
Com metas de longo alcance, que vislumbram a Belo Horizonte de 2050 - na sua visão uma cidade moderna, com arranha-céus, trânsito fluido e uma vida noturna ativa -, o prefeito que mira a capital do futuro demonstra hábitos simples, herdados de uma infância sem muitas condições num bairro da periferia da capital, o Concórdia, onde nasceu e foi criado. Radialista por longos 30 anos em uma grande emissora da capital, rodou o mundo, conheceu mais de 50 países, transmitiu finais de Copas do Mundo e Jogos Olímpicos, numa caminhada que, segundo ele, o inspirou a descortinar a metrópole que deseja.
“Eu já abri a janela do hotel e vi Pequim (China), Sydney (Austrália) e outras cidades que são um exemplo de desenvolvimento. Por que não termos algo assim?”, questiona ele, que estava no cargo interinamente desde 1º de janeiro e assumiu, de fato, após a morte do prefeito eleito Fuad Noman, em março deste ano. “Penso na BH moderna, dos grandes prédios. Eu quero uma outra Lagoinha. Trabalhei lá por muitos anos, pela Itatiaia, e continuo frequentando o bairro. Não posso deixar um local como aquele, praticamente no centro, sem ser povoado. No entanto, para isso, tenho que liberar as áreas que são próximas do metrô para moradia. E moradia mesmo é prédio de 20, de 30, de 50 andares. Mas, hoje, há empecilhos para isso acontecer.”

O objetivo, segundo ele, é uma gestão mais simples, objetiva, que desembarace os trâmites e facilite o empreendedorismo para que os setores, como o mercado de construção, voltem a ter interesse na cidade, coisa que, nos últimos anos, segundo ele, a cidade não despertava mais. Tanto que uma notícia na semana da entrevista à Encontro incomodou o chefe do executivo: a de que o jogador atleticano Hulk Paraíba havia comprado um apartamento de R$ 30 milhões na cidade vizinha, Nova Lima (na região metropolitana de BH). “E por que ele não comprou em BH? Porque a cidade não tem algo deste porte para oferecer.” Ele afirma que grandes empresários da capital optaram por construir em outras cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo, por conta da burocracia. “Eu quero que essas pessoas que saíram voltem, porque serão recebidas na Prefeitura com tapete vermelho.”
Outra prioridade da administração é a revisão do Plano Diretor. “Nós temos que modernizar a nossa cidade. O Plano Diretor tem coisas que precisam ser mudadas para se pensar na Belo Horizonte de 2050. Além de resolver o problema de hoje, eu quero olhar para frente”, afirma ele, que deve enviar um projeto à Câmara Municipal ainda neste ano para alterar as diretrizes do documento, que incluiriam a flexibilização das regras para a atuação do setor da construção civil. “É isso que a gente está conversando com a Câmara Municipal. Eu não posso colocar datas, porque não depende de mim.”
Mas ele admite que tem pressa. “Daqui a pouco, vamos perder o posto de terceira capital do Brasil para a quarta colocada. Belo Horizonte tem que avançar. No mercado imobiliário, no entretenimento. Temos algumas deficiências que foram deixadas de lado ao longo dos anos que eu preciso corrigir.” A cidade precisa, na visão do prefeito, se afirmar como destino de eventos – dos mais diversos formatos e segmentos. Damião quer receber congressos internacionais, feiras e encontros. “Temos que preparar a cidade para isso. Não é só música, é cardiologia, ciência, tecnologia…”, enumera, indicando que as diversas outras medidas correm também no sentido de tornar BH mais pronta a receber esses novos públicos.
“Tem uma coisa que já aconteceu comigo, já aconteceu com vocês e com certeza já aconteceu com quem ler a revista: você sai à noite, dá dez horas e o garçom chega na sua mesa e pergunta: ‘Quer fazer o último pedido? Porque a cozinha vai fechar’. Isso não pode continuar assim. A cidade não pode continuar dormindo cedo dessa maneira. Como vou ser a terceira capital do país se o turista chega à meia-noite no hotel e não tem para onde sair para jantar?”, reclama Damião, que quer uma Belo Horizonte viva à noite, com restaurantes abertos até tarde.
Para isso, ele entende que precisa agir em algumas frentes, como a segurança e o transporte público. “Muitos bares fecham nesse horário porque, depois, seus funcionários não teriam transporte para ir embora para casa – e o dono não tem como pagar aplicativo ou táxi pra todo mundo. É aí que a prefeitura pode agir, garantindo linhas funcionando em horários estendidos para que trabalhadores e frequentadores circulem com tranquilidade” defende. Mas o projeto, pondera, esbarra em obstáculos: parte da mão de obra da noite mora em cidades vizinhas e depende do transporte metropolitano, fora do alcance direto da sua gestão. “É aí que complica. Será que eles vão acompanhar esse nosso movimento?”, questiona.
Outra questão a que o prefeito diz estar atento é aos gargalos no trânsito de Belo Horizonte. Segundo Damião, obras estruturantes são vitais diante dos problemas acumulados ao longo dos anos. Uma das medidas será a municipalização do Anel Rodoviário - via que acumula diariamente estrangulamentos ao longo do trecho e traz entraves na articulação com a cidade. A transferência de gestão da União para o município aconteceria em 2 de junho.
A mobilidade no bairro Belvedere também foi citada por Damião. Lá, ele confirma duas intervenções prioritárias nas proximidades do BH Shopping a um custo de R$ 16 milhões: o alargamento do viaduto sobre a BR-356 e a implantação de um viaduto para o acesso direto dos veículos vindos da BR-356 (sentido BH/Rio) para a MG-30 (sentido BH/Nova Lima).
“Recentemente, passei uma manhã de domingo em reunião com os moradores do bairro. Fui lá democraticamente, para ver e ouvir. A partir daí, a prefeitura está trabalhando.” O objetivo, segundo Damião, é fazer as obras com uma recompensa ambiental. “Temos uma expectativa de plantar cerca 860 árvores na região e faremos a requalificação ambiental da Lagoa Seca, com a transferência para o município, tornando a área um espaço de uso para a população.”
E, do que depender dele, garante, até os atuais cartões postais devem ser potencializados. A lagoa da Pampulha, por exemplo, pode simbolizar essa nova fase que Damião propõe à cidade. “Sou o primeiro prefeito a navegar na Lagoa na era moderna. Antes de mim, só o Juscelino. E quero que todo mundo possa ter essa experiência. Já cobrei dos secretários: quero barcos, passeios, um novo olhar para esse patrimônio. Quero que as pessoas possam ver a Igreja São Francisco de Assis de frente, como eu vi no passeio que fiz navegando na lagoa. E quero que isso aconteça ainda neste ano”, determina. Ele admite que o lugar ainda tenha pontos críticos de poluição, mas garante que já não carrega o antigo mau cheiro e pode trilhar o mesmo caminho de revitalização para, no que promete ser um futuro breve, ser equiparável à Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio, e ao Lago Paranoá, em Brasília.
Com tantas menções ao desejo de criar, em sua gestão, os alicerces para a BH de 2050, e ainda impactado pela visita ao Conjunto Moderno da Pampulha, soa até óbvio que, ao ser perguntado sobre referências na política, Damião não hesitasse em citar Juscelino Kubitschek. Não que queira se comparar ao homem que foi prefeito de BH, governador de Minas e presidente do Brasil. Na verdade, para ele, JK surge como um farol.
“Ele é o nosso Pelé. E não dá para querer ser o Pelé”, diz, com a humildade de quem reconhece a grandiosidade do ídolo, mas sem esconder a ambição de também deixar um legado. “Quero que, daqui a 82 anos, quem estiver nessa cadeira que eu estou agora (a de prefeito) diga: ‘isso aqui foi o Álvaro Damião que fez’”, projeta.
‘O problema é morar na rua’
Enquanto imagina futuros, Damião frisa também suas preocupações mais emergenciais, entre as quais está um dos temas que mais mobilizam o prefeito: a população em situação de rua. E aqui ele faz questão de pontuar: “O morador de rua não é o problema. O problema é morar na rua”. Desde que assumiu, o prefeito diz vir costurando, com Ministério Público, Tribunal de Justiça e entidades como a Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL), a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), o Sistema Fecomércio e outros setores, um projeto de acolhimento, emprego e reinserção.
“Quero olhar no olho de cada um e dizer: ‘O que eu tenho para te oferecer é melhor do que o que você tem hoje. É dignidade. É cama, café da manhã e trabalho’”. Ele garante que o plano está em vias de ser iniciado. “Vamos tratar essas pessoas com o respeito que merecem. Tem quem esteja doente, quem precise de internação, de tratamento psiquiátrico, de dentista. Vamos cuidar e oferecer oportunidade”, define.
Já com a conversa se encaminhando para o fim, Damião recorre a um dos tantos jargões que cravou nos tempos de rádio – dos quais se orgulha, mas não sente propriamente saudade – para falar sobre o que mexe com ele hoje, como o chefe do executivo municipal: “É a vontade de ‘prefeitar’. Como dizia o Fuad: acordar todo dia e ‘prefeitar’. É trabalhoso, mas é gostoso. E saber que tem milhões de pessoas que dependem das suas ações… Isso é o que ‘mexe, remexe, estremece e enlouquece’ o prefeito”, menciona.
“A gente não tinha muito recurso, mas nunca faltou dignidade”

Hoje pai de três filhos - Giovanna Damião, Álvaro Damião Júnior e Kaique Oliveira - é com orgulho que o comunicador e político fala de suas origens, descortinando vestígios de quem é o homem por trás do título de prefeito. Nas palavras dele, alguém simples, o caçula de oito irmãos, filho de uma faxineira, Maria de Lourdes Pereira Paz, e de um policial militar, Edmundo Pereira da Paz, que morreu um mês antes do seu nascimento, criado graças à pensão deixada pelo pai e à luta de sua mãe – a quem citou ao menos nove vezes na entrevista.
“Minha mãe me teve sozinha, num domingo à tarde, enquanto meus irmãos tinham ido ao Mineirão”, introduz, para, em seguida, detalhar a história, um tanto mais complexa. Ele narra que sua família vivia em um loteamento, que pertencia a seu avô, cercado de barracos. Entre os tantos vizinhos estava dona Geralda, que ouviu quando Lourdes começou a gritar enquanto sofria com as dores das contrações de um parto que ocorreria rápido. A mulher correu até lá e, ao chegar, entendeu logo a situação. Então, foi à casa de dona Ana, a parteira que morava do outro lado da rua. Quando as duas chegaram, no entanto, o bebê já estava nos braços da mãe e coube às outras mulheres apenas o papel de cortar o cordão umbilical. Tarefa esta, ressalta Damião, que elas cumpriram bem.
Foi de dona Maria de Lourdes que herdou o gosto pelo café extra-forte servido no copo lagoinha. “Ela passava antes da gente sair para a escola, cedinho, e eu, com uns 5 anos, já ficava na barra da saia. Daí, o primeiro gole, aquele mais forte, era sempre meu e dela”, recorda, inteirando que os dois seguiram grudados, cuidando um do outro. “Levava marmita para ela todos os dias, às 11 da manhã, no prédio do Exército onde ela fazia faxina. A gente não tinha muito recurso, mas nunca faltou dignidade. E, na nossa casa, nenhum irmão foi parar em delegacia, nem para prestar depoimento”, orgulha-se, dizendo carregar, até hoje, os ensinamentos que lhe acompanham desde a infância.
Para o deputado estadual João Vítor Xavier, o homem que hoje ocupa o cargo de prefeito de Belo Horizonte, de fato, soube preservar sua essência. E é, ainda, o mesmo colega de redação com quem dividiu bastidores de estúdio da rádio: leve, animado, sempre de bom humor. “O Álvaro sempre foi uma pessoa muito alegre, muito animado e com bom humor. Sempre chegava brincando na redação, alegre com os colegas. Um cara muito leve. E mantém esse mesmo espírito como prefeito”, elogia.
Como deputado, João Vítor acredita que pode atuar na articulação entre a prefeitura e o governo do Estado, especialmente em temas que exigem cooperação metropolitana – o que pode repercutir em um empurrãozinho a mais para projetos que demandam medidas que estão além daquelas ao alcance do prefeito.
“BH não pode viver isolada. Precisa dos municípios ao redor. E os municípios também precisam da capital”, avalia.
“Fuad mudou a minha história”

Em dado momento, recorda-se da conversa que selou a chapa da dupla. “Foi aqui mesmo, nesta mesa”, aponta, indicando que estavam presentes apenas três pessoas: ele, Fuad e Bilac Pinto, liderança do União Brasil, partido ao qual é filiado. De início, Damião lembra de ter tido dúvidas: “Tem certeza que quer me escolher? É por causa do partido, do tempo de TV, do fundo eleitoral?”. Foi convencido pela franqueza da resposta que ouviu: “É por tudo isso, sim. Mas, principalmente, por você. Você é da cidade, tem oito anos de Câmara, o povo gosta de você e eu confio em você”. Antes de selar aliança, o então vereador quis se certificar de que, ocupando o posto de vice, não seria escanteado à condição de mero figurante, reivindicando espaço para trabalhar pela cidade. E Fuad garantiu: “Quero você comigo, quero você trabalhando. Você pode me ajudar demais com as pessoas mais simples de BH”.
A última conversa entre eles foi por telefone, em 1º de janeiro, dia da posse de Fuad e Damião, como prefeito e vice. Ele saía da Câmara de Vereadores quando viu no visor do celular: “Fuad”. Atendeu, apreensivo, imaginando uma cobrança política – o legislativo havia acabado de eleger Juliano Lopes (Podemos) presidente da Casa, e ele não era o candidato apoiado pelo então prefeito. Surpreendentemente, do outro lado da linha, ouviu agradecimentos. “Álvaro, você é muito forte. Eu sabia que tinha escolhido a pessoa certa”, elogiou. Poucos dias antes, na véspera de Natal, Damião havia feito uma visita pessoal à casa do ex-prefeito. “Fui só desejar feliz Natal. A política não era o assunto”, relembra. Depois disso, os contatos seguiram com a família de Fuad, mas o ex-prefeito, já debilitado, precisava de paz. “Então, tive que matar no peito e fui resolvendo tudo, para ele descansar tranquilo, seguindo às orientações do tratamento”, detalha.
Tamanha reverência, ao final, como quem compartilha um segredo, Damião ainda levou a reportagem até a sala onde Fuad despachava – mantida, até então, intacta. "Ainda não consigo trabalhar aqui. É uma energia muito forte", confessa, antecipando que, desde que recebeu uma visita da viúva de Fuad, dona Mônica Drummond, passou a se sentir autorizado a usar aquele cômodo. “Ela veio buscar alguns pertences dele, e me disse: ‘Álvaro, ele confiava em você. Quero que você atenda aqui’. Com isso, ela me libertou”, reconhece.
“Não podemos fazer política com o fígado”

“O Juliano é meu amigo. Trabalhei com ele no futebol por mais de 20 anos, depois, fomos vereadores juntos. Aquela disputa (para a presidência da Câmara) é democrática e normal. A gente tem que ser maduro para entender e não levar essas coisas para o coração, porque não podemos fazer política com o fígado. Faço política para resolver o problema das pessoas. E para resolver o problema das pessoas, eu tenho que ter aliados.”
O vereador concorda. Ele conta que os dois se conheceram em 2002, nos gramados – Juliano como árbitro central e Damião como repórter de campo. “Tive o privilégio de conhecê-lo no esporte, numa convivência muito boa”, lembra. Anos depois, os caminhos se cruzaram novamente na Câmara Municipal. “Conduzimos muitos projetos juntos em defesa do esporte”, recorda.
Agora, como presidente do Legislativo municipal, Lopes garante que a relação com o prefeito seguirá baseada em diálogo, independência e colaboração. “A população pode esperar uma Câmara harmônica e independente. E, no que for bom para Belo Horizonte, a prefeitura pode contar com nosso apoio”, examina.