Estado de Minas PERFIL

Pela inclusão de famílias com crianças diagnosticadas com espectro autista

Mineira Florence Assis idealizou projeto que começou como um álbum familiar no Instagram e, hoje, virou um canal de informação qualificada sobre o TEA


postado em 29/05/2023 00:34 / atualizado em 29/05/2023 00:39

(foto: Divulgação)
(foto: Divulgação)
Um dia na vida da mineira Florence de Oliveira Assis Lavorato da Rocha, de 43 anos, é como dar uma volta na montanha-russa. Médica cirurgiã, esposa e comunicadora, Florence tem, além dessas, outra missão especial: garantir que seus filhos sejam bem cuidados, como a maioria das mães faz. Há, porém, alguns diferenciais quando se trata de Florence. Ela tem cinco filhos, todos homens. E dois de seus cinco meninos têm diagnóstico do transtorno do espectro autista (TEA). Com o Procurador do Estado do Rio Grande do Sul, Gustavo Castro Lavorato da Rocha, de 42 anos, Florence é mãe de Benício, 8, dos gêmeos Theo e Lucca, 7, de Mario, 4, e também Filippo, 3. Com todo esse "material em mãos", idealizou o projeto Montando Um Time (@montandoumtime), que começou como um álbum familiar no Instagram e, hoje, virou um canal de informação qualificada sobre o TEA. O perfil, atualmente, reúne mais de 27 mil seguidores. "Depois do diagnóstico de Mario e Filippo, passei a alimentar o Montando um Time com conteúdo informativo que tem como objetivo acolher, acalentar e ajudar pais, principalmente mães, em luto pelo diagnóstico", conta Florence, que é natural de Oliveira, cidade do médico Carlos Chagas, situada no Centro-Oeste de Minas Gerais. "Eu sempre digo que é preciso buscar o profissional correto e tratar o quanto antes."

Florence mudou-se para Belo Horizonte em 1996, onde estudou no Colégio Marista e conheceu Gustavo que, anos depois, viria a ser seu marido. O namoro adolescente resistiu até a faculdade, quando, a certa altura, decidiram romper. Outros relacionamentos vieram e, para Florence, ser mãe não era uma opção. A cirurgia cardiovascular falou mais alto e, após sua especialização, mudou-se para Cuiabá (MT), onde atendeu em hospitais da região. A passagem pelo Mato Grosso terminou em 2011. Reencontrou Gustavo e, em julho de 2013,  os dois se mudaram para a cidade de Santo Ângelo, no noroeste gaúcho. Em março do ano seguinte, 2014, celebravam o casamento com Gustavo. O primogênito Benício nasceu em março de 2015. Já em setembro do mesmo ano, ela estava grávida dos gêmeos Theo e Lucca, que nasceram prematuros em 16 de março de 2016. A gravidez, ela relembra, foi complicada – Florence foi intubada, assim como os bebês, que ficaram mais de 15 dias em observação no Centro de Terapia Intensivo (CTI).

"Engravidei novamente em 2018, quando resolvemos então voltar para BH, em busca de uma rede de apoio familiar. Mario nasceu em 28 de fevereiro de 2019. De repente, já estava grávida de novo, e veio Filippo em 20 de maio de 2020", diz Florence. "Durante todo esse tempo, continuei trabalhando, apesar de minhas gestações serem de alto risco e de eu ter enfrentado três depressões pós-parto graves. Sou grata aos excelentes obstetras e profissionais que me acompanharam." Florence recorda da tristeza profunda, choro intenso, apatia e falta de energia para executar tarefas simples, como cortar as unhas das crianças. "Meu marido voltou para o Sul e o desespero aumentava, pois temia que algo acontecesse enquanto eu estava com cinco meninos pequenos." Apesar de ter sido um período bastante difícil, ela nunca parou de trabalhar. "Na verdade, o trabalho era meu refúgio." Durante a pandemia, Gustavo conseguiu se fixar em regime de teletrabalho e voltou para BH, para ficar com a família. Mesmo atropelados pela rotina de pouco tempo e muitas responsabilidades, o casal reparou que Mario, à época com 1 ano e 6 meses, ainda era uma criança não verbal. "Ele não falava uma palavra sequer, andava na ponta dos pés, não olhava nos olhos, era irritadiço, choroso e muito bravo. Ele aceitava todos, mas não me aceitava como mãe", notou Florence. A neuropediatra Thelma Ribeiro Noce diagnosticou Mario com TEA. "O marido não assimilou bem o diagnóstico, queria consultar um outro profissional, mas eu disse que iríamos enfrentar e tratar. O luto é muito comum, e não foi só do Gustavo, mas da família toda. Posso dizer que superamos. Desde então, seguimos com muita terapia. De uma criança não verbal, tenho, hoje, um menino verbal e muito feliz."

Já em Filippo, o TEA se manifestou de forma diferente. Mais dócil e risonho e até mais falante, ele repetia frases rapidamente, a ponto de os pais não conseguirem entendê-lo. Florence desconfiou e, mais uma vez, recorreu a Thelma, que deu novo diagnóstico. Florence relata que a família sofre preconceito por ser numerosa, mas, sobretudo, por ter dois filhos autistas. Belo Horizonte, ela avalia, não é uma capital preparada para acolher as demandas das crianças com TEA. "Não há escolas nem estabelecimentos comerciais preparados. Na porta da minha casa, há um comunicado informando que ali vivem autistas. As pessoas não estão educadas ainda para compreender que uma crise não é uma falta de educação, não é um ‘piti’", lamenta.

Entre os desafios que as famílias com crianças com TEA enfrentam, Florence destaca ainda que o transtorno costuma vir com outras doenças associadas, como TDAH, depressão e o Transtorno Opositivo Desafiador (TOD). Há, ainda, o luto de pais e mães, baixa autoestima e alta taxa de suicídio de mães e autistas adultos. Não é raro o abandono do lar pelos maridos, que deixam as esposas e filhos quando recebem o diagnóstico de uma criança atípica. "Os espectros são diferentes, e por isso é importante buscar orientação especializada e tratamento para os sintomas, ainda que não se tenha um diagnóstico fechado", afirma Florence. "Hoje, trabalhamos para informar e acolher cada vez mais pessoas sobre o TEA. O Montando um Time está em busca de parcerias e apoio de todos que se interessam pela nossa causa, para que possamos ter uma Belo Horizonte um estado de Minas Gerais mais inclusivo.".

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