitura. Segundo ele, eu já exerço uma liderança muito intensa na Câmara Municipal e, portanto, eu não precisaria ser presidente para continuar exercendo essa liderança. Quando o deputado federal Marcelo Aro conversou comigo, já havia um grupo mais consolidado e foi esse grupo que me apoiou. Eu dialoguei com todos os vereadores o tempo todo. Não foi um lado ideológico que marcou a disputa, mas uma questão de estratégia política mesmo.

"Para quem acha que eu tenho pressa ou que eu não respeito as instituições, se um dia eu quiser subir as escadas do palácio da municipalidade na Avenida Afonso Pena 1212, vai ser por voto e não por articulação de gabinete"

Gabriel Azevedo, presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte

E depois você foi visitar o prefeito e, em vídeo, disse assim: "quero apertar sua mão e dizer que será um prazer trabalhar junto pela cidade de Belo Horizonte". As desavenças ficaram no passado?

Sou amigo do Fuad há anos e quero terminar essa presidência ainda mais amigo dele. Em 2023, essa cidade pode contar muito comigo. Sabe o que acontece? Vou dar um exemplo: eu participei da coordenação de campanha do Kalil e logo depois nos desentendemos por causa de eleição da mesa diretora da Câmara. Ele queria muito apoiar o Wellington Magalhães e eu falei "não vou, não posso fazer". E nós brigamos, como todo mundo sabe. Esse prefeito fez de tudo para cassar meu mandato, para me isolar. Assim mesmo, eu votava a favor dos projetos de lei que eu achava bons para a cidade. Eu tenho muitos defeitos, mas tem uma coisa que eu acho que ninguém tira de mim: eu, realmente, amo genuinamente essa cidade. Eu sinto que muitos políticos são apressados, para às vezes usar o cargo de vereador de trampolim para conseguir outros mandatos. Não é o meu caso, meu projeto é de cidade.

Você também falou, logo depois desse encontro, que o impeachment não vai prosperar na Câmara, que é assunto do passado, é isso mesmo?

É isso mesmo. Não estou criticando o instituto do impeachment, ele é legítimo, democrático, é função do parlamento limitar o poder público do executivo, se não as instituições não funcionam. Mas, analisando esse pedido de impeachment especificamente, eu digo que ele vai ser engavetado no meu primeiro dia de mandato. Para quem acha que eu tenho pressa ou que eu não respeito as instituições, se um dia eu quiser subir as escadas do palácio da municipalidade na Avenida Afonso Pena 1212, vai ser por voto e não por articulação de gabinete.

Logo depois da visita ao prefeito, você esteve com o governador Romeu Zema e falou com ele da necessidade de um olhar para a região metropolitana. Hoje, é muito difícil falar de Belo Horizonte sem falar de Contagem, Betim, Nova Lima… Você acha que é possível uma união da Câmara Municipal de Belo Horizonte com as outras câmaras, da prefeitura de BH com as outras prefeituras?

O que eu estou vendo lá na London School é que as regiões metropolitanas são o novo espaço de desenvolvimento e não a cidade, apenas. O Brasil, que é uma federação, tem os entes da União, do estado e do município muito bem definidos, mas não articula tão bem as regiões metropolitanas. Vamos pegar quatro exemplos. Primeiro, mobilidade. Não faz sentido que uma pessoa para chegar em Contagem, saindo de Betim, tenha de passar pelo centro, ou seja, onde é que está a articulação do transporte metropolitano entre os municípios, com cartão inteligente, com faixas exclusivas de ônibus, com sistemas de mobilidade integrado? Segundo, Pampulha. É crucial que a gente integre a região metropolitana para o saneamento básico e a sustentabilidade florescerem como a gente merece. Terceiro, a organização da ocupação do solo. Nova Lima, hoje, pelo seu ordenamento municipal, permite construções gigantes na borda de Belo Horizonte e o impacto de mobilidade é aqui, ou seja, é preciso desenhar um plano diretor metropolitano em que a malha urbana seja toda integrada. Para além desses três, eu acho fundamental a gente discutir desenvolvimento econômico como um todo. Não há mais uma cidade isolada. Eu sinto que esse prefeito (Alexandre Kalil) abriu mão de liderar o processo na região metropolitana. Não sei ainda qual é o interesse do atual prefeito, mas eu vou fazer.

"Quando (Kalil) chega na prefeitura resolve ser um politiqueiro. Que pessoa reeleita em primeiro turno abandona o cargo para disputar uma eleição? Isso para mim é uma patifaria"

Gabriel Azevedo, presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte

Você sempre se coloca como um orgulhoso morador do centro da cidade. Como fazer para revitalizar essa região?

Quatro coisas, de novo, mas sobretudo gente morando. A primeira é facilitar o retrofit. Se temos um prédio abandonado, como o Othon Palace, o poder público tem de facilitar o ato de transformar aquele hotel em moradia. A segunda é mudar a legislação urbana para que o lote do centro, para ser construído, não tenha as mesmas regras do restante da cidade. Terceiro, você tem que criar projetos especiais. Você chega na Praça Rio Branco, na Praça da Estação, na Praça da Rodoviária e fala "olha, quem construir aqui neste lote, vai poder construir mais alto desde que requalifique esta praça". É chamar a iniciativa privada como parceiro. Por último, tem que atuar na mobilidade para diminuir o número de carros e de ônibus aqui, porque tem que ser menos poluído, menos barulhento, para as pessoas quererem morar. Com gente morando, você começa a requalificar o centro de Belo Horizonte, que é lindo.

Voltando a falar da administração anterior, da qual você foi bastante crítico, quais foram, na sua opinião, os principais erros do Alexandre Kalil nos quase seis anos em que ele ficou à frente da prefeitura?

Ele prometeu três coisas: "não quero ser político, vou ser prefeito", "não vou misturar Atlético com prefeitura" e "o problema que existe em Belo Horizonte é do prefeito e de ninguém mais". Quando chega na prefeitura resolve ser um politiqueiro. Que pessoa reeleita em primeiro turno abandona o cargo para disputar uma eleição? Isso para mim é uma patifaria. Segundo, ele mistura, sim, a prefeitura com o Clube Atlético Mineiro, nomeando muitas pessoas do Galo na administração, fazendo uma política cruzada. Além das suspeitas de que prejudicou a construção da Arena MRV pelo simples fato de que não era ele mais à frente do clube. E, terceiro, ele desgostou de ser prefeito e cuidar dos problemas a partir da pandemia. Até a pandemia, ele foi tocando de uma maneira mais populista assuntos que são importantes - acho que o lema dele era "governando para quem precisa", "trabalhando para quem precisa". E, realmente, diminuir diferenças sociais na cidade é fundamental. Acho que ele tem méritos, tá? Educação infantil, creche, foi algo que ele apoiou muito e foi muito bom, pequenas obras em bairros da periferia para tentar diminuir o problema das enchentes, uma atuação muito grande na assistência social... Mas ele esqueceu do desenvolvimento econômico, de atrair investimentos, de facilitar a vida de quem empreende. Ele esqueceu de colocar Belo Horizonte no mapa do planeta. Há inúmeros fundos de investimento que, com uma cidade mais verde, mais sustentável, aportarão aqui. Ele não inovou na educação. A secretaria da Educação é um problema grave, sobretudo pós-pandemia. A saúde ficou parada, sem inovação tecnológica para resolver os problemas que a gente já conhece há anos. Na mobilidade, ele resolveu simplesmente ignorar uma das principais propostas de campanha dele, que também era proposta da minha campanha de vereador: abrir a caixa preta da BHTrans. Então, acho que o ex-prefeito decepcionou a cidade que colocou nele muita esperança lá em 2016.

Como presidente da Câmara, ainda dá pra ser garçom do Mina Jazz Bar?

Dá sim. Eu faço questão de, toda noite, às oito e meia, abrir o show e sempre dou três recados. O primeiro é o que eu acho mais importante. Digo: "Prestem atenção onde vocês estão. Esse daqui é um patrimônio da cidade, de 1929, na nossa principal avenida e, mais do que um bar, isso daqui é um manifesto, meu e do Leo, a favor da cidade que a gente ama." Por que a Quinta Avenida, em Nova York, é repleta de gente, de música? Por que a Gran Vía, em Madrid, é iluminada? Por que a Champs-Élysées, em Paris, é incrível e a Afonso Pena dá seis horas da tarde simplesmente morre? Eu não gosto de ser um político que apenas discursa, eu sou e pratico aquilo que falo. Eu moro aqui e um dos meus negócios está ali, a algumas quadras da minha casa. Por isso, passo pelas mesas, cumprimento as pessoas, faço alguns coquetéis, sirvo, pergunto o que as pessoas querem… Eu acho que isso é muito importante porque, como diria Max Weber, não vale a pena viver da política, vale a pena viver para a política. Conheço muitos casos de pessoas que vivem só de política, aí elas fazem de tudo para ganhar a eleição, para não ficarem desempregadas. Não é meu caso. Inclusive, eu me coloco no lugar das pessoas que tenho de representar. Abrir um bar nessa cidade é muito difícil, a burocracia é muito complicada, assim como conseguir um alvará, manter o negócio funcionando, pagar imposto, lidar com folha de pagamento. Eu não sou apenas alguém que está na vida pública sem conhecer a realidade de quem empreende.

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